sexta-feira, junho 06, 2008

Enfuguitar um bespreiro

- "Faz de conta que 'tá enfuguitando um bespreiro." Acho muita piada a esta frase, que é uma espécie de sinónimo de "deitar achas para a fogueira". Neste contexto "faz de conta" serve para fazer uma comparação, deve-se ler "é como se estivesse".
Antigamente, havia muitos bespreiros (com "b" e com "r", era como se dizia), logo identificados pelo movimento de bêspras a sair de um qualquer buraco na terra, muitas vezes nos bardos junto às fazendas onde as pessoas tinham de cultivar a terra, ou à beira dos caminhos onde era inevitável passar.
Ora, nesses locais era preciso passar com cuidado, porque se as bêspras estivessem assanhadas, atiravam-se em bando para cima das pessoas, picando-as em todos os sítios possíveis.
Mas também é verdade que nessa época os divertimentos eram muito poucos, e a imaginação ia se desenvolvendo um pouco ao ritmo da natureza, baseada nos fenómenos e nos objectos com que as pessoas tinham de conviver diariamente.
Vai daí, havia quem se divertisse a "enfuguitar bespreiros", em sítios onde sabiam que passaria gente logo a seguir. Pegavam, num pau, metiam pelo buraco na terra, remexiam e toca a fugir. Enfuguitavam e fugiam a sete pés. As bêspras ficavam furiosas e atacavam os próximos caminhantes, para divertimento do autor da brincadeira. Eram brincadeiras de crianças e os adultos ainda se riam, como era o caso da minha avolita. Dizia: "Uma dentada de bêspra é como uma injecção. Não faz mal nenhum." E ria-se com os dentes todos, na sua forma de rir tão particular.
A minha mãe lembra-se sempre de uma vez em que decidiu experimentar. Estava com a Teresinha, amiga de sempre, e quiseram ver o que acontecia se enfuguitassem o bespreiro que estava ao pé do caminho da levada. A intenção não era pregar partida a ninguém, apenas "ver o passo" dos animais, perceber se era verdade que as vespas se enfureciam com a intromissão e saiam de casa desvairadas, para se vingarem.
Mas acontece que não tiveram tempo de fugir e as bêspras, furiosas, embaraçaram-se-lhes nos cabelos e na roupa e desataram a picar, a picar, e elas aos gritos, a tentar fugir, levando consigo o enxame colado aos corpos franzinos vestidos de chita. A Ti Carolina, que Deus lhe dê o céu, estava no terreiro, avistou a cena, e riu-se. Divertiu-se com a cena, afinal nenhuma das duas morreria daquilo e tão cedo não esqueceriam a lição.
E tinha de tal forma razão que a minha mãe, ao contar esta cena, se ri sempre de um riso com saudades. Resumo da história: Fizeram uma brincadeira, sofreram as consequências, aprenderam, e ficaram com uma bela história para contar aos filhos e aos netos. Havia coisas tão simples e tão eficazes na educação de antigamente, quando não se pensava e repensava filosoficamente nas coisas da educação. Porque é que as pessoas decidiram complicar tudo?
Gosto de ouvir estas histórias do tempo da simplicidade, em que as coisas se tratavam por si, sem médicos nem psicólogos, nem culpados. E gosto da expressão "enfuguitar um bespreiro", com um sentido metafórico tão genuíno. Enfuguitar um bespreiro é fazer algo para enfurecer ainda mais alguém, normalmente de propósito e não ingenuamente como a minha mãe e a Teresinha quando decidiram estudar no local e ao vivo a reacção dos insectos.

Comments:
Ora pois eu na minha infância aprendi a respeito dos bespreiros que não se podiam "assanha-los" porque as "abespras" assanhadas é que mordiam. Essa de enfuguitar desconhecia!
 
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