quarta-feira, dezembro 23, 2009

o mija na erva

À volta da mesa ouviu-se um suspiro de alívio. Não houve "rapa" na bisca de seis graças ao terno. A carta com menos valor salvou o jogo e eu fiquei a saber qual o nome popularmente atribuído ao terno do naipe que calhou à mesa.
- "Se não fosse o mija na erva... apanhava-se rapa". O "mija na erva", sim senhor. Nunca tinha ouvido tal coisa mas também é verdade que só raramente jogo à bisca. Só em ocasiões festivas como naquele dia, em que há pessoas suficientes para uma bisca de seis, às vezes para revezar alguém ou simplesmente para completar o painel de jogadores.
Deduzo que "mija na erva" seja sinal de pobreza, de pouco valor. Daí o nome ser atribuído à carta que menos poder tem. Mas como não regra sem excepção, lá vem o dia em que o pobrezinho tem a sorte de pode mostrar que vale alguma coisa.
Vamos jogar uma bisca de seis durante a tarde do dia de Festa, isso é garantido, porque há tradições que têm de ser cumpridas Desta vez, posso me gabar de saber um pouco mais desse típico jogo de cartas. Sei que o terno é o "mija na erva".

domingo, dezembro 13, 2009

desabandonados

-"Olhe, os velhinhos ficavam pr'aqui todos desabandonados." A senhora comentava o papel dos centros de dia na vida dos idosos da Calheta, o concelho mais extenso da Madeira e um dos mais envelhecidos. Se não existissem esses centros, na opinião da senhora , os velhinhos ficavam desabandonados. E ficarem "desabandonados" é algo bem mais grave do que ficarem simplesmente abandonados. Esta transformação do adjectivo "abandonado" em "desabandonado" serve para lhe dar mais ênfase, para lhe amplicar o sentido, para o dramatizar. Neste caso, o "des" não torna o adjectivo no seu oposto, mas no seu extremo. Não há dúvidas de que o "desabandono" é um drama. O "desabandono" é uma coisa horrível. O "desabandono" mata as pessoas lentamente. Como se sentirão os "desabandonados" com o aproximar do Natal? Quantos prefixos teríamos de acrescentar à palavra para lhe encontrar o tamanho certo?

quinta-feira, dezembro 03, 2009

fazer uma derrota

- "Caminhei de casa só para ir à missa e afinal fiz uma derrota." Uma derrota? A palavra fica clarificada no decorrer da conversa. "- Saímos da missa, passámos no supermercado, fomos comprar pão de casa e ainda fomos a casa do Manuel." Uma derrota é um itinerário, um percurso com passagem por vários locais, um roteiro com diversos pontos de paragem.
Nunca na minha vida tinha ouvido a palavra derrota com este significado e julguei tratar-se de um regionalismo, quem sabe até muito localizado, talvez só dito nesta zona. Cá nada! O substantivo "derrota" está no dicionário de português, que prontamente fui consultar, também com este significado, que a minha mãe utilizou naquele dia ao chegar da missa e de não sei mais quantos sítios.
O mesmo me tem acontecido em relação a muitas outras palavras, que com o tempo caíram em desuso, palavras que não reconheço, que nunca ouvi com um determinado sentido e que, afinal, pertencem ao vocabulário da nossa língua e estão descritas no dicionário. Corei de vergonha: a minha mãe, com o seu exame de terceira classe, tem um vocabulário que eu não domino. Isto dá que pensar. O que estamos a fazer à nossa língua? Simplificamos, simplificamos e tornamo-la mais pobre.

This page is powered by Blogger. Isn't yours?

Web Pages referring to this page
Link to this page and get a link back!