quarta-feira, outubro 28, 2009

o filho do Gasparinho

- "Quem será que vem acolá além?" Depois deste alerta, todos os olhos se fixaram na vereda, curiosos. Toda a gente do sítio se conhecia e bastava um olhar para identificar logo quem percorria a longa vereda, a caminho das Eiras ou já de regresso. Mas dessa vez, estava mais complicado. Quem seria? A curiosidade dos adultos levou-nos a fixar também a vereda em frente, por onde avançava uma figura alta, de cabelo comprido, alourado, e de calças à boca de sino, castanho-avermelhadas.
Enquanto os adultos adiantavam palpites, nós observávamos a misteriosa figura, que andava com passos rápidos e compassados, agora já bem perto da Ribeira.
- "Deve ser o filho do Gasparinho!" O mistério perdeu parte do interesse quando a figura ganhou um nome e nós voltámos à nossa brincadeira, que já não sei qual seria, talvez o jogo da condessa, ou do rei e filhos. Daí a alguns minutos, uma algazarra chamou-nos à realidade.
- "Pensámos que era o filho do Gasparinho!" A minha mãe e a minha tia davam gargalhadas, enquanto falavam com a Maria Justina, afilhada da minha mãe, que acabara de aderir à moda das calças compridas, transformando-se na primeira mulher do sítio a usá-las.
O filho do Gasparinho não vivia no nosso sítio, mas todos os conheciam por se atrever a ter uma aparência diferente: usava cabelo comprido que às vezes amarrava num rabo de cavalo, às vezes ostentava uma barba rala e vestia calças muito largas, à boca de sino. Mais nenhum rapaz conhecido se vestia daquela forma. Ninguém imaginou que a figura esguia de longo cabelo pudesse ser uma mulher; se usava calças era um homem e foi com base nesse pressuposto que tinha decorrido a tentativa de identificação da misteriosa figura que percorria a vereda.
Algum tempo depois deste episódio, o meu pai regressou da Austrália, onde estava emigrado, e trouxe a cada uma de nós um par de calças compridas! De maneira que, no domingo seguinte fomos as três à missa estreando a roupa nova.
Quando íamos a passar na vereda, junto à casa da Maria Justina, ouvimos uma grande algazarra. Ela e as irmãs juntaram-se para nos verem, às gargalhadas, e exclamaram: "Olha os filhos do Gasparinho!" Nós encolhemos os ombros e nada dissemos, mas aprendemos uma importante lição.
Fomos as primeiras do sítio a usar calças compridas, logo a seguir à Maria Justina, confundida com o filho do Gasparinho numa bela tarde de sol.

Comments:
Ainda só li esta mas já sou fã das tuas histórias. Assim que tenha vagar, leio as outras. Logo à noite, quando chegar a casa. Prometo. Parabéns pelo blog. Beijinhos, Graça
 
Mais uma história bem contada e muitíssimo engraçada.A Lília tem imenso jeito.

Aproveito e reitero um convite:
Participe na Blogagem de Novembro do blogue www.aldeiadaminhavida.blogspot.com
O tema é: O meu Magusto.
Basta enviar um texto máximo 25 linhas e 1 foto para aminhaldeia@sapo.pt
Participe!

Jocas gordas
Lena
 
Sério?... Há tão pouco tempo isso foi e ainda se estranhava o uso das calças por mulheres? Delicioso!
 
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