terça-feira, janeiro 30, 2007

A Manaia

Não conheci a "Manaia", mas já utilizei a sua alcunha algumas vezes, para tornar mais claro aquilo que queria dizer.
A Manaia usava uma lógica muito própria e as pessoas não conseguiam deixar de achar piada. O resultado foi fixarem vários episódios, pequenas coisas do dia a dia, e depois, quando oportuno, recontam essas histórias, passando-as assim de geração em geração.
Por exemplo, a Manaia era uma rapariguinha e não usava saia (combinação) por debaixo do vestido, como era normal as meninas, raparigas e mulheres usarem. Quanto lhe faziam esse reparo, ela respondia: "Eu tenho 4 saias em casa". Ninguém acreditava, obviamente. Se tinha quatro saias em casa, porque não usava nenhuma?
Outro episódio que ouvi contar tem a ver com graus de parentesco. A Manaia afirmava ser prima de outra rapariga da mesma idade. Quando lhe perguntavam como é que podia ser, a Manaia respondia: "Ela é minha prima sim senhora, porque a minha mãe é madrinha da mãe dela."
É fácil de entender porque é que as pessoas se recordam da Manaia com um sorriso, sempre que se confrontam com algo que não tem lógica, com conversas um pouco sem sentido, estranhas.
Não conheci a Manaia, mas conheço muitas pessoas que se parecem com ela.

segunda-feira, janeiro 29, 2007

Aprantar

Há uns dias, ouvi esta expressão na boca de um homem do campo. A pronúncia era tão engraçada que ainda me deixou mais fascinada.
"Aprantar" ainda se utiliza, nalguns locias e entre os agricultores, em vez de "plantar".
Fiquei com tantas saudades da minha pequena horta que não cheguei a ter. E com saudades sem tamanho, imensas, do lindo jardim que tive e cuidei com carinho, que tanto bem me fez à alma, mas que depois me foi retirado.
Adoro "aprantar": escolher a melhor terra, o melhor local, a melhor época do ano para semear ou plantar uma determinada flor. Depois preocupar-me com a quantidade de água que ela precisa, dependendo das estações do ano, retirar folhas velhas, aconchegar a terra, retirar ervas daninhas e falar com as plantas em silêncio, porque essa é a melhor forma de conversar.
Tenho apenas cinco ou seis vasos em casa; olho para eles e imagino o meu jardim, tal como era antigamente. Ou então o jardim que, se Deus quisert, ainda terei. Transformo o pouco em Tudo; eis o segredo para ser feliz.

Amarrar o rabo ao diabo

Sempre tive tendência para as coisas me desaparecerem no momento em que mais preciso delas. A chave do carro, os óculos de sol, a agenda, um documento importante, o telemóvel, enfim...uma infinidade de objectos.
À medida que procuro os objectos misteriosamente desaparecidos, em todos os sítios possíveis e imaginários (o local mais extremo foi o balde do lixo), vou ficando cada vez mais irritada.
Há poucos dias, enquanto voltava a casa do avesso sem qualquer sucesso, lembrei-me de uma antiga receita para encontrar objectos perdidos.
Estava desesperada, porque isso acontece sempre que uma pessoa está cheia de pressa. Se não fosse o facto de não me lembrar com todo o pormenor desse velho costume, que ouvi relatado na boca dos antigos quando era criança, sem nunca ter experimentado, talvez o tivesse feito.
Antigamente, quando desaparecia uma coisa qualquer, as pessoas deduziam logo que era o diabo que andava "atentando" e então para acabar com a cena, "amarravam o rabo ao diabo". Era muito simples: amarravam uma linha com várias voltas, num dos dedos da mão, ignoro se havia um dedo obrigatório ou se tinha de ser na mão direita ou na esquerda.
Lembro-me de ouvir contar esta estratégia e de garantirem que resultava. O diabo ficaria preso, e acabava desistindo desse jogo estúpido de fazer desaparecer coisas, só para aborrecer as pessoas. A linha, segundo me parece, só era desatada do dedo depois de o objecto ter aparecido.

sexta-feira, janeiro 19, 2007

Quem será que vai perder o seu bichinho?

