quarta-feira, novembro 30, 2005

Cura de olhado e de inveja

"Maria foi o nome que te puser na pia eu te cure com o nome de Deus e da Virgem Maria de olhado e de inveja e de mal empresado e atraveçado no teu comer e beber e no teu trabalhar em toudo o teu corpo e no teu crescer e em touda a tua gordura e em touda a tua formusura eu te cure em louvor do senhor São Cristovão foram dois que te deram e três que te hão-de tirar que é as três pessoas Divinas da Santíssima Trindade, vai-te maldita inveja para o meio daquele mar onde tu não oiças falar nem galo cantar, nem gado bento berrar sou eu que te cure e Deus que sare que é Deus pai e Deus filho e Deus Espírito Santo."

Encontrei esta cura de olhado e de inveja escrita tal e qual aqui a transcrevo, com uma letra que não reconheço, numa folha de papel dobrada, por entre outros papeis numa capa ainda mal organizada onde guardo algumas das recolhas que fui fazendo nos últimos vinte anos.
Não sei quem ma deu. Talvez tenho sido o meu tio Rochinha, que Deus lhe dê o céu. Ele sabia estas e outras curas e achava piada ao meu interesse por estas coisas. Por isso deu-me algumas, talvez esta seja uma delas. Ou talvez fosse outra pessoa, também é provável. Sinto pena de não ter escrito o nome e a data.
Ontem eu disse, na brincadeira: "Devo ter um camadão de olhado. Sempre que tenho folgas prolongadas fico doente." Ri-me. E lembrei-me das curas de olhado antigamente tão praticadas para afastar qualquer mal-estar ou azar. Um dos sintomas que as pessoas associavam a ter olhado era começar a abrir a boca muitas vezes.
É claro que antes desta oração de cura, repetida nove vezes para surtir os efeitos desejados, com uma cruz de alecrim, era preciso experimentar para ver se a pessoa realmente tinha olhado ou inveja.

segunda-feira, novembro 28, 2005

Vem de casa da mãe, boa barriga tem!

É uma história que ouço contar desde pequena. Não sei quem é a personagem principal, apenas que se trata de um rapaz. Chegando a casa da rapariga com quem andava para casar, as pessoas da casa pensavam: "Vem de casa da mãe, boa barriga tem". E posto isto, não lhe ofereciam comida. O pobre do rapaz, lá voltada a casa pensando que aí ia tirar a barriga de miséria. Mas quando lá chegava, constatava que não lhe tinham deixado comida. Porque pensavam assim: "Vem de casa da rapariga, traz boa barriga". E neste empurra andava o rapaz, coitado, cheio de fome de um lado para o outro.
Esta história continua a ser lembrada, sempre que se proporciona uma situação com alguma semelhança. Ainda um dia destes, em casa dos meus pais, recordámos a história e rimo-nos à volta da mesa da cozinha. A minha filha tinha estado em casa da avó paterna e a minha mãe pensava que lá teria jantado, quando na realidade não tinha. Foi o suficiente para contar a história do rapaz que andava com fome, devido a estes pressupostos: "Vem de casa da mãe, boa barriga tem". "Vem de casa da rapariga, traz boa barriga."
Com base nesta mesma história, havia outras rimas, inventadas para ocasiões diversas, como esta: "Vem de casa do rapaz, boa barriga traz." Depois é uma questão de pôr a imaginação a funcionar e inventar outras rimas.
Como é aconchegante estar à volta de uma mesa onde a mínima coisa suscita uma história ou a recordação de um qualquer acontecimento. A rima bate certo neste caso: "Vem de casa da mãe, boa barriga tem". Quando venho da casa da minha mãe, nao só trago sempre boa barriga, como o espítito preenchido, abastecido de novas ou velhas histórias e de ternura.

