terça-feira, agosto 31, 2010

o sustento e o ensino

- "Quem dá o sustento, dá o ensino".
Agarrei a frase no ar, fora de contexto, quando passava junto às duas mulheres que conversavam dentro de uma loja. Apercebi-me que falavam sobre uma criança. Provavalmente a propósito de alguma birra ou cena de má educação. Talvez a tivessem presenciado, quem sabe?Talvez eu a tenha perdido por instantes.
- "Quem dá o sustento, dá o ensino".
Agarrei no ar o antigo ditado que mantém uma actualidade indiscutível e decidi de imediato que merecia ser registado e metido pelos olhos dentro de muitos pais que hoje pensam que basta dar o sustento, e que o resto fica com os outros, não importa se é a televisão, o computador, a escola, os colegas, os avós ou sei lá que mais.
- "Quem dá o sustento, dá o ensino." Ensino no sentido de educação, de valores, de ideiais. As crianças não precisam de ter todos os jogos que same no mercado nem todos os últimos modelos de telemóveis nem as roupas de marca que entenderam. Sem isso vivem bem. Mas não vivem bem sem o ensino. Assusta-me ver tanta gente a pensar o contrário e a fazer o contrário do ditado que apanhei no ar, fora de contexto, quando passava junto a duas mulheres que conversavam dentro de uma loja.

domingo, agosto 29, 2010

nascer ao domingo

Segundo os antigos, o melhor dia para nascer era o domingo.
Quem nascesse ao domingo tinha assegurada uma espécie de protecção especial: nenhum mal ou bruxaria poderia afectar a pessoa ao longo da vida.
Não sei se isto é verdade.
Só sei que nasci num sábado, mais um bocadinho e estava lá.

terça-feira, agosto 24, 2010

rabalhusca

- "Ela estava toda rabalhusca!" Quando usava este termo a minha avolita não estava verdadeiramente a fazer uma critica, porque ela sempre achou piada às pessoas de modos bruscos. A minha avolita ria-se quando alguém lhe falava de forma rabalhusca. Em vez de se irritar quando lhe falavam com falta de delicadeza, era capaz de se perder numa longa gargalhada, que contagiava toda a gente. A minha querida avó era assim, e eu tenho pena de não ter herdado dela essa qualidade.
Os modos rabalhuscos, dependendo de onde vêm, e das circunstâncias em que acontecem, conseguem deixar-me ora triste, ora irritada, ora furiosa. Gostaria de conseguir fazer como a minha avó, de me rir muito e achar piada.
Porém ela já não está cá para me ensinar como se faz isso.

quinta-feira, agosto 19, 2010

quem fala sozinho

- "Desculpe, estou falando sozinha".
- "Tem dinheiro no banco!"
- "Como?"
-" Tem dinheiro no banco".
E eu sem perceber.
-"Então nunca ouvi este dito antigo? Já minha avó dizia: "Quem fala sozinho tem dinheiro no banco!"
Ao lado, outra pessoa confirma: "É verdade, sim senhora, minha avó dizia a mesma coisa. Não me diga que nunca tinha ouvido, e gosta tanta destas coisas!"
É verdade. Gosto destas coisas mas nunca tinha ouvido este dito, que engraçado! Porquê? Qual a relação entre falar sozinho e ter dinheiro no banco?
- "Olhe, também eu fazia essa pergunta a minha avó, mas ela nunca soube me responder. Era uma coisa que ela já ouvia dos pais dela..."
Talvez as pessoas que tinham mais posses tivessem tendência a falarem muito consigo mesmas, deitando contas à vida, fazendo as contas do dito dinheiro, enquanto as outras, sem posses nenhumas, iam vivendo o dia a dia sem contas para fazer. Quem sabe?

quarta-feira, agosto 18, 2010

Quem não poupa nem herda

Nestes seis anos de Rabo do Gato, tenho tido algum cuidado nas expressões que aqui coloco e reconheço ter feito alguma censura a frases mais brejeiras.
Hoje não resisto a registar um provérbio que ouvi recentemente e diz assim: "Quem não poupa nem herda, não tem senão merda." No tempo em que o ditado foi inventado talvez fosse verdade, mas hoje todos sabemos que não.
Poupar e herdar já não são as formas mais habituais de ter algo de seu. Bem pelo contrário: Quem mais tem normalmente nem herdou, nem poupou e muitas vezes nem trabalhou.
Eis um bom exemplo de evolução da língua e dos costumes, em que os sábios ditados de outros tempos ficam totalmente desactualizados.

terça-feira, agosto 17, 2010

O enjoo do fumo

-"Não se suporta o enjoo do fumo". Uma vizinha da senhora que olhava à volta e via tudo abrasado e do senhor que perdeu uma gavela de bicharada, falou no enjoo do fumo. Mais uma vez pego na palavra e anoto-a no canto da memória onde vou guardando material para o blogue. Continua-se a usar enjoo como sinónimo de mau cheiro, ou talvez não seja exactamente sinónimo. Acho que o enjoo é pior do que o mau cheiro.
Enjoo é um mal-estar normalmente com vómito, uma náusea, aquilo que muitas mulheres sentem durante o início da gravidez, aquilo que muitos sentem ao viajar de barco. Mas esse sentido só aprendi muito depois de ter aprendido o outro, o que a mulher do Ribeiro Serrão, ainda com a voz assustada, usou para se referir ao mau-cheiro. Na minha infância, enjoar era cheirar mal e não havia mais conversa. Enjoar também pode ser utilizado com sentido figurado, já ouvi e já usei. Por isso digo que não se suporta o enjoo do fumo nem se suporta o enjoo de tantas outras coisas, que não vale a pena aqui mencionar, para bom entendedor meia palavra basta.

