segunda-feira, setembro 29, 2008
de pôr no brinquinho da orelha
Era assim que antigamente as pessoas se referiam a alguém que era "terrível", no sentido de pessoa de má índole, trafulha, desonesta, pessoa a quem não se deve dar credibilidade.
Há muito tempo que não ouço a expressão, será que caiu definitivamente em desuso? Pena e que as pessoas com estas características se multipliquem a uma velocidade estonteante. Hoje em dia as outras é que são a excepção, estas a regra.
sexta-feira, setembro 26, 2008
O cambado da romaria
"Ele não faz por mal, percebes?" Mas tudo o que diz ou faz tem piada, ninguém consegue evitar rir-se. "Se visses como ele respondeu ao inquérito, a turma riu bués!"
Sorrio e alimento a conversa, fazendo perguntas e ouvindo atentamente os promenores sobre o novo palhaço da turma. - "Não há romaria sem cambado. Não sabias?"
"- Romaria sem cambado? Não percebi, mãe." E eu explico, adaptando o velho provérbio aos tempos modernos e à situação concreta. "Não há turma sem palhaço". Percebes?
Ela diz que sim mas de imediato passa à narração de outros assuntos, por entre a euforia natural do início de ano lectivo. A minha alusão parece ter passado despercebida, no instante seguinte já falávamos de algo totalmente diferente. Mas eu sei que para alguma coisa hão-de servir as palavras, as expressões, e os ensinamentos que a minha memória conseguiu guardar até hoje.
quarta-feira, setembro 24, 2008
Comer e coçar
Alguns minutos depois, decidi não fazer a desfeita e provar um bocadinho muito pequenino. Estava delicioso e apeteceu-me outro bocadinho e depois mais outro, todos muito pequenos, mas fazendo bem as contas o resultado talvez fosse uma fatia maior do que a que me tinham oferecido inicialmente.
Num canto da sala, ouviu-se: - "Comer e coçar, o mais é começar". Bem verdade e bem a propósito, como acontece sempre com as mais sábias sentenças populares.
sábado, setembro 20, 2008
A rica e a pobre
Uma das crianças representava o papel de rica, outra de pobre, à volta da qual se colocavam as restantes crianças presentes, no papel de filhas. A pobre era quem começava, dando uma passo em frente. Quando terminava, recuava e a outra avançava para cantar a sua parte.
pobre - "Eu sou pobre, pobre, pobre
de maré, maré, maré
rica - "Eu sou rica, rica, rica
de maré, maré, maré
pobre - "A senhora o que deseja
muito atira, atira rá (repete os dois versos)
rica - "Desejo uma das suas filhas
muito atira, atira rá (repete)
pobre - "A senhora o que lhe dá?
muito atira, atira rá (repete)
rica - "Dou-lhe uma fita para o cabelo
muito atira, atira , rá (repete)
A pobre vira-se para uma das crianças e finge que lhe pergunta, depois responde.
pobre - "Ela disse que não queria,
muito atira, atira, rá (repete)
Então, a rica continua a oferecer objectos (lembro-me de cantarmos, por exemplo, que lhe dava uns sapatos de ouro, uma pulseira, um cordão, um vestido novo, tudo o que quiséssemos....) até que a criança decide aceitar e passa para o lado da rica.
Por exemplo:
rica - "Dou-lhe um vestido novo
muito atira, atira, rá" (repete)
pobre - "Ela disse que lhe agrada
muito atira, atira, rá (repete)
O jogo e as cantigas repetem-se até que a pobre fique sem nenhuma das filhas, entretanto dadas à rica, que as vai atraindo com a promessa de presentes raros.
domingo, setembro 14, 2008
meio sobre si
-"Ele é meio sobre si."
-"Ah sim?"
-"Sim, ele anda por aí sempre com um jornal debaixo do braço e falando sozinho."
"Sobre si" é um termo muito madeirense e ainda bastante utilizado na linguagem oral. "Uma pessoa sobre si é uma pessoa que não regula lá muito bem, que não é muito boa da cabeça". Sempre houve pessoas "sobre si" mas antigamente esses casos eram conhecidos de toda a localidade, estavam bem identificados e acho que até beneficiavam de um certo carinho global, um espécie de complacência solidária.
E agora? Como distinguir as pessoas "sobre si" numa sociedade sem rumo, onde tudo se mistura, onde todos se mascaram, onde as valores se baralham, e parece que já ninguém sabe o que é que realmente conta. E agora?
Deitar cuspo na mão
Perante a indecisão, eis que a expressão popular surge naturalmente.