quarta-feira, novembro 23, 2005

Um maracujal e uma araçás

São dois frutos de que gosto muito e que me levam sempre à infância e, inevitavelmente, à forma estranha como se diziam.
"Queres um maracujal?" Eu tenho a certeza de que maracujá se dizia com um "l" no fim, senão porque haveria eu de me lembrar da palavra assim pronunciada. "Um maracujal". Quero sim, quem não ia querer tão saboroso fruto?
Quero "um maracujal" dos roxos, para partir ao meio, deitar açúcar dentro das duas partes e depois, com a ajuda de uma colher de chá, ir comendo devagar, para melhor saborear, o conteúdo de cada uma das metades.
Quero também "um maracujal" comprido, que se pode partir com a mão e não precisa de açúcar, de preferência bem maduro. Adoro maracujás. No plural dizia-se assim. Mas no singular nenhum maracujá existiu na minha infãncia sem um "l" no final da palavra. E a explicação para esta forma de dizer deve ser bem simples; imagino que tenha a ver com a forma como se dizia o nome da planta: maracujaleiro em vez de maracujazeiro.
Marcujaleiro é muito mais fácil de pronunciar e foi assim que eu sempre ouvi chamar à planta que dá maracujás. Imagino que venha daíí a dedução popular de que o fruto continuava a ter o "l", no singular. No plural o "l" já não dava muito jeito e pronto.
"Queres uma araçás"? Cresci com o sabor dos araçás de todos os outonos, crescendo em simultâneo com as primeiras chuvas. Em casa dos meus avolitos, mais ou menos na direcção da porta da cozinham continua a existir o araçaleiro amarelo. Na nossa casa já não existe o araçaleiro encarnado, que todos os outonos deixava uma parte do terreiro pintada de encarnado, à medida que os frutos iam caindo ao chão. Mas existe um outro, mais para o lado da cozinha, ainda novo, mas que já dá araçás encarnados.
Na forma de dizer este fruto o que acho engraçado é termos usado sempre a forma feminina e um s no singular: "Queres uma araçás"? Ainda hoje pergunto: "queres uma araçás?" e não "queres um araçá?" Com o nome da planta acontece exactamente o mesmo que no caso do maracujaleiro. Dizemos araçaleiro, claro. Mas segundo o dicionário a palavra correcta é araçazeiro.
Sorrio quando me imagino dizendo, ao chegar a casa dos meus pais: "Vou até junto do araçazeiro procurar um araçá." Ou: "O maracujazeiro roxo já deu algum maracujá?" Está certo mas soa estranho e eu vou continuar a dizer como antigamente. Porque também é assim que se preserva a memória.

terça-feira, novembro 22, 2005

Jogar-se e abicar-se

"Eu não me jogo por arroz. Como, mas não me jogo." Jantava-se devagar e com tempo para todas as conversas, sobre todos os assuntos possíveis. Os dois homens demoravam-se mais do que o normal em cada tema, indicando que já não estavam em seco.
Olhando para o prato de arroz à sua frente, foi o senhor João a iniciar o tema das preferências culinárias, com a expressão: "Eu não sou jogador por arroz." Achei piada.
A explicação mais detalhada veio logo a seguir: "Eu como de tudo. Toda a gente tem gostos diferentes e por isso uma pessoa não tem remédio senão comer de tudo. Mas não me jogo por arroz, lá me jogar não me jogo."
"Mais depressa me jogo por um prato de milho do que por um prato de arroz." Tão engraçada esta forma de expressar uma preferência. "Eu não me jogo", neste caso, quer dizer: "eu não aprecio muito."
O senhor José não concordou nem discordou directamente. Demorou-se um pouco e depois expressou a sua preferência. "Cá para mim não há nada como um caldinho em água." Caldinho em água, ora pois então! O senhor João não se joga por arroz e o senhor José joga-se por um caldinho em água.
Lembrei-me de me terem falado há tempos noutra forma sinónima deste "jogar-se" como uma expressão uma preferência: "abicar-se". A conversa era sobre uma cena que se tinha passado também a uma mesa madeirense, à volta da qual se sentava um convidado de fora, pouco conhecedor do falar regional. A dada altura, a madeirense mais idosa afirmou: "Eu não me abico muito por..." (Já não me lembro por quê) e o convidado precisou de tradução simultânea, nunca se tendo esquecido daquela expressão, que passou a usar excessivamente, como forma de expressar as suas e outras preferências.
E, porque as palavras são como as cerejas, acabo de me lembrar da primeira vez em que ouvi o verbo "abicar-se". Estava a fazer uma reportagem junto de um grupo de idosos que tinha ido dar uma passeio na Nau Santa Maria. Na hora de sair da embarcação, por entre o burburinho natural, ouvi uma senhora, já em terra firme, gritar para outra, ainda dentro da nau: "Ah mulher, abica-te(joga-te)". Abiquei-me eu também, contente com a palavra acabada de aprender.

quarta-feira, novembro 16, 2005

Eu vou te dar troco!

