domingo, janeiro 20, 2008

Isso é mato!

A expressão "Isso é mato"continua a ser muito utilizada para mencionar algo que existe em grande quantidade. Ouço-a e sorrio. Por um lado, porque a expressão me parece subitamente desactualizada e por outro porque a nostalgia da memória me transmite sempre uma sensação de conforto. Um conforto pequenino e seguro, como o quentinho de uma lareira.
Esse calorzinho que me faz sorrir leva-me ao tempo em que "ir ao mato" era uma tarefa diária. Ainda crianças, saíamos de casa para "ir ao mato" e daí a bocado já tinhamos regressado com um pequeno molho, normalmente destinado a acender o lume no lar da minha avó, ou a deitar no chiqueiro do porco. O meu avô também usava mato para deitar nos regos, quando cultivava os poios à volta da casa.
Era fácil ir ao mato porque havia mato por todo o lado, o que não faltava nesse tempo era pinheiros. Aquilo a que chamávamos mato eram as folhas finas dos pinheiros, as faúlhas, que iam caindo ao chão à medida que secavam. Para as apanhar, usávamos uma forquilha, uma alfaia com dois ganchos, que arrastávamos no chão para reunir a faúlha aos montinhos. Depois juntávamos os vários montinhos num molho e regrassávamos a casa, contentes por estar feita a volta que nos tinham mandado fazer nessa tarde.
Havia pinheiros em todas as direcções e nós íamos variando os locais onde íamos ao mato, tal como variávamos as brincadeiras feitas entretanto. Ir ao mato era uma tarefa séria e útil mas também era uma espécie de brincadeira, porque tinha um gosto a liberdade, a despreocupação. Era um daqueles gestos que significava acreditar. Acreditar nos ciclos da natureza e nas pessoas e nas tardes e nas manhãs.
Apetece-me ir ao mato mas já não existe mato, porque já não existem pinheiros, meu Deus, já não pinheiros nem atrás, nem à frente da casa, nem aos lados, desapareceram todos. Já não existem esses locais mágicos, refúgios escuros e verdes, cheirando muito a verde, com sombras desenhadas na faúlha pelos raios de sol que se escapavam por entre as copas das árvores tranquilas.
Sinto os cheiros, sinto a aspereza da faúlha bem seca, sinto os pequenos ruídos, de pequenos ramos que se partiam sob os nossos pés, sinto a leveza dessa tarefa que podia ser também uma brincadeira. Mas tenho de fechar os olhos porque nada está lá, nada. E de repente alguém diz, com a sua sabedoria noutros tempos aprendida "Isso é mato" e eu acordo desse quentinho que parece uma lareira acesa mas não de uma pequena memória. Sorrio então. Sorrio e digo que sim, é verdade: "Isso é mato."

Comments:
Ir ao mato, na guerra colonial era penetrar no coração da guerra, na selva.

Isso é mato! pode querer dizer que é «uma seca»!, ou «palha»!
 
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