domingo, junho 26, 2005

A sorte do caracol

Deixei passar a véspera de São João sem fazer nenhuma sorte. Nem sequer a do ovo deitado no copo de água que se deixava ao sereno com uma cruz de alecrim em cima e que formava barcos, igrejas ou cemitérios. Nem a dos três papelinhos enrolados com nomes de rapazes escritos, dentro de um recipiente com água. Nem a dos cardos queimados na fogueira e plantados na terra, cada um com seu nome atribuído, a ver qual deles refilava durante a noite. Nem as três favas deixadas debaixo do travesseiro, uma com a casca, outra meia descascada e outra nua, para saber se seríamos ricos, remediados ou pobres.
Fiz todas essas sortes no meu tempo de rapariga. Todas essas sortes e mais algumas. Uma delas consistia em atirar uma moeda de um tostão para a fogueira dedicada ao santo. No dia seguinte era preciso ir procurar a moeda no meio das cinzas e com ela na mão começar a andar pelo caminho. Ao primeiro homem que se encontrasse oferecia-se a moeda e perguntava-se o nome. Esse seria o nome do nosso futuro marido.
Por oposição a esta sorte tão elaborada havia umas muito simples. Por exemplo, tomar uma bochecha de água à hora das ave-marias e aguardar atrás da porta até ouvir chamar o nome de um rapaz. O primeiro nome seria o tal. A essa hora cruzavam-se uma infinidade de nomes, que as pessoas iam chamando de propósito, adivinhando as preferências das raparigas solteiras do Sítio e os rapazes disponíveis.
Fiz todas essas sortes e mais algumas mas não me lembro dos resultados. Só me lembro com pormenor de uma vez, a única, em que fiz a sorte do caracol. Era muito simples. Na véspera de São João pegava-se num bocado de tecido preto e colocava-se sobre ele um caracol. Depois tapava-se com uma caixa de sapatos. No dia seguinte, corria-se a verificar o pano, pois dizia-se que durante a noite o caracol desenhava a primeira letra do nome do rapaz com quem havíamos de casar. Pois bem, eu decidi fazer a sorte do caracol e correu tudo bem até à hora em que levantei a caixa de sapatos, para ver a letra e o caracol continuava no sítio exacto onde o tinha colocado. Não se mexeu nem um centímetro. Naquele escurinho, adormeceu e dormiu durante toda a santa noite de São João.
Talvez tenha sido essa a última sorte que fiz, não posso garantir. Foi tão grande a decepção! Nos cardos sempre refilava algum, nos papelinhos um deles ficava sempre um pouco mais aberto, ainda que fosse o que obrigatoriamente tinha o nome do santo, o ovo na água tinha sempre semelhanças com alguma coisa. Mas a do caracol, que desconsolo! O meu caracol de há tantos anos não se mexeu. Na altura, pensei que apenas talvez tivesse escolhido mal o meu caracol, que devia ter escolhido outro mais esperto, mas paciência. Nem me passou pela cabeça a hipótese de ficar "com os pés amarelos", como a vida é engraçada.
Neste São João não fiz sorte nenhuma, mas lembrei-me das sortes da minha juventude. Lembrei-me especialmente daquele caracol malandro que eu resondei quando levantei a caixa de sapatos numa certa manhã de São João. Coitado do caracol, preso uma noite inteira debaixo de uma caixa de sapatos e em cima de uma pano preto. Foi muito bem feito! Se fosse eu também teria feito greve.

Comments:
Chegar aqui e encontrar 17 anos depois uma pessoa que marcou os meus tempos de DN é uma felicidade imensa. Cara Lília, adorei conhecer o teu cantinho virtual! Está um mimo! Um beijinho de amizade do ex-colega Pedro Sousa
 
Olá!
Este texto sobre as sortes ainda não tinha lido! Eu também fiz todas as sortes de que falaste ... rsrsrs... este ano também não fiz nenhuma. Deve ser porque deixei de sonhar, ou então, deixei de acreditar nessas coisas. Também fiz a do caracol e ainda me lembro do resultado: um desenho que poderia ser muita coisa! Mas talvez estivesse mais próximo de um H, um H maiúsculo como nós aprendemos a fazer na escola primária. Na altura não gostei mesmo nada! Lembrei-me logo do Henrique, o único H que conhecia e de quem não gostava mesmo nada! rsrsrsr ... Anos mais tarde pensei que o desenho feito pelo caracol bem podia ser um J e um C... convinha-me, claro está!! ehehehe.... hoje fico a pensar ... não seria um A e um L? .... convinha-me! rsrsrs ...
Parece que se passou uma eternidade desde a minha sorte do caracol. Mas na verdade não será tanto assim, somos duas jovens .... deixa de pensar que és velha! Para o ano fazemos as duas a sorte do caracol na minha casa nova, o que achas?

Beijinhos,

Maria do Carmo
 
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