Ainda há poucos dias ouvi esta expressão, que é usada para transmitir espanto. Serve para mostrar incredulidade perante algum facto surpreendente. Algo tão inesperado e estranho, algo tão contrário ao habitual, que o povo compara a esse insólito e triste facto para um agricultor, que é perder um dos seus animais.
"Quem será que vai perder o seu bichinho?" - perguntava uma mulher do campo, ao verificar que, nesse dia, o seu homem não tinha ido para a venda tomar uns copos com os amigos, como de costume.
Hoje sou eu que digo "Quem irá perder o seu bichinho?" O facto surpreendente é o seguinte: pela primeira vez nos dois anos e meio de existência deste blog, ontem, 18 de Janeiro, não foi contabilizada uma única visita. Que terá acontecido? A média diária costuma ultrapassar as 30 entradas no blog, por vezes passa até das 40, com excepção dos fins-de-semana, em que por vezes baixam um pouco, mas ultimamente nem por isso.
Mas nenhuma? Nem uma única? Fico a pensar se terá havido alguma avaria no contador, para me consolar. Não será por isso que algum dia deixarei de escrever. Mas volto a repetir para os meus botões: "Quem será que vai perder o seu bichinho?"

Vermelho ao poente, vermelho ao nascente

Não é só o melro preto que ajuda a prever o tempo. A Natureza está cheia de sinais, que aprendi a reconhecer desde a infância. Normalmente são ditos sobre a forma de rimas, penso que para se fixarem melhor.
Uma das formas de saber o tempo que vai fazer no dia seguinte é observando se o poente ou o nascente se apresentam de cor avermelhada.
Um pôr-de-sol onde predomina o vermelho, é sinal de sol. Daí o regozijo desta sentença popular: "Vermelho ao poente, é amassar bolo e chamar gente." Convida a uma festa, a perspectiva de um dia de sol, anunciado por um poente vermelho.
Pelo contrário, se for o nascente que se apresente de cor vermelha, é prenúncio de chuva no dia seguinte. O provérbio que estabelece esta sentença é mais engraçado: "Vermelho ao nascente, é pôr a mão no cú e fugir sempre."
Eu dei uma gargalhada e perguntei o que é que o cú tinha a ver com a chuva, mas ninguém me soube responder.

A previsão do melro preto

Foi um longo dia de trabalho em que, por exemplo, durante horas se tentou chegar à fala com uma climatolologista, que estava difícil de contactar, mas era a pessoa indicada para explicar esta onda de calor, em pleno Inverno. Outra das notícias do dia dava conta de que os responsáveis pela gestão da água, ainda com o ano a começar, já tiveram de recorrer a reservas de água, para corresponder às necessidades.
Estava a chegar a casa dos meus pais, à noite, ainda a entrar na cozinha, que é por onde entro ainda, tal como antigamente, quando ouvi uma conversa do meu pai com o meu tio, que me deixou de boca aberta.
Dizia o meu pai: - "'Inda hoje voltei a ouvir os melros pretos cantarem." Fixei a atenção na conversa e estavam a falar do tempo seco. O meu pai não ouviu as notícias, nem falou com nenhum responsável pela gestão da água, nem com uma qualquer climatologista importante, mas sabe que o tempo vai ser seco durante todo este ano e lamentava-se por causa das colheitas.
O meu pai sabe dessa triste notícia graças ao canto dos melros pretos, que em anos normais não é habitual em Janeiro. Ora, "quando o melro preto canta em Janeiro, o tempo é sequeiro o ano inteiro." O povo não precisa de explicações complicadas e científicas. Basta estar atento aos sons da Natureza, para saber o que está a acontecer ao mundo.

quinta-feira, janeiro 11, 2007

Ter córte de...

