quarta-feira, outubro 24, 2007
O baile conforme o toque
"Isso depois vê-se. Conforme o toque, conforme o baile." Com esta expressão popular, ficou adiada uma decisão, porque afinal tudo depende do decorrer dos acontecimentos. Não é possível reagir a algo que ainda não aconteceu.
Está muito bem pensado, sim senhor. A sabedoria popular tem coisas destas, tão óbvias que às vezes as esquecemos. Complicamos tanto aquilo que até podia ser bem simples; fazia-nos bem a todos umas aulas na escola da tradição popular feita deste tipo de saber empirico.
Em vez de decidir por entecipação, de sofrer por antecipação, de tentar adivinhar aquilo que vai acontecer, porque não seguir o velho ensinamento mais velho do que o norte e bailar conforme o toque?
"Isso depois vê-se. Conforme o toque, conforme o baile". Traduzindo: depois decide-se, reage-se de acordo com o que acontecer realmente. Bom-senso. Reagir conforme a situação com que nos deparamos, ora bem. A ver se não me esqueço.
Está muito bem pensado, sim senhor. A sabedoria popular tem coisas destas, tão óbvias que às vezes as esquecemos. Complicamos tanto aquilo que até podia ser bem simples; fazia-nos bem a todos umas aulas na escola da tradição popular feita deste tipo de saber empirico.
Em vez de decidir por entecipação, de sofrer por antecipação, de tentar adivinhar aquilo que vai acontecer, porque não seguir o velho ensinamento mais velho do que o norte e bailar conforme o toque?
"Isso depois vê-se. Conforme o toque, conforme o baile". Traduzindo: depois decide-se, reage-se de acordo com o que acontecer realmente. Bom-senso. Reagir conforme a situação com que nos deparamos, ora bem. A ver se não me esqueço.
domingo, outubro 21, 2007
Palhetes
A caminho do supermercado: " - Eu vou só comprar pão e palhetes." Não resisti e olhei para a mulher, sorrindo. Palhetes.
Na casa dos meus pais, os fósforos também ainda são palhetes. Antigamente, dizíamos sempre palhetes, sempre. Nem sei quando ouvi pela primeira vez a palavra fósforo, mas deve ter sido na escola, e permaneceu durante muito tempo como uma simples curiosidade. A palavra certa era a que ouvira desde que nasci: palhetes.
A propósito, conheço um senhor que tem a alcunha de Palhete, por ser muito alto e magro, nesta caso a razão da alcunha é uma semelhança física com o objecto, é tão engraçada a arte popular de atribuir alcunhas.
Na casa dos meus pais, os fósforos também ainda são palhetes. Antigamente, dizíamos sempre palhetes, sempre. Nem sei quando ouvi pela primeira vez a palavra fósforo, mas deve ter sido na escola, e permaneceu durante muito tempo como uma simples curiosidade. A palavra certa era a que ouvira desde que nasci: palhetes.
A propósito, conheço um senhor que tem a alcunha de Palhete, por ser muito alto e magro, nesta caso a razão da alcunha é uma semelhança física com o objecto, é tão engraçada a arte popular de atribuir alcunhas.
quinta-feira, outubro 18, 2007
Um barco no mar e pregos na nogueira
"- E não queres aquele barco que está no mar? Tens a certeza que não queres?" Esta é uma das nossas formas familiares de reagir a uma baboseira. Em alternativa, podemos optar pelo seguinte:
"- Também queres pregos para pregares na nogueira, queres? Se quiseres eu vou buscar..."
Usamos ainda outras expressões para reagir às baboseiras mas estas são as de que gosto mais. Todas elas se devem a um miúdo do nosso sítio que era tão baboso, tão baboso que chorava porque queria um barco que via no mar. Era mesmo muito baboso e parece que lhe faziam sempre as vontades, até lhe davam pregos e um martelo quando ele entendia que queria pregar pregos numa nogueira que supostamente existia junto à casa. Onde é que já se viu maltratar assim uma pobre árvore? Mas o menino queria, que se havia de fazer? Queria e tinha de ter, desse por onde desse, e ainda bem porque assim ficámos com estes exemplos exagerados, espécie de espelho para mostrar às crianças e aos adultos quando tentados pela arte da baboseira. Resulta sempre.
