sexta-feira, maio 30, 2008

Uma dentada de bêspra

Acho que toda a gente, crianças e adultos, sabia o que é uma dentada de bêspra. A picada repentina e traiçoeira num sítio qualquer do corpo e depois a dor sempre a aumentar, a aumentar, enquanto a marca vermelha se ia formando na pele.
No caso das crianças, sei porque tenho várias na memória, seguiam-se de imediato os gritos. E logo um adulto perguntava, talvez de dentro da cozinha, sem espreitar à porta: - " O que foi?" - Por entre gritos: -"Levei uma dentada de bêspra". E a resposta certeira: "-'Inda pensei que era alguma coisa. Anda aqui pôr um dente de alho."
Havia vários remédios caseiros para as dentadas de bêspra, era assim que todos pronunciavam a palavra vespa. O primeiro recurso era sempre colocar sobre a picada um dente de alho esmagado. Às vezes não havia alho à mão e colocava-se uma moeda, ou, em alternativa, a parte metálica de uma faca. Antigamente algumas pessoas também colocavam anil, sabão azul e ainda salsa pisada.
O alho e a moeda foram sempre os remédios mais utilizados na minha família e por isso foram com elas que foram aliviadas as dores de todas as minhas dentadas de bêspra.
Lembro-me de uma em particular numa vez em que fui em missão de exploração ao sótão. As bêspras tinham pequenos favos entre as traves de madeira e o telhado e uma delas apanhou-me desprevenida, entrou pelo meu vestido de chita e mordeu-me precisamente junto ao umbigo. Desatei aos gritos e quase descia as escadas do sotão aos tramolhões.
A primeira coisa que os adultos pensaram quando me ouviram foi que eu tinha caído da escada e quando me viram inteira, suspiraram de alivio e acabaram por minimizar a dor da minha dentada de bêspra, coisa que eu levei muito a peito. Claro que me puseram o milagrosa dente de alho e também a moeda da praxe.
Agora sorrio. Era tão natural uma dentada de bêspra e passava de forma tão natural e havia tantos remédios naturais e simples e no dia seguinte mais não era do que uma pequena memória do quotidiano. Quase me apetece dizer que tenho saudades. A dores da alma não passam com dentes de alho nem com uma moeda colocada por cima.

Comments:
Olá Lília!
Pois as dores da alma são mais parecidas com as ferroadas das abelhas...
Dão cada choque anafiláctico que nos deixam às portas da morte!
Mas há antídotos! Sabias?
Eu ensino-te...

Ciao amiga
miss
 
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