"Ainda não tive córte de lhe perguntar."
"Ter córte" é ter oportunidade, a melhor ocasião para empreender uma qualquer acção. Normalmente está implicita a relação com os outros: não ter córte de perguntar, não ter córte de dizer...
"Quando eu tiver córte, vou ver se digo..."
É claro que por vezes tudo depende da ocasião oportuna. É importante saber escolher os momentos, essencial mesmo.
Mas também é verdade que para as coisas difíceis nunca haverá "córte". E não é por isso que elas devem ficar por dizer, ou por perguntar.
Tudo o que fica por dizer vai ganhando peso à medida que o tempo passa e um dia, sem as pessoas se aperceberem, carregam toneladas sobre os ombros e já nada há a fazer.
Na espera para "ter córte", corre-se o risco de perdas irremediáveis.
Atenção ao "córte", mas cuidado com o "córte".

quarta-feira, janeiro 10, 2007

Parece uma imprensa!

"Parece uma imprensa!" A admiração levou a minha mãe a repetir a expressão mais do que uma vez. "Parece uma imprensa!"
Fora convidada para entrar em casa de uma vizinha e, embora fosse um domingo de manhã, e estivessem a regressar da missa, e apesar de ela ter duas crianças, a casa estava impecavelmente arrumada. Sem nada fora do sítio, nem seuqer no quarto dos pequenos. Estava tudo perfeito.
Aquela casa parecia "uma imprensa", de tão perfeitamente arranjada, e a minha mãe não parava de mostrar a sua admiração.
Sempre ouvi esta expressão aplicada a tudo o que é perfeito, como por exemplo ao bordado de outra vizinha nossa, muito perfeccionista. Tudo o que fica perfeito é "uma imprensa". A expressão será tão antiga quanto o nascimento da imprensa, penso com os meus botões. Imagino a admiração do povo perante a perfeição das letras impressas, algo que parecia impossível, mas ali estava, afinal.
"Ela tem a casa que parece uma imprensa!" Optei por nada dizer, para não roubar à minha mãe absolutamente nada daquela admiração. Limitei-me a ouvir, enquanto ela descrevia os quartos das crianças, de cama feita e tudo no sítio, embora fosse domingo de manhã, e os corredores e a cozinha e a sala e sei lá que mais.
Por mim, fazem-me impressão as casas que "parecem uma imprensa", porque são casas onde parece que não vive gente. As casas em que habitam pessoas normais mão podem estar sempre tão abolutamente impecáveis, muito menos num domingo de manhã. Nas casas de verdade, onde dá prazer habitar, as camas podem ficar desfeitas um dia inteiro, e pode restar louça para lavar daí a bocado e a roupa pode ficar amontoada, à espera de ser engomada em melhor oportunidade, que não vem mal maior ao mundo.
"Parece uma imprensa". Nunca alguém poderá dizer o mesmo da minha casa. E eu fico contente. A perfeição sempre teve o dom de me irritar.

Uma telha corrida

" - Ele tem uma telha corrida". Fiquei a olhar, sem perceber nada da conversa. Uma telha corrida?
Eu sei que devia conhecer esta expressão, que afinal parece que toda a gente conhece. Mas a verdade é que não me lembro de a ter ouvido antes.
Ter uma telha corrida é não regular bem, não jogar com o baralho todo, ter um parafuso a menos e sei lá que mais.
Ora, é bem verdade que basta uma telha corrida, uma única, para entrar água no telhado de uma casa. Que engraçado!
Muitos mestres de construção civil seriam necessários para reparar tanta telha corrida que por aí há. Está resolvido o problema da escassez de obras e, logo, do possível desemprego de profissionais do ramo.

