terça-feira, novembro 27, 2007

Daqui até amanhecer

Das muitas quadras populares que fui anotando nas minhas recolhas, alguns ficaram-me na memória, e surgem às vezes do nada, no meio de uma qualquer distracção. Esta é uma delas e o motivo é talvez o de me ter sido dita pela minha querida avolita.
Os dois primeiros versos servem para arrematar quantas cantigas se queira no brinco, no despique, ou no xaramba.
"Quantas horas se não vão daqui até amanhecer." O início está feito, agora é juntar-lhe dois versos com a métrica adequada, sete sílabas, e no final uma palavra que rime com amanhecer. Claro que o processo é sempre ao contrário: sabendo o que quer dizer, o cantador ou cantadeira procura na memória algo que encaixe ali bem e eis que encontra esta frase tão antiga como os avós de todos os avós.
A quadra que por vezes me aparece do nada, no meio de um qualquer distracção, talvez por me ter sido dita com um carinho extremo, pela minha querida avolita, é assim:

"Quantas horas se não vão
Daqui até amanhecer
Todo aquele que faz bem
Nunca s' há-de arrepender."

A minha avolita acreditava piamente naquilo que me disse, em jeito de conselho, na cantiga inventada de repente, num dos momentos em que cheguei junto dela, na sua cadeira de vimes estrategicamente colocada junto da janela, de caderno e caneta na mão, e lhe pedi para se lembrar de algumas cantigas.
Ela acreditava e eu também ainda acredito. Embora tenha perdido a conta às muitas vezes em que a vida já me tentou ensinar o contrário. Na verdade, a vida não tem culpa de nada. São as pessoas com quem nos vamos cruzando, porque todos os caminhos se cruzam com outros caminhos, formando encruzilhadas às vezes com aparência de nenhum sentido, na verdade são as pessoas que às vezes nos fazem duvidar.
Mas a minha avolita acreditava e ela tinha um sorriso tão imensamente luminoso e terno, era tão bonito acreditar. Na cara da minha avolita o acreditar mostrava que tinha razão e era tão bonito."Todo aquele que faz bem/nunca se há-de arrepender." Eu vou teimar, avolita.

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