Acho muita piada a esta expressão irónica, que há algum tempo me foi sugerida pelo padre David, um dos leitores assíduos do meu blog. Não ficou esquecida e chegou a altura perfeita para falar dela.
É a altura ideal porque é isso mesmo que me apetece dizer a alguém, e que só não digo porque dizer seria, afinal, uma forma de dar troco.
Dar troco é responder. E respondendo dá-se seguimento a uma conversa. Dar troco implica uma relação em que se dá e se recebe, tal como nas trocas comerciais.
Quando se diz "eu vou te dar troco" a entoação também faz parte da frase e é essencial. A forma como é dita a frase mostra a sua intenção irónica. Porque "eu vou te dar troco" significa "eu não vou te dar troco." Significa "podes falar que eu não vou responder." Significa "podes fazer o que quiseres, dizer o que disseres que eu não te vou aturar".
"Eu vou te dar troco". Para mau entendedor, era bom que todas as palavras bastassem.

Chá de laranjeira com leite

Quase todas as noites, a minha mãe fazia uma cafeteira cheia de chá de laranjeira. Bastava ir ao quintal apanhar algumas folhas de uma das três laranjeiras que lá havia. A minha mãe deixava-as ferver na água da cafeteira e depois juntava leite. As folhas ficavam lá a boiar e tentavam ir para dentro da xícara quando a enchíamos com o chá. A minha mãe sempre disse, e a minha avó também, que o chá de laranjeira com leite é bom para dormir.
Se eu tivesse um quintal com três laranjeiras, como na casa da infância, repetiria os antigos gestos até ter à minha frente uma xícara de chá de laranjeira com leite. Assim, talvez não me debatesse, quase todas as noites, com a dificuldade em dormecer.

terça-feira, novembro 15, 2005

Mulher que assobia

Mulher que assobia não tem sorte. É uma velha crendice popular, que vi há dias reavivada com uma exclamação da minha mãe, perante a insistência da minha menina em assobiar. "Não assobies. Perde essa mania." De início não percebi. Mas sempre que ela recomeçava com a brincadeira a avó, protectora, repetia o conselho: "Já te disse para não assobiares."
A fase dos assobios já passou. Nunca mais a ouvi assobiar. Mas isso não me causa qualquer tipo de alívio. Na verdade, não me aquece nem me arrefece. Nesta crendice eu não acredito e já explico porquê.
Ora, eu nunca soube assobiar. Lembro-me de, em criança, fazer tudo por tudo para aprender e nunca consegui. Fazia um biquinho com os lábios, como via os adultos fazerem, e soprava de todas as maneiras possíveis mas nunca consegui aprender, num saiu um som que se parecesse a um verdadeiro assobio. O que eu gostava era de conseguir assobiar uma música inteira como via fazerem várias pessoas. Mas também nunca tive muito ouvido para a música e mesmo que soubesse assobiar, duvido que alguma vez o conseguisse fazer.
Eu nunca soube assobiar e, no entanto, sempre me considerei uma pessoa sem sorte, mais numas áreas do que noutras, claro está. Ou talvez esteja a ser injusta ao dizer isto, é bem provável. Afinal, o que é isso de ter ou não ter sorte?
Esta superstição deverá estar ligada, como muitas outras, das quais espero falar neste blog, a uma cultura colectiva machista, em que tudo o que está relacionado com o homem é positivo e com a mulher é negativo. Assobiar é um acto que era atribuido aos homens e logo a mulher não devia assobiar. A sorte, julgo eu, não é para aqui chamada.

domingo, novembro 13, 2005

Armar uma tenda de conversa

"Armar uma tenda de conversa" é uma expressão à qual acho bastante piada, embora muitas vezes não ache piada nenhuma quando a vejo concretizada em acção. Detesto quando estou num lugar e vejo ser armada uma tenda de conversa da qual eu não faça parte.
"Armar uma tenda de conversa" é quando algumas pessoas começam a falar sobre um determinado tema e ficam embrenhadas na conversa, que se restringe a esse grupo. Normalmente diz-se quando há outras pessoas presentes mas ficam de fora da conversa.
A minha mãe usa ainda bastante a expressão "armar uma tenda de conversa" e eu só não a uso mais vezes porque a maioria das pessoas não sabe o que significa. Talvez a origem desta forma de falar tenha a ver com as tendas de antigamente. No meu sítio havia várias tendas: locais destinados a trabalhar a obra de vimes. Aí havia sempre imensas conversas e há histórias célebres passadas nas tendas, pois os rapazes entretinham-se a falar, a gozar uns com os outros e até a pregarem partidas. Era uma forma interessante de convívio, enquanto tiravam liaça, ponham os vimes de molho e faziam cestos.