"- Vai ser melhor vocês deitarem cuspo na mão."
A expressão "deitar cuspo na mão" usa-se quando existe uma situação de indecisão perante duas alternativas diferentes. É uma espécie de "Cara ou Coroa", numa versão mais popular e que não sei se é utilizada noutros locais ou apenas no meu sítio.
"Quando se era pequenos, era assim que se escolhia o caminho quando se ia buscar o pão". A certa altura, o caminho dividia-se em dois: podiam continuar pelo caminho passando por detrás da Venda do China, ou podiam subir as passadas do Cassapo. Era aí que as crianças paravam e utilizavam o método do cuspo para escolher o percurso.
Cuspiam para a palma da mão esquerda e depois batiam nela com a mão direita colocada de lado, na vertical. O cuspo voava para um dos lados, ou para a direita ou para a esquerda, e estava assim escolhido o caminho a tomar.
Felizmente, dessa prática antiga só sobreviveu a expressão, que passou a ser usada de uma forma geral para todas as situações que exigem uma escolha. Lembro-me de, certa vez, ter ouvido dizerem a uma rapariga que chorava o fim de um namoro, procurando animá-la: - "Ah pequena não te importes que 'inda te vai parecer mais rapazes e melhores qu'esse. 'Inda vais ter que deitar cuspo na mão."
sexta-feira, setembro 12, 2008
Mantigueira
Não era uma crítica, mas apenas uma constatação que me fez retroceder no tempo. Quase já me tinha esquecido desse termo, que antigamente tanto se usava.
Uma pessoa mantigueira é alguém que faz tudo por tudo para agradar aos seus interlocutores. E esse desejo de agradar nota-se em tudo, desde os elogios exagerados ao tom de voz.
Há quem use a expressão "dar graxa". No meu sítio sempre ouvi dizerem "dar manteiga" e é daí que vem o adjectivo "mantigueira". Uma pessoa mantigueira não é necessariamente má pessoa, apenas tem esse feitio (um pouco irritante cá para nós).
Recordando, fico a pensar. Porque será que quase já não existem pessoas "mantigueiras?" Talvez porque hoje o que existem são pessoas hipócritas.
É uma tristeza quando as coisas e as pessoas - sobretudo as pessoas - evoluem para pior.
terça-feira, setembro 09, 2008
Bradesoda
Em tempo de poucos recursos e de poucos médicos, a bradesoda vendia-se nas farmácias e também nas mercearias, era um produto de primeira necessidade. "- Lava com bradesoda", dizia a minha avó com voz sábia, para logo acrescentar exemplos de casos em que o produto lhe tinha valido e com bom resultado.
A minha mãe também tem sempre bradesoda em casa, à mão, e utiliza o remédio milagroso nas mais diversas ocasiões. Continua a dizer "bradesoda", como aprendeu, mas sabe que na verdade se trata de "borato de sódio" esse pó branco ainda disponível nas farmácias. O falar popular transformou o borato de sódio em bradesoda, encurtou o termo, transformando três palavras em apenas umas e mudou-lhe o género, tem piada.
Desde tempos antigos que o borato de sódio foi usado como bactericida, mas a minha avó ampliava os seus poderes ao ponto de garantir que uma tia minha se tinha curado de uma perna partida graças à sua persistência em lhe colocar panos de bradesoda na perna. E os achaques da alma, avólita? Também se curam com panos embebidos em bradesoda? Quem me dera!
segunda-feira, setembro 08, 2008
Quem se senta numa pedra
- "Quem se senta numa pedra, arrenega".
- "O quê?"
- "Quem se senta numa pedra, arrenega" - repete, em tom de aviso.
- "E o que é arrenegar"?
- "Arrenegar é perder a paciência."
- "Se eu só perdesse a paciência quando me sento numa pedra, era bem bom, acredite que era" - ouço responderem-lhe por entre gargalhadas.
Chegada a casa, a curiosidade leva-me ao dicionário e lá está o verbo arrenegar (ou renegar) , com o sentido de irritar-se, detestar, amaldiçoar, balsfemar contra...
Ninguém me conseguiu explicar a relação entre a pedra e o arrenegar. Haverá alguma justificação, para além da rima? Talvez já tenha havido, no tempo em que era hábito as pessoas se sentarem em pedras, talvez. As ocasiões hoje são poucas e se não fosse o piquenique dos meus anos, provavelmente eu nunca teria registado este provérbio, guardado na memória da minha tia, apesar dos seus quarenta e muitos anos de emigrante.