segunda-feira, janeiro 08, 2007

Não está se pisando

Uma mulher pediu licença para se sentar na mesa do café onde eu estava entretida a ler o Jornal e a tomar um café. Acenei que sim com a cabeça e sorri. Ela sentou-se, bebericou o garoto claro e foi dizendo que estava bem bom e que, afinal, o que é que se havia de fazer ao dinheiro? Era melhorar aproveitar e tomar um cafezinho, do que deixa o dinheiro p'raí quando se morresse.
A mulher desconhecida, de cabelo cinzento e talvez uns sessenta e poucos anos, levou a chávena novamente à boca e perguntou: " - Também é solteira, quema eu?"
Ao princípio não percebi que a pergunta era para mim. Mas era. Não havia mais ninguém na mesa, e era o meu rosto que ela fixava, à espera que eu levantasse os olhos do artigo que estava a ler e lhe respondesse. Voltei a sorrir e fiz um aceno afirmativo. Aliás, penso que ela não esperaria outra coisa, provavelmente já me tinha visto por ali noutras ocasiões e sempre sozinha.
Então, ela esboçou um sorriso de satisfação, afinal o seu palpite não estava errado, e concluiu com uma pergunta: " - E está se pisando?" " - Não está se pisando, quema ê tamém nã tou me pisando".
Ontem, cruzei-me com a mesma senhora na ida para o mesmo café e cumprimentei-a como a uma velha conhecida. Sorri-lhe e ela também sorriu, numa espécie de cumplicidade. Não, não nos estamos pisando.

P.S. Este é o texto número trezentos deste blog. Uau, já merecíamos ir para o guiness também. lol

quinta-feira, janeiro 04, 2007

Aquintrodia










Parece que foi mesmo aquintrodia. Lembro-me de me terem tirado esta fotografia, de todas a minha preferida. Usava uma camisola encarnada e o cabelo com uma ondulação grada. Estou encostada a um rochedo escuro e ao fundo vê-se o mar. Lembro-me com tanta nitidez que parece ter sido aquintrodia.
No entanto, basta uma conta de cabeça para logo me aperceber que esta foto foi tirada precisamente há 19 anos. Os sonhos, inúmeros, que tinha então não cabiam dentro da fotografia. Tudo estava em aberto, tudo podia ainda acontecer.
Passaram dezanove anos e não sei dizer ao certo quantas dessas coisas aconteceram e quantas ficaram por acontecer. Só sei que parece ter sido aquintrodia e que os sonhos continuam a não caber dentro de uma fotografia. Tudo está em aberto, tudo pode ainda acontecer.

terça-feira, janeiro 02, 2007

Por artes de um melro

O Ti Nóbrega, que apresentei noutras histórias deste blog, costumava contar, com orgulho, que a sua vida tinha começado por artes de um melro. Repetia-se à parte económica, naturalmente. Um belo dia, ainda muito jovem, o Ti Nóbrega conseguiu apanhar um melro, que foi vender à cidade. Aplicou o dinheiro do melro noutra coisa, que lhe deu mais dinheiro, e foi assim que tudo começou. Por artes de um melro.
O povo achava imensa graça a tudo o que o Ti Nóbrega contava, incluindo esta história da sua entrada no mundo dos negócios. Todos achavam piada e ainda hoje recordam a expressão, normalmente quando se referem a um qualquer início. A alguma coisa que comece com bem pouco. Normalmente quando é algo que provoca o riso, de tão insignificante que parece.
O meu ano começa assim. Sem nada de concreto, mas com uma pequena esperança a luzir dentro de mim. Algo imperceptível. Invisível ao olhar. Nesse pequeno brilho, tão pequeno que ninguém consegue sequer pressenti-lo, a não ser eu, pode estar o início de um caminho novo, um caminho de tranquilidade. Sei que basta uma pequena esperança para que tudo mude.
Tal como a vida do Ti Nóbrega mudou "por artes de um melro".

This page is powered by Blogger. Isn't yours?

Web Pages referring to this page
Link to this page and get a link back!