sexta-feira, novembro 11, 2005

Tomar um cagaço e ficar escramentada

Nada como um bom cagaço para uma pessoa ficar "escramentada". Por mais inteligentes e ponderadas que as pessoas sejam, um cagaço a valer é o melhor remédio para que abram os olhos como deve ser e se apercebam da realidade real que normalmente está no lugar da realidade sonhada.
Apeteceu-me fazer esta exaltação do cagaço, mas do cagaço a valer, o cagaço que nos acagaça ou nos deixa acagaçados, seja lá o que for, mas não me apetece explicar porquê. Apenas posso dizer que a vida me tem pregado, tal como a qualquer comum mortal, alguns cagaços e que, humildemente, eu os agradeço e os tenho em conta.
Uma vez mais, porque precisava penso eu - acredito que a maioria das coisas não acontece por acaso - voltei a tomar um cagaço e espero ter ficado suficientemente "escramentada". A palavra correcta é escarmentada mas ao meu ouvido, quando ouvia a minha avó dizê-la, soava-me como se existisse uma troca de lugar entre os "r" e o "a", tal como acontece com muitas outras palavras quando ditas em vez de escritas.
"Deixa, qu'ela vai s'escramentar". "Ela ainda vai ter uma escramenta!" Sábias expressões, afinal. A minha avó nunca andou na escola, numa soube uma letra, mas sabia bem esta regra básica da vida. Nada como um bom cagaço para uma pessoa se escarmentar e não voltar a repetir os mesmos erros. Nada se compara ao saber que resulta de uma experiência, sobretudo se for negativa. Vivam os cagaços e as "escramentas".

terça-feira, novembro 08, 2005

Pedir a "bênçoa"

No meu tempo pedia-se a "bênçoa". Os afilhados pediam a "bênçoa" aos padrinhos sempre que os viam. "- Sua bênçoa!" " - Deus t'abênçaue". Os filhos pediam a bênçoa aos pais. Os sobrinhos pediam a bênçoa aos tios. Os netos pediam a bênçoa aos avós.
Pedir a bênção - bênçoa era como eu ouvia pronunciar a palavra e era assim que a repetia também - era sinal de respeito dos mais novos para com os mais velhos.
Era obrigatório pedir a bênçoa, impensável não o fazer. À mais pequena distracção, ainda que de segundos apenas, lá vinha a resonda do adulto que nos acompanhava: "Já pediste a bênçoa à madrinha?" A criança balbuciava, envergonhada pela pequena demora: "Sua bênçoa!"
A resposta soava-me sempre assim: "Dês t'abênçaue". E então já podíamos saltitar e brincar e ir à nossa vida sossegados, porque tínhamos cumprido o nosso dever e estávamos abençoados.
Já não é hábito pedir a bênçoa, acho que as pessas se esqueceram desse velho hábito. Eu, porém, tenho sorte: uma das minhas afilhadas, sempre que me encontra, diz: "Sua bênçoa". E eu, com um largo sorriso, respondo: "Deus te abençoe". Tenho mais dois futuros a filhados, a Rossana na venezuela e o Daniel na Madeira, que fazem o mesmo, pedindo antecipadamente uma benção que nunca lhes nego e me deixa sempre um sorriso no rosto.