"- Também queres pregos para pregares na nogueira, queres? Se quiseres eu vou buscar..."
Usamos ainda outras expressões para reagir às baboseiras mas estas são as de que gosto mais. Todas elas se devem a um miúdo do nosso sítio que era tão baboso, tão baboso que chorava porque queria um barco que via no mar. Era mesmo muito baboso e parece que lhe faziam sempre as vontades, até lhe davam pregos e um martelo quando ele entendia que queria pregar pregos numa nogueira que supostamente existia junto à casa. Onde é que já se viu maltratar assim uma pobre árvore? Mas o menino queria, que se havia de fazer? Queria e tinha de ter, desse por onde desse, e ainda bem porque assim ficámos com estes exemplos exagerados, espécie de espelho para mostrar às crianças e aos adultos quando tentados pela arte da baboseira. Resulta sempre.
quarta-feira, outubro 17, 2007
A pastora
É mesmo como as cerejas, uma vai puxando outra, e vai daí lembrei-me deste cantiga.
A cantiga da pastora tem um ritmo que fica no ouvido e nunca mais se esquece. Eu nunca me esqueci desta cantiga da infância e por vezes surpreendo-me a cantarolar baixinho a história da pastora que matou o seu gatito e depois foi confessar o pecado ao senhor padre.
Era uma vez uma pastora
larau larau larito
Era uma vez uma pastora
que matou o seu gatito
Ela foi se confessar
larau larau larito
Ela foi se confessar
ao senhor padre de Machico
- Senhor Padre, eu me confesso
larau larau larito
Senhor Padre eu me confesso
que eu matei o meu gatito
- A penitência que te dou
larau larau larito
a penitência que te dou
é me dares um beijito
- Beijos eu não dou
que eu cá sou mulher de bm
Nunca vi um senhor padre
pedir beijos a ninguém
Esta parte final fazia-nos muito confusão, lembro-me muito bem. Não percebíamos a propósito de quê é que um senhor padre haveria de pedir um beijo a alguém que fosse confessar-se. Parecia-nos absurdo, sem sentido. Na nossa inocência, perguntávamos à minha mãe e ela então explicava que a música era assim para rimar, estava explicado. Muito bem pensado, sim senhora. Fosse tudo tão fácil de explicar e seria uma alegria sem nome viver neste mundo.
A cantiga da pastora tem um ritmo que fica no ouvido e nunca mais se esquece. Eu nunca me esqueci desta cantiga da infância e por vezes surpreendo-me a cantarolar baixinho a história da pastora que matou o seu gatito e depois foi confessar o pecado ao senhor padre.
Era uma vez uma pastora
larau larau larito
Era uma vez uma pastora
que matou o seu gatito
Ela foi se confessar
larau larau larito
Ela foi se confessar
ao senhor padre de Machico
- Senhor Padre, eu me confesso
larau larau larito
Senhor Padre eu me confesso
que eu matei o meu gatito
- A penitência que te dou
larau larau larito
a penitência que te dou
é me dares um beijito
- Beijos eu não dou
que eu cá sou mulher de bm
Nunca vi um senhor padre
pedir beijos a ninguém
Esta parte final fazia-nos muito confusão, lembro-me muito bem. Não percebíamos a propósito de quê é que um senhor padre haveria de pedir um beijo a alguém que fosse confessar-se. Parecia-nos absurdo, sem sentido. Na nossa inocência, perguntávamos à minha mãe e ela então explicava que a música era assim para rimar, estava explicado. Muito bem pensado, sim senhora. Fosse tudo tão fácil de explicar e seria uma alegria sem nome viver neste mundo.
A criada
Sem mais nem menos, surpreendi-me a trautear uma cantiga da infância, mais uma, ainda bem que eram tantas.
Adorávamos cantá-la devido à sonoridade, alegre, cheia de ritmo, mas também por falar de uma realidade que nos era totalmente desconhecida. Esta cantiga fazia-nos entrar noutro mundo.
