segunda-feira, junho 04, 2007
Também pisa...
"Quando eu caminho de casa
Minha mãe sempre m'avisa
Ah mê filho fala bem
Que falar mal também pisa."
Se houvesse mesas suficientes no café e eu não me tivesse sentado na mesa onde estava a senhora Maria, hoje não saberia esta quadra.
Mas não havia mesas. Depois da missa de domingo é sempre assim, e ainda bem. Arranjei um cantinho na mesa onde estava uma prima da minha mãe e foi a cunhada dela que achou por bem dizer-me esta quadra.
Deve ter vindo a propósito de qualquer coisa, isso de certeza. Mas eu preocupei-me foi em anotá-la, juntamente com o nome da senhora, Maria de Quintal, e a idade dela, 72 anos, enquanto a nora lhe dizia, com um sorriso condescendente: "Olhe que ela vai escrever isso, ela escreve tudo." Limitei-me a sorrir, não podia negar.
Sorri enquanto escrevia a quadra na parte de trás de um envelope que tinha na bolsa. E sorri de uma forma maior no final do último verso, por causa do verbo pisar. Na infância esse era o verbo que toda a gente usava, era como se ninguém conhecesse a palavra magoar.
Andávamos a brincar, tropeçávamos e perante os joelhos esfolados e a precisar de um curativo à base de água oxigenada e de mercurocromo, íamos dizer à minha mãe: "Pisei-me no joelho".
No meio de uma qualquer disputa entre irmãs, uma entusiasmava-se, batia na outra, e a queixa ao adulto mais próximo era feita da mesma maneira: "Ela pisou-me num braço."
Nesse tempo, não sabíamos ainda que se pode pisar sem dar beliscões, nem palmadas, nem puxões de cabelo, nem pequenos socos nas costas, como inevitavelmente fazíamos umas às outras de vez em quando. Nem sequer que podia ser muito mais do que uma malha de vime, daquelas que nos deixavam marcas vermelhas nas pernas, por algum motivo que só os adultos pareciam perceber, porque na nossa cabeça nada tínhamos feito de mal.
Que bom seria se não houvesse outras formas bem mais eficazes de "pisar". As palavras. Ou a ausência delas. "(...)Que falar mal também pisa". Uma versão simples daquilo que o Eugénio de Andrade escreveria depois: "São como um cristal, as palavras/ Algumas um punhal/ Muitas espadas....." e o resto não me lembro agora.
Minha mãe sempre m'avisa
Ah mê filho fala bem
Que falar mal também pisa."
Se houvesse mesas suficientes no café e eu não me tivesse sentado na mesa onde estava a senhora Maria, hoje não saberia esta quadra.
Mas não havia mesas. Depois da missa de domingo é sempre assim, e ainda bem. Arranjei um cantinho na mesa onde estava uma prima da minha mãe e foi a cunhada dela que achou por bem dizer-me esta quadra.
Deve ter vindo a propósito de qualquer coisa, isso de certeza. Mas eu preocupei-me foi em anotá-la, juntamente com o nome da senhora, Maria de Quintal, e a idade dela, 72 anos, enquanto a nora lhe dizia, com um sorriso condescendente: "Olhe que ela vai escrever isso, ela escreve tudo." Limitei-me a sorrir, não podia negar.
Sorri enquanto escrevia a quadra na parte de trás de um envelope que tinha na bolsa. E sorri de uma forma maior no final do último verso, por causa do verbo pisar. Na infância esse era o verbo que toda a gente usava, era como se ninguém conhecesse a palavra magoar.
Andávamos a brincar, tropeçávamos e perante os joelhos esfolados e a precisar de um curativo à base de água oxigenada e de mercurocromo, íamos dizer à minha mãe: "Pisei-me no joelho".
No meio de uma qualquer disputa entre irmãs, uma entusiasmava-se, batia na outra, e a queixa ao adulto mais próximo era feita da mesma maneira: "Ela pisou-me num braço."
Nesse tempo, não sabíamos ainda que se pode pisar sem dar beliscões, nem palmadas, nem puxões de cabelo, nem pequenos socos nas costas, como inevitavelmente fazíamos umas às outras de vez em quando. Nem sequer que podia ser muito mais do que uma malha de vime, daquelas que nos deixavam marcas vermelhas nas pernas, por algum motivo que só os adultos pareciam perceber, porque na nossa cabeça nada tínhamos feito de mal.
Que bom seria se não houvesse outras formas bem mais eficazes de "pisar". As palavras. Ou a ausência delas. "(...)Que falar mal também pisa". Uma versão simples daquilo que o Eugénio de Andrade escreveria depois: "São como um cristal, as palavras/ Algumas um punhal/ Muitas espadas....." e o resto não me lembro agora.