segunda-feira, novembro 07, 2005

A mulher do bucho encostado

Vamos a casa da mulher do bucho encostado. O meu pai ainda não embarcou e leva-me a cavalo. De lá de cima, com as mãos apoiadas na cabeça dele, e ele a segurar-me as pernas, é tão diferente a perspectiva das coisas.
É longa a vereda; cruza pinhais, uma levada, poios, uma ribeira com agriões e conchinhas. Que linda, a paisagem vista daqui! Para sul há retalhos de mar. O que é o mar, mãe?
Quase me passam as dores de barriga, de tanta alegria. Esqueço as dores e canto a cantiga que me ensinaram: "Oh Maria calças as botas/que vem ali um brinquinho/de machetes e violas/castanholas de cabinho". Sorriem.
Chegamos. O meu pai põe-me no chão, enquanto a minha mãe apupa no canto do terreiro. A mulher espreita à porta da cozinha. É muito velha, curvada, toda vestida de preto. À primeira vista mete medo, a mulher do bucho encostado. Deve ter nome mas nunca o soube. Ficou assim baptizada e mais não era preciso.
"Entre, traga a menina pr' aqui" - dizia, limpando as mãos na saia comprida. O quarto é pequeno e escuro; tem um cheio estranho. Que me vai acontecer, mãe? Tu sorris, não há-de ser nada.
A velhinha sobe-me o vestido para cima, apalpa-me a barriga com cuidado, abana a cabeça. Depois pega em qualquer coisa, que estava pousada em cima da cómoda. Com esse objecto na mão, começa a dar-me massagens na barriga, com força e num determinado sentido, até pôr o bucho no seu lugar. A gordura que fica na barriga cheira mal, é escorregadia.
E agora, mãe? Continuas com o teu ar sossegado, não há-de acontecer nada de mal. Chegou a vez da atadura. A mulher pega num pano branco e enrola-o à volta da minha barriga, tão apertado que parece que não vou poder respirar. Prende-o com um alfinete.
Já está. Se mantiver a atadura durante uma semana e não pular, passar-me-ão as dores de barriga. Quem me dera que fosse tudo assim, tão simples. Quem me dera que qualquer dor passasse com uma ida à mulher do bucho encostado.
Lembro-me de lá voltar com as minhas irmãs, já com o pai emigrado. Íamos as três à frente da minha mãe, em fila indiana, porque a vereda é bastante estreita. Usávamos aquela atadura apertada até ela ficar quase castanha, de tanto brincarmos na terra. O certo é que as dores de barriga passavam.
A mulher do bucho encostado devia existir para sempre. Morreu há muitos anos, eu sei. Imagino-a no céu, a dar massagens na barriga dos anjos e a pôr-lhes ataduras, recomendando-lhes que não pulem tanto em cima das nuvens para o bucho não voltar a virar-se.

domingo, novembro 06, 2005

Santo Antoninho da Serra



Santo Antoninho da Serra
É muito casamenteiro
Ele podia ser mais rico
S’ele aceitasse dinheiro
Que há muita rapariga
Que se deseja casar
Promete forças d’azeite
P’ró santo se alumiar
Ajuntam-se aos magotinhos
Em casa das fiandeiras
A falar em casamento
Dias e noites inteiras
No domingo de manhã
Vão enfeitar o altar
O dedo do pé direito
Já ‘tá gasto delas o beijar
Mas o santo não as ouve
Nem dá pelas promessas
Algumas sempre se casam
Mas aturam muitas maçadas
Algumas aturam bebedeiras
Outras a cara quebrada
Choram amargamente
A cramar a sua sorte
Umas desejam vida aos maridos
Outras desejam-lhe a morte


No dia 14-02-1986, quando me disse estes versos para eu escrever, a minha avolita tinha, com certeza, o lindo sorriso que mostra nesta fotografia. Tinha 85 anos e lembrou-se a custo dos versos, que eu julguei se tratarem de uma cantiga muito antiga dedicada ao mais casamenteiro dos três santos populares.
Anos mais tarde, por mero acaso, vim a descobri-los num livro com parte da obra do"Feiticeiro do Norte" e que agora não consigo encontrar.
A minha avolita e madrinha, que Deus a tenha num bonito lugar, quisera eu contando histórias as anjos, para os embalar, deve ter-se rido bastante enquanto me recitava estes versos para eu escrever. De certeza absoluta, fez pausas para se rir pois ela ria-se muito. Ficava muitas vezes com o riso parado, suspenso, como se nunca fosse conseguir sair dele e quem estava junto dela ficava também com vontade de se rir. E como é bom rir!
Quem me dera que estivesses aqui para me fazeres rir, que é aquilo de que mais preciso neste momento. Preciso de me rir e tu não estás cá. Se cá estivesses pedirias por mim a Nosa Senhora do Monte e alcançarias de certeza o milagre de eu me rir, mesmo estando com uma infinita tristeza dentro de mim.

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