Mandei a criada
ir buscar a pá
P'ra juntar o lixo
que estava acolá
- Oh minha senhora
eu não sei varrer
mande-me outra coisa
que eu saiba fazer
Mandei a criada
acender o lume
- Oh minha senhora
não é de costume
Mandei a criada
ir lavar os pratos
entrou na cozinha
sujou-me os guardanapos
Valha-me Deus
com esta criada
Sai p'ró meio da rua
não sabes fazer nada
Perguntávamos à minha mãe o que era uma criada e ela explicava que era alguém que fazia as coisas nas casas de gente rica.
Nós não conhecíamos ninguém que tivesse criada e ficávamos de boca aberta, muito espantadas, a pensar em como seria ter alguém para nos fazer as coisas em casa.
Mas logo voltávamos a concentrar a nossa atenção na cantiga e a cantá-la mais uma vez e outra ainda e mais uma, até nos cansarmos .
O facto de a cantiga ter um final e ainda por cima um final justo, era tranquilizador. A criada não fazia as coisas bem, logo era posta na rua. Acreditávamos que tudo funcionava assim no mundo e nesse pressuposto acreditávamos que viver era uma tarefa simples. A inocência é uma idade bonita, seja ela em que idade for.
Adorávamos cantá-la devido à sonoridade, alegre, cheia de ritmo, mas também por falar de uma realidade que nos era totalmente desconhecida. Esta cantiga fazia-nos entrar noutro mundo.
Mandei a criada
ir buscar a pá
P'ra juntar o lixo
que estava acolá
- Oh minha senhora
eu não sei varrer
mande-me outra coisa
que eu saiba fazer
Mandei a criada
acender o lume
- Oh minha senhora
não é de costume
Mandei a criada
ir lavar os pratos
entrou na cozinha
sujou-me os guardanapos
Valha-me Deus
com esta criada
Sai p'ró meio da rua
não sabes fazer nada
Perguntávamos à minha mãe o que era uma criada e ela explicava que era alguém que fazia as coisas nas casas de gente rica.
Nós não conhecíamos ninguém que tivesse criada e ficávamos de boca aberta, muito espantadas, a pensar em como seria ter alguém para nos fazer as coisas em casa.
Mas logo voltávamos a concentrar a nossa atenção na cantiga e a cantá-la mais uma vez e outra ainda e mais uma, até nos cansarmos .
O facto de a cantiga ter um final e ainda por cima um final justo, era tranquilizador. A criada não fazia as coisas bem, logo era posta na rua. Acreditávamos que tudo funcionava assim no mundo e nesse pressuposto acreditávamos que viver era uma tarefa simples. A inocência é uma idade bonita, seja ela em que idade for.
domingo, outubro 14, 2007
Quadra
Lá no céu vai uma nuvem
Todos dizem bem na vi
Todos falam e murmuram
Ninguém olha para si
Quadra recolhida no Sítio da Ribeira dos Pretetes, Caniço
Todos dizem bem na vi
Todos falam e murmuram
Ninguém olha para si
Quadra recolhida no Sítio da Ribeira dos Pretetes, Caniço
sexta-feira, outubro 12, 2007
Lambareiro
Gosto de pimenta, felizmente. Digo felizmente porque segundo a tradição popular quem gosta de pimenta não é lambareiro. Lambareiro neste caso tem um sentido diferente do que é habitual nos dicionários, que se refere à característica da gulodice ou sofreguidão.
O significado popular de lambareiro é ser incapaz de guardar um segredo.
Gosto de pimenta, graças a Deus.
O significado popular de lambareiro é ser incapaz de guardar um segredo.
Gosto de pimenta, graças a Deus.
quinta-feira, outubro 11, 2007
Atentar, condenar e cegar
Recordo com carinho o tempo em que estes três verbos eram sinónimos. Também eu condenei, atentei e ceguei os adultos do meu tempo de menina. Mas quando me lembro, sorrio. Antigamente, as crianças não chateavam os adultos, nem os aborreciam, nem os enervavam, nem lhes tiravam a paciência. O que crianças faziam era atentar, cegar e condenar.
"Não me condenes mais, pequena." "Tu atentas-me muito, eu não atentava minha mãe assim." "Pára de me cegar com essa história." Era assim que as mães ralhavam com os filhos.
Os filhos atentavam as mães. Mas as mães também se atentavam quando os filhos adoeciam, por exemplo, e neste caso atentar tem um significado ligeiramente diferente, de se preocupar.
