sábado, fevereiro 28, 2009

A irmã feiticeira

Não me lembro de ter ouvido falar disto durante a minha infância, mas eu não posso lembrar-me de tudo, era o que faltava.
Havendo sete irmãs seguidas, o que não era raro naquele tempo, a sétima seria feiticeira. A única forma de a livrar desse destino era, para além de lhe dar o nome de Maria, que a irmã mais velha fosse sua madrinha de baptismo.
Fiquei contente com este "achado", que me vieram contar precisamente por saberem do meu gosto pela recolha destes pequenos tesouros da cultura popular. Tratar-se-ia de uma crença generalizada, tal como pude confirmar junto de pessoas de outras localidades.
Está explicado porque é que as feiticeiras desapareceram do mapa. Quem é que actualmente tem sete filhas seguidas?

terça-feira, fevereiro 24, 2009

Alegrias e tristezas

Alegrias e tristezas
Tudo por mim tem passado
Se muito me tenho rido
Muito mais tenho chorado

Quadra recolhida no Sítio da Ribeira dos Pretetes
16-02-1986
Solomé Fernandes

terça-feira, fevereiro 17, 2009

uma tesoura aberta

- "Será que está alguma tesoura aberta?" - pensavam os donos da casa. A visita -uma mulher - estava a demorar-se demasiado e nem a receita da vassoura atrás da porta resultava. Parecia estar prestes a ir-se embora mas não o fazia. Algo parecia impedi-la de deixar a casa, somo se uma qualquer força superior a não deixasse avançar.
Dizia-se antigamente que isto acontecia se a mulher em causa fosse feiticeira. Enquanto houvesse em casa uma tesoura aberta ela não conseguiria dar por terminada a visita e ia ficando, ficando, sem justificação.
A solução para que os donos da casa se vissem livres da visita, era mesmo ir confirmar se alguma tesoura estaria aberta e fechá-la. Viam-se enfim na hora da despedida e confirmavam a suspeita de que a dita senhora era uma das muitas feiticeiras do sítio. Qualquer mulher um pouco mais estranha ficava com fama de feiticeira e era difícil livrar-se da suspeita, ainda mais se esta fosse comprovada com pequenas evidência, como a tesoura aberta, às vezes de propósito para obter a sentença final.
Hoje em dia já não existem feiticeiras e esta superstição da tesoura aberta caiu no esquecimento.
O que continua actual é a fama que qualquer pessoa pode ganhar graças a algum facto menor, normalmente insignificante, e da qual se torna quase impossível livrar-se.

sábado, fevereiro 14, 2009

a vassoura atrás da porta

Havia antigamente um método para fazer com que se fossem embora as visitas demoradas, daquelas que ficam na sorna e nunca mais se despacham e não percebem que a visita já está demasiado longa e passou de agradável a aborrecida.
Esse método era muito simples. Bastava colocar a vassoura atrás da porta, virada ao contrário.
Não posso afiançar a eficácia do método, até porque nunca tive de o experimentar. Nunca tive visitas aborrecidas.

sexta-feira, fevereiro 13, 2009

A mosca varejenta

Um dos bichos mais detestados de todos, a mosca varejenta anunciava a chegada de uma bilhardeira.
- "Quem será a bilhardeira que vai chegar aqui?" O tom denotava logo irritação. E eis que o apupo no canto do terreiro indicava a chegada de uma mulher, uma qualquer vizinha, numa das muitas voltas que era necessário fazer e que mantinha sempre as pessoas em contacto.
Com a falta de distracções, era muito difícil as pessoas não serem bilhardeiras e deviam ser poucas as execpções. À falta de outros passatempos, falava-se da vida dos outros. Quem não tiver culpas que atire a primeira pedra.

quinta-feira, fevereiro 12, 2009

O zango

O zangão era "o zango". O "ão" do final da palavra não se dizia e eu lembro-me de ter ficado espantada, anos mais tarde, quando ouvi ou li a palavra zangão, fora do ambiente familiar.
Ora, ao contrário da abelha, que tinha o dom de anunciar "a chegada de uma boa mulher", o zango anunciava a chegada de um rapaz. E se não fosse isso, seria com certeza a chegada de uma carta. E quem é que, antigamente, não esperava uma carta? O zango era sempre bem vindo.

quarta-feira, fevereiro 11, 2009

A sorte da abelha

A abelha também não devia ser morta, em circunstância alguma. "- É uma abelha? Então não se mata". Lembro-me tão bem de ouvir este conselho. A dúvida podia surgir por causa das vespas, com algumas semelhanças, mas assim que ficava esclarecida, era certo que a abelha seria poupada e a vespa corria o risco de ir desta para melhor.
"- Porque a abelha é um bichinho de Nosso Senhor", explicava a minha avó pacientemente.
Para além do mais, as abelhas anunciavam a chegada "de uma boa mulher".

terça-feira, fevereiro 10, 2009

um bichinho de nosso Senhor

As pessoas também não se atreviam a matar um grilo. Mas neste caso, a explicação é diferente. Um grilo nunca se deve matar porque "é um bichinho de Nosso Senhor". Os antigos traduziam o "gri gri" dos grilos como "Cristo, Cristo, Cristo." Era assim que os grilos cantavam antigamente e asseguravam assim a sua divina sobrevivência. E ainda bem, afinal que mal pode fazer um grilo?
Se as pessoas ainda acreditassem nestas coisas, na divindade das criaturas e da Natureza, o mundo seria bem melhor.

