quinta-feira, abril 30, 2009
dormir de meias
Durante todo o Outono, Inverno e inícios da Primavera, desafio uma antiga superstição, segundo a qual não se deve dormir de meias, porque "os mortos vão de meias".
Sempre ouvi dizer isso mas o frio é mais forte do que a crença e só consigo adormecer se tiver os pés quentes. Não tenho medo. Nem sequer quando me vem à memória a imagem do primeiro morto que vi na vida.
Lembro-me muito bem de a minha avó me ter levado pela mão por entre veredas, com o vestido de chita a roçar as ervas molhadas, até uma casa na Ribeira onde se chorava a morte.
Entrámos na sala e lá estava o senhor na écia, deitado, de mãos no peito, vestido com o seu melhor fato, de meias e sem sapatos. Eu não percebia o que estava a acontecer, nem sequer sabia que se morria, e fiquei muda de espanto, com aquela imagem dentro da cabeça.
Depois de uma eternidade, regressámos pela mesma vereda e eu vinha diferente. Não sabia o que fazer do imenso frio que sentia de repente, nem do estranho medo que tinha dentro de mim e me espantava a voz.
Não conseguia falar e tinha frio mas lembro-me de ter perguntado à minha avó porque é que não lhe tinham calçado os sapatos, ao menos deviam ter-lhe calçado também os sapatos.
Sempre ouvi dizer isso mas o frio é mais forte do que a crença e só consigo adormecer se tiver os pés quentes. Não tenho medo. Nem sequer quando me vem à memória a imagem do primeiro morto que vi na vida.
Lembro-me muito bem de a minha avó me ter levado pela mão por entre veredas, com o vestido de chita a roçar as ervas molhadas, até uma casa na Ribeira onde se chorava a morte.
Entrámos na sala e lá estava o senhor na écia, deitado, de mãos no peito, vestido com o seu melhor fato, de meias e sem sapatos. Eu não percebia o que estava a acontecer, nem sequer sabia que se morria, e fiquei muda de espanto, com aquela imagem dentro da cabeça.
Depois de uma eternidade, regressámos pela mesma vereda e eu vinha diferente. Não sabia o que fazer do imenso frio que sentia de repente, nem do estranho medo que tinha dentro de mim e me espantava a voz.
Não conseguia falar e tinha frio mas lembro-me de ter perguntado à minha avó porque é que não lhe tinham calçado os sapatos, ao menos deviam ter-lhe calçado também os sapatos.
Comments:
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Lília!
Até me sinto mal com a minha sensibilidade. Sabes que apesar de ter muito medo de morrer, desde criança,achava a morte natural.
Não queria que minha mãe ou pai morressem. Apavorava-me pensar na minha, quando alguma criança morria. Ainda fui do tempo dos enterrinhos brancos e caixões pequeninos!...
Mas achei natural que o meu avô paterno morresse.E vizinhos, desde que fossem idosos, aceitava a lei da natureza sem mais. Rezava-lhes e pronto.
Mas não gostava dos preparos, vestir, tocar...ó céus.
Até me sinto mal com a minha sensibilidade. Sabes que apesar de ter muito medo de morrer, desde criança,achava a morte natural.
Não queria que minha mãe ou pai morressem. Apavorava-me pensar na minha, quando alguma criança morria. Ainda fui do tempo dos enterrinhos brancos e caixões pequeninos!...
Mas achei natural que o meu avô paterno morresse.E vizinhos, desde que fossem idosos, aceitava a lei da natureza sem mais. Rezava-lhes e pronto.
Mas não gostava dos preparos, vestir, tocar...ó céus.
Lília
Desconhecia que na Madeira, "Essa" se diz e escreve "Écia".
Por cá ainda se ouve dizer que "Quem se atém a (espera por) sapatos de defunto anda toda a vida descalço", ou seja "esperar por algo cuja vinda é longínqua ou problemática".
Eu pensava que a prática de enviar os defuntos para o Outro Mundo descalços teria terminado muito antes da sua meninice. Pelos vistos, na Madeira terá durado mais tempo.
No Dicionário de Expressões correntes de Orlando Neves está descrita a explicação para o caso o que não resisto a resumir, transcrevendo partes do texto:
Antigamente as irmandades e confrarias nomeavam um dos irmãos para anunciar,pelas povoações, a morte de um confrade; esse irmão fazia-se acompanhar de uma campaínha (ou campa) que ia soando para chamar à atenção. A paga deste serviço era, por norma estabelecida,ficar com os sapatos do defunto.
Daí que o campeiro tivesse de esperar que morresse alguém da confraria, o que poderia levar a que "toda a vida andasse descalço".
Saudações.
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Desconhecia que na Madeira, "Essa" se diz e escreve "Écia".
Por cá ainda se ouve dizer que "Quem se atém a (espera por) sapatos de defunto anda toda a vida descalço", ou seja "esperar por algo cuja vinda é longínqua ou problemática".
Eu pensava que a prática de enviar os defuntos para o Outro Mundo descalços teria terminado muito antes da sua meninice. Pelos vistos, na Madeira terá durado mais tempo.
No Dicionário de Expressões correntes de Orlando Neves está descrita a explicação para o caso o que não resisto a resumir, transcrevendo partes do texto:
Antigamente as irmandades e confrarias nomeavam um dos irmãos para anunciar,pelas povoações, a morte de um confrade; esse irmão fazia-se acompanhar de uma campaínha (ou campa) que ia soando para chamar à atenção. A paga deste serviço era, por norma estabelecida,ficar com os sapatos do defunto.
Daí que o campeiro tivesse de esperar que morresse alguém da confraria, o que poderia levar a que "toda a vida andasse descalço".
Saudações.
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