terça-feira, novembro 02, 2004

Um magusto


A minhã mãe juntou um molhinho de mato de propósito para fazermos um magusto dia de Pão-por-Deus. Aproveitou uma tarde enxuta e foi procurar o mato aos pinheiros que agora são tão poucos. Depois, espalhou um bocado à frente do galinheiro, colocou as castanhas em cima e voltou a cobri-las com mais um pouco de mato. Pegou lume ao magusto e ficámos e vê-lo arder. A seguir, com um graveto de pinheiro bateu nas castanhas. Ajudei a virá-las, antes de receberem nova camada de mato em cima e novo lume. Ficaram bem assadas. Juntámo-las para um cesto e descascámo-las já dentro da cozinha. Sabe-me mais ir comendo as castanhas à medida que as vou descascando. Gosto das que ficam queimadas e das que são mais finas.
Gostei desta pequena viagem ao passado, repleta dos sabores e dos cheiros do Outono.
Lembrei-me dos tempos em que ia juntar faúlha de pinheiro para o magusto do Pão-por-Deus. Lembrei-me das castanhas que caíam dos castanheiro da Ti Carolina e das inúmeras vezes que, durante um dia, descia a vereda para passar debaixo dele, na esperança de encontrar mais alguma castanha. As castanhas para o magusto iam sendo coleccionadas aos poucos, uma a uma. Às vezes, à última da hora, a Prima Ali ou o Ti Nóbrega ofereciam outras. Mas as do castanheiro da Ti Carolina, conseguidas aos poucos, eram, para mim e para as minhas irmãs, as castanhas que contavam. Pelo Outono dentro, repetíamos os magustos enquanto houvesse castanhas: chegávamos a fazê-los com meia dúzia de frutos, apenas, mas nem por isso o ritual perdia importância.
A minha filha nunca foi "ajuntar faúlha", nem procurar castanhas debaixo do castanheiro da Ti Carolina, mas já sabe como se faz um magusto. Neste Pão-por-Deus, ficámos as três, apenas nós, acocoradas junto ao magusto e quase sem falarmos. Três gerações de mulheres deliciadas com a magia de um magusto!

Comments:
Olá Lília,

Recebi um email a anunciar este blog, não sei propositado ou não, mas como reconheci o nome entrei no "site". A minha atenção virou-se logo para "Um magusto" e li o texto com um sentimento de certeza muito parecido ao que é expresso, e gostei. É porque já tenho saudades deste tipo de ritual que também praticava, quando criança, vezes sem conta durante o Outono e Inverno, passados junto ao ribeiro na casa do avô Miranda, não muito longe do local que relatas. Também coleccionava castanhas, às sacas, e com a faúlha recolhida ali ao pé assava-as para produzir um delicioso "prato". Não sei quando é que vou fazer um magusto desses com os meus filhos (e já tenho 3), mas já falei nisso algumas vezes pelo que o ritual irá repetir-se mais dia menos dia.

Cumprimentos,
Marino (das Eiras)
 
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