segunda-feira, fevereiro 09, 2009

as baratas e o dinheiro

"Quem tem baratas tem dinheiro". Era por causa deste ditado que antigamente as pessoas não gostavam de matar as baratas. Levavam o ditado à risca e não as matavam. Não percebo o que é que as baratas têm a ver com o dinheiro. Se as coisas tivessem alguma lógica, devia ser ao contrário. Porque não: "Quem não tem baratas, tem dinheiro", seguindo a ideia de que o dinheiro seria suficiente para assegurar uma extrema limpeza da casa, provavelmente pagando empregadas, e assim havia menos risco de surgirem baratas?
Em muitas situações, não é possível encontrar qualquer explicação que faça sentido. E qual a necessidade disso? Para que servem as explicações?

domingo, fevereiro 08, 2009

a peneira na cabeça

"- Não ponhas a peneira na cabeça que não cresces mais". Todas as crianças do meu tempo e dos tempos antes do meu ouviram este aviso sério, envolvendo um objecto então de uso quotidiano. Em todas as casas havia pelo menos uma peneira, usada sobretudo para peneirar o milho, antes de o cozer, separando a parte mais fina do farelo.
As crianças tinham tendência a brincar com a peneira, tal como com todos os outros objectos da cozinha, tachos e panelas e sei lá que mais, afinal não havia brinquedos, os brinquedos eram preciosidades raras acessíveis apenas às famílias de mais posses.
Ora, penso que para evitar que as crianças colocassem sobre a cabeça a peneira, que dava jeito fingir ser um chapéu, se terá inventado a superstição de que o fazer resultava em não crescer a partir desse momento. E quem queria não crescer, ficar pêco? O aviso resultava em cheio e as peneira ficava higienicamente a salvo das cabeças da pequenada.

sábado, fevereiro 07, 2009

como as crianças podem ficar mudas

Colocar os bebés à frente de um espelho era algo impensável. Era de evitar a qualquer custo. Aquela brincadeira que hoje qualquer pessoa faz, de ver a reacção da criança face à sua própria imagem reflectida, era totalmente proibida. Porquê?
Porque segundo a crença popular, se os bebés fossem colocados à frente de um espelho corriam o risco de ficarem mudos. E esse caso já não podia ser resolvido pela massa de bolo.

sexta-feira, fevereiro 06, 2009

remédio para as crianças falarem

Quando uma criança "demorava a falar", havia um remédio muito simples: Davam-lhe massa de bolo. E dizem que se resolvia o problema. Que era remédio santo. Mais dia, menos dia, depois de comer a massa de bolo, a criança acabava por começar a falar e assim se dissipavam os temores de que ela pudesse eventualmente ser muda.
Resumindo e concluindo, no tempo em que ninguém sonhava ainda com uma coisa chamada terapia da fala, havia a massa de bolo. Estava à mão, era natural, não custava muito caro. Porque é que já não existem soluções assim para nada?

quinta-feira, fevereiro 05, 2009

quadra

Mais vale um buraco roto
Qu'um remendo mal deitado
S'eu não cuidar ninguém cuida
Do qu'eu tenho a meu cuidado

Recolhida no Sítio da Ribeira dos Pretetes, Caniço, a 26-06-1988

quarta-feira, fevereiro 04, 2009

despique

Ali em baixo 'tá uma teima
Alcatrão que não é breu
'Tava c'um saco nos olhos
Quando foste marido meu

A cortiça vai ao fundo
Nas pedrinhas a adanar
Não fui eu que te falei
Tu é que me vieste rogar


Há muitos, muitos anos, um casal cantou estas quadras ao desafio durante um despique numa excursão ao arraial do Monte. Por uma qualquer razão que não sei, quem ouviu ficou com as cantigas na memória. Muitos anos mais tarde, tive a sorte de mas cantarem e de carinhosamente as repetirem para que eu as pudesse anotar.

terça-feira, fevereiro 03, 2009

Dia de São Brás

"Quando chove dia de São Brás, chove quarenta dias e mais". Ouço este ensinamento desde criança, mas ano após ano esqueço-me de o confirmar, o dia acaba passando despercebido.
O dia de São Brás é assinalado a 3 de Fevereiro, no dia a seguir ao de Nossa Senhora das Candeias. Quando chove neste dia, dizem que chove muitos dias seguidos, "quarenta dias e mais" diz o povo para demonstrar bem a dimensão das chuvas anunciadas pelas chuvas do São Brás.
Este ano, estarei atenta.

segunda-feira, fevereiro 02, 2009

nascer com o cordão à volta do pescoço

Este pormenor era tido muito em conta antigamente. Nascer com o cordão umbilical à volta do pescoço era sinal de fortuna. Mas - há sempre um mas - também obrigava a que a criança tivesse forçosamente de ter José no nome. Assim se justificam as muitas "Maria José" que por aí existem.
Diziam os antigos que se à criança nascida com o cordão umbilical à volta do pescoço não se colocasse o nome de José, fosse rapaz ou rapariga, ela morreria "afogada", que julgo ser a maneira de o povo dizer asfixiada. Que trágico!
Não conheço quem tenha arriscado a não colocar o nome de José e por isso não posso confirmar nem desmentir este antigo hábito.

domingo, fevereiro 01, 2009

Uma tesoura debaixo do travesseiro

Enquanto uma criança não era baptizada, era costume as pessoas colocarem uma tesoura aberta debaixo do travesseiro da criança para afastar o mal. Em alternativa à tesoura, algumas pessoas costumavam colocar um terço.
Eu não cheguei a ter nenhuma desses objectos debaixo da almofada porque os meus pais seguiram outra tradição da época e baptizaram-se logo, no regresso do hospital. Antes de ir para casa, fizeram um desvio até à igreja e baptizaram-me.
E foi nesse percurso entre o Hospital Velho e a Igreja do Caniço que o meu nome foi escolhido, tendo vencido a preferência da minha avó e madrinha, que Deus a tenha.

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