segunda-feira, agosto 16, 2010

uma gavela de bicharada

No mesmo sítio, um dos vários que ficou todo abrasado, um homem disse com o mesmo desespero na voz e o mesmo choro na alma: "Perdi uma gavela de bicharada!"
Logo reparo em mais esta palavra da infância, a palavra gavela. A minha contava que quando ia ganhar dias na ceifa, nas chamuscas, fazia gavelas de trigo que mais tarde era debulhado na eira. Uma gavela é portanto uma mão-cheia, um punhado de espigas cortadas, amarrado com uma das palhas. Mas como acontece com muitas outras palavras, o sentido alarga-se a outras situações. Uma gavela passou a significar uma determinada quantidade, que não sei precisar e dependerá de quem utiliza a expressão. Uma gavela de bicharada serão quantos animais? Coitado o homem! Mesmo que fosse só um.
Maldito Lume!

domingo, agosto 15, 2010

Está tudo abrasado!

- "Está tudo abrasado!"
Sentia-se o desespero na voz da mulher que descrevia assim a paisagem à sua volta, depois de uma noite inteira a tentar salvar uma casa humilde das chamas.
-"Está tudo abrasado!"
Lembrei-me que na infância também usava a palavra "abrasado", em vez de queimado. Está correcta mas não sei proquê caiu em desuso.
Tocávamos numa coisa quente e dizíamos: - "Abrasei-me". O sol estava muito quente e dizíamos que estava abrasando.
Graças à mulher do Sítio do Ribeiro Serrão que descrevia assim o que via à sua volta, lembrei-me desta palavra-memória. Gosto de me lembrar. Mas não assim, por motivos tão negros. Preferia tê-la esquecido para sempre.

quarta-feira, agosto 11, 2010

O gófio da Ti Joaquina

A minha bisavó materna chamava-se Joaquina e sabia fazer gófio. Nunca provei essa estranha comida mas sinto que a saboreei muitas vezes, à boleia das memórias de infância da minha mãe. Todas as vezes que a minha mãe fala da sua avó materna chamada Joaquina, recorda o sabor desse antigo prato com um entusiasmo e com uma saudade tão intensos que dá gosto ouvi-la e dá gosto participar nessa viagem ao passado.
A minha bisavó Joaquina fazia gófio com centeio, que semeava, mondava, ceifava, malhava. Antes de levar ao moinho os grãos de centeio, a minha bisavó Joaquina que eu só conheço através destas memórias, torrava-os numa panela. Era por isso que a moleira ficava muito aborrecida quando a via chegar com o seu saco de centeio; as pedras do moinho ficavam sujas, que grande aborrecimento! Então a minha bisavó levava também um saquinho de trigo, para ser moido no final, assim as pedras do moinho ficavam tão limpas como estavam.
A farinha de centeio era deitada dentro de um alguidar, enquanto a minha bisavó fazia à parte, na panela de ferro colocada sobre o lar, um guisado com muita cebola, tomate, feijão e outros legumes, bem temperado como só ela sabia e mais ninguém.
Quando o guisado ficava pronto, deitava todo o conteúdo da panela para dentro do alguidar e amassava-o juntamente com o centeio, até ficar com a consistência ideal. Então, enquanto as crianças davam carreiras, entrando e saindo da cozinha e se acotovelavam à volta dela, aguardando o almoço, a Ti Joaquina fazia bolas redondas com a mistura do alguidar. Este prato é o que a minha mãe guarda como o mais saboroso de toda a sua infância.
Todos sabemos que os sabores da infância têm um sabor único apenas se não voltar a haver oportunidade de se repetirem. E felizmente foi o que aconteceu com o gófio, um prato que julgo não ser confeccionado há muito tempo na Madeira, pelo menos nunca o vi em lugar nenhum nem ouvi falar dele a não ser nestas memórias maternas.
O gófio deve ter sido trazido para a Madeira por influência das Canárias, onde também não o provei mas sei que é um prato tradicional e onde há cerca de 20 anos aprendi a seguinte quadra do folclore popular: "Isla de Fuerteventura/isla donde naci yo/isla de gofio e tarena/y de bon mojo picon."

terça-feira, agosto 10, 2010

Seis anos de Rabo do Gato

Basta que sim! O Rabo do Gato completa hoje seis anos. Os primeiros textos foram aqui colocados no dia 10 de Agosto de 2004. Actualmente tem cerca de 700 textos. São inúmeros, por vezes até eu me surpreendo, porque já não me lembrava de os ter escrito. Devido à extensão do blogue os textos não aparecem todos na página principal. Para aceder aos mais antigos basta clicar à direita em arquivo, no respectivo mês e ano.
Muitas pessoas me perguntam porque não publicar estes textos em livro. Porque não? Esse continua a ser um objectivo mas dá tempo. Então não! O mais importante é continuar a registar. A minha memória fervilha de palavras e de histórias e espero daqui a um ano estar novamente aqui a fazer referência ao aniversário do blogue. OBRIGADA A TODOS pela leitura e pelo incentivo.

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