quarta-feira, março 24, 2010

uma semana à espera do sarampo

O sarampo atacou a casa dos meus avós e deixou quase toda a gente de cama. Quase. Enquanto os irmãos agonizavam com a febre e o mal-estar causado pela doença, o meu tio José Manuel continuava sem qualquer sintoma.
Acreditando que mais tarde ou mais cedo o sarampo havia de lhe pegar, o meu tio passou uma semana à espera da doença, alimentando a esperança de tomar leite de vaca como os outros. O leite de vaca, comprado ao leiteito que passava todos os dias de manhã pelas casas com as folhas e as medidas enfiadas num cajado, era um verdadeiro luxo, só permitido quando uma pessoa estava fragilizada por uma qualquer doença e precisava de cuidados suplementares na alimentação.
Os meus avós tinham uma cabra de leite, mas também tinham uma casa de gente, dez pessoas no total, o leite da cabra não chegava para todos e além do mais havia alturas em que a cabra não dava leite ou dava muito pouco.
Demasiado atento a qualquer sinal que pudesse indiciar a chegada do sarampo, o meu tio sentiu um dia uns ligeiros tremores de frio. Não fez mais nada: meteu-se na cama, satisfeito, e foi daí, de entre os lençóis e as mantas, que gritou para o leiteiro, quando o sentiu passar no terreiro, que deixasse mais um litro de leite.
Mas às vezes as pessoas têm azar e a verdade é que os tais tremores foram um falso alarme e o meu tio José Manuel nunca chegou a ter o sarampo nem pôde, pelo menos nessa altura, beber o precioso leite de vaca vendido pleo leiteiro de porta em porta.
Claro que esta história nunca foi esquecida. Durante muito tempo os meus outros tios e tias, e até os vizinhos, gozaram com o meu tio José Manuel graças a ela. E claro que a história passou a ser lembrada sempre que alguém se põe à espera de algo que muito provavlemente não vai acontecer, e espera por ela com tanto afinco como o do meu tio José Manuel, na sua longa espera de uma semana.

Comments:
O sarampo é uma porra!

Dizem que é uma coisa tão má, tão má que, quando matam alguém exclamam: «tiraram-lhe o sarampo!»

Libertaram a criatura da «moléstia»...
 
Eeheheheh :-) Por acaso, um dos dias que melhor recordo da minha infância, foi quando fiquei no meu quarto à conta da rebéola. Tinha o corpo todo bezuntado de uma pomada cor-de-rosa e meio barrenta e brinquei, durante horas, sozinha, com uns desperdícios de madeira que o meu pai me emprestou e um conjunto de quatro pequenos palhacinhos que me ofereceram para que eu não me sentisse triste. A combinação não podia ser mais perfeita para mim: uns pedacitos de "lixo" e um brinquedo barato, e passei esse dia divertidíssima e muito feliz. Saudável, portanto! :)
 
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