quarta-feira, agosto 13, 2008

A romagem do triguinho


Não cheguei a participar na romagem do triguinho, que antigamente se realizava no sábado da festa do Santíssimo Sacramento, no último fim-de-semana de Julho, no Caniço. Mas tenho esse ritual na memória, guardado através da experiência da minha mãe, que sempre nos contou esses acontecimentos do dia-a-dia do seu tempo como se fossem histórias de encantar.

Na romagem do triguinho participavam praticamente todas as crianças do sítio, cada qual levando um saquinho e trigo à cabeça, destinado às hóstias. Quando havia mais saquinhos do que crianças, eram metidos dentro de um cesto de pão, que era então levado na romagem por dois adultos, cada um segurando numa asa.

A Prima Lurdes, que deus lhe dê o Céu, trazia saquinhos da igreja, bancos e com uma cruz, e distribuía um por cada casal. Mas havia sempre mais crianças, os saquinhos não chegavam para todos e por isso a costureira, a Tia Justina Flor, juntava restos de tecido, e fazia saquinhos muito coloridos, que as crianças adoravam. Algumas levavam um saquinho à cabeça e outro debaixo do braço.

A abrir a romagem, à frente, ia um vilãozinho com um molhinho de murta, um com um barrilhinho de vinho, enfeitado com um cacho de uvas e uma folha de vinha e ainda outro com uma bandeira branca, onde estava bordado o cálice e a hóstia. A seguir vinha o grupo das viloas, com saias coloridas feitas para a ocasião, e depois as outras crianças.

Durante o percurso, desde o Chão das Eiras à Igreja do Caniço, cantavam-se diversas cantigas. O senhor padre aguardava as romagens à porta da igreja e era aí, à chegada, que se cantavam os seguintes versos. Depois, cada criança entregava o seu saquinho e recebia do senhor padre uma santinha: "Aquilo é que era uma alegria", recordam as crianças desse tempo, acalentando bonitas memórias da romagem do triguinho. "Ia-se e vinha-se a pé, para subir era muito cansativo, mas adorávamos ir na romagem do triguinho."


O trigo que nós trazemos
É oferta dos nossos pais
Se nós chegarmos ao ano
Voltamos a trazer mais

Foi semeado com fé
Regado com amor
O bom Deus abençoou
O suor do lavrador

As searas lourejantes
Onduladas pelo vento
Sentem-se muito honradas
De ao altar serem tornadas
No Santíssimo Sacramento

Viva o nosso senhor vigário
Alma de tanto valor
Deus lhe dê saúde e vida
Para servir ao Senhor

É dos sítios mais distantes
Desta nossa freguesia
Trazemos este triguinho
P'rá divina Eucaristia

O vilãozinho lembrou-se
De trazer alguns raminhos
P'ra onde Jesus passasse
Lhe enramar os caminhos

Vem-se reunidos
Cheios de fé e alegria
Com nossa oferta de trigo
P'rá divina Eucaristia

Ora viva viva
Ao nosso pastor
Que aqui nos espera
Com muito amor

Digam todos viva viva
A quem agora aqui chegou
Foi o nosso bom pastor
Nosso coração se alegrou

Digam todos viva viva
Mas digamos com amor
Quem aqui nos vem esperar
É o nosso tão bom pastor

Nós viemos com esperança
De p'ró ano cá voltar
Mas quem sabe se a morte
A vida nos vai tirar


Também viemos, ó bom Jesus
Fazer nossa despedida
P'ró ano cá voltaremos
Se nos der saúde e vida


Informações e versos recolhidos no Sítio da Ribeira dos Pretetes, a 1 de Março de 1986, junto de Justina Magna de Ornelas Fernandes, que em criança participou nas romagens do triguinho.


Comments:
Porquê só o «triguinho»?

Por que não a batatinha? O milhinho? A caninha de açúcar?

Tanta discriminação, meu Deus!
 
Ora ora...
Muito a propósito os versos. O trigo sempre foi o ingrediente principal do pão. E a sagrada Eucaristia é o Pão do céu.

Que pena tenho de nunca ter ido na romagem do triguinho...
Já não se faz. Bem registada a memória Lília.
Obrigada por mais esta.
 
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