Condenar era talvez mais utilizado pela minha avó do que pela minha mãe, o que me faz presumir que pertença a uma forma de falar mais antiga, mas não posso jurar. É possível que tenha a ver com o resultado. Afinal, quando uma pessoa se enerva ou irrita muito, pode ter reacções condenáveis.
Quanto a cegar, penso que terá a ver com a ideia de uma pessoa ficar cega de raiva, de não conseguir ver nada à frente num momento de extrema irritação. Este caso continha uma especial ambiguidade: cegar era o mesmo que atentar e tinha sempre uma carga negativa. Mas quando transformado em adjectivo - cegueiro ou cegueira, referindo-se à pessoa que realiza o acto de cegar - passava a implicar uma certa desculpabilização. Era um olhar condescendente e até carinhoso, o olhar da mãe que muitas vezes acaba por achar graça às traquinices dos filhos e quem sabe um certo orgulho disfarçado porque para cegar também é preciso ser inteligente e ter ideias.
"Aquilo é um/uma cegueira!" A minha mãe dizia isto dos filhos e às vezes diz o mesmo dos netos. Eu também já o disse, tanto da minha filha como dos meus sobrinhos. E disse-o com uma espécie de orgulho. Para cegar como deve ser é preciso uma imaginação fértil e um espírito inteligente e atento.
"Não me condenes mais, pequena." "Tu atentas-me muito, eu não atentava minha mãe assim." "Pára de me cegar com essa história." Era assim que as mães ralhavam com os filhos.
Os filhos atentavam as mães. Mas as mães também se atentavam quando os filhos adoeciam, por exemplo, e neste caso atentar tem um significado ligeiramente diferente, de se preocupar.
Condenar era talvez mais utilizado pela minha avó do que pela minha mãe, o que me faz presumir que pertença a uma forma de falar mais antiga, mas não posso jurar. É possível que tenha a ver com o resultado. Afinal, quando uma pessoa se enerva ou irrita muito, pode ter reacções condenáveis.
Quanto a cegar, penso que terá a ver com a ideia de uma pessoa ficar cega de raiva, de não conseguir ver nada à frente num momento de extrema irritação. Este caso continha uma especial ambiguidade: cegar era o mesmo que atentar e tinha sempre uma carga negativa. Mas quando transformado em adjectivo - cegueiro ou cegueira, referindo-se à pessoa que realiza o acto de cegar - passava a implicar uma certa desculpabilização. Era um olhar condescendente e até carinhoso, o olhar da mãe que muitas vezes acaba por achar graça às traquinices dos filhos e quem sabe um certo orgulho disfarçado porque para cegar também é preciso ser inteligente e ter ideias.
"Aquilo é um/uma cegueira!" A minha mãe dizia isto dos filhos e às vezes diz o mesmo dos netos. Eu também já o disse, tanto da minha filha como dos meus sobrinhos. E disse-o com uma espécie de orgulho. Para cegar como deve ser é preciso uma imaginação fértil e um espírito inteligente e atento.
sexta-feira, outubro 05, 2007
O camalhão da levada
O camalhão é o nome que popularmente se dá ao pequeno caminho que segue sempre junto às levadas. Nalgumas o camalhão é relativamente largo, pode-se andar à vontade, mas noutras é bem estreito e perigoso.
O camalhão da levada é referido nas cantigas espontâneas, inventadas na hora - no brinco ou no xaramba - num daqueles inícios-tipo, que se usam para facilitar algumas rimas e de que já aqui deixar alguns exemplos.
Para ilustrar este caso, deixo a seguinte quadra, também recolhida no Sítio da Ribeira dos Pretetes:
A cama do levadeiro
é o camalhão da levada
Pequena canta mais eu
Qu'o cantar não tira nada
O camalhão da levada é referido nas cantigas espontâneas, inventadas na hora - no brinco ou no xaramba - num daqueles inícios-tipo, que se usam para facilitar algumas rimas e de que já aqui deixar alguns exemplos.
Para ilustrar este caso, deixo a seguinte quadra, também recolhida no Sítio da Ribeira dos Pretetes:
A cama do levadeiro
é o camalhão da levada
Pequena canta mais eu
Qu'o cantar não tira nada