terça-feira, junho 12, 2007
Quadras de Amor
Por ser véspera de Santo António, o santo casamenteiro, aqui deixo algumas quadras sobre o tema do Amor, todas recolhidas no meu Sítio em 1986/87.
São quadras soltas, que eram cantadas nas mais diversas ocasiões: Nos "brincos" da Festa ou dos arraiais, na apanha da erva ou do trigo, e até nos despiques, com as devidas adaptações conforme a situação.
São quadras de uma singeleza comovente.
Releio-as e, uma vez mais, comovo-me com tanta simplicidade. Comovo-me com a memória de quem as cantou, pacientemente, para que eu as anotasse. Sorrio às palavras ortograficamente incorrectas, mas tão certas e tão absolutas que não podiam ser de outra maneira. Porque rima, porque dá certo, e porque o sentir não tem forma gramatical.
O alecrim serenado
Debaixo da água s'acende
É como dois namorados
Que pelo olhar s'entende
Vou do campo p'ra cidade
Qu'o campo já m'aborrece
Qu'é na cidade qu'eu tenho
Quem por minh'alma padece
Quando eu comecei a amar
Foi numa segunda-feira
Fui amando e fui gostando
Amei a semana inteira
Eu não quero amor alto
Que não me caiba na porta
Quero um amor rasteirinho
Com' um craveiro na horta
Tenho dentro do meu peito
cidras, laranja, limão
Falta-me p'ra toda a fruta
Menina, o teu coração
O meu coração dá horas
O meu peito badaladas
Nos dias que te não vejo
Trago as horas contadas
Eu amei-te de pequenina
No colo de tua mãe
Agora p'ra te largar
Isso é que não me convém
Ah lua qu'alumiais
Lá no mar o pescador
'lumeia-me cá na terra
P'ra eu ver o meu amor
Quando eu te vi logo disse
Linda prenda para Amar
Linda boca p'ra dar beijos
Linda mão para apertar
Eu assubi para o alto
Que do alto eu vejo bem
Para ver o meu Amor
S'ele fala com alguém
São quadras soltas, que eram cantadas nas mais diversas ocasiões: Nos "brincos" da Festa ou dos arraiais, na apanha da erva ou do trigo, e até nos despiques, com as devidas adaptações conforme a situação.
São quadras de uma singeleza comovente.
Releio-as e, uma vez mais, comovo-me com tanta simplicidade. Comovo-me com a memória de quem as cantou, pacientemente, para que eu as anotasse. Sorrio às palavras ortograficamente incorrectas, mas tão certas e tão absolutas que não podiam ser de outra maneira. Porque rima, porque dá certo, e porque o sentir não tem forma gramatical.
O alecrim serenado
Debaixo da água s'acende
É como dois namorados
Que pelo olhar s'entende
Vou do campo p'ra cidade
Qu'o campo já m'aborrece
Qu'é na cidade qu'eu tenho
Quem por minh'alma padece
Quando eu comecei a amar
Foi numa segunda-feira
Fui amando e fui gostando
Amei a semana inteira
Eu não quero amor alto
Que não me caiba na porta
Quero um amor rasteirinho
Com' um craveiro na horta
Tenho dentro do meu peito
cidras, laranja, limão
Falta-me p'ra toda a fruta
Menina, o teu coração
O meu coração dá horas
O meu peito badaladas
Nos dias que te não vejo
Trago as horas contadas
Eu amei-te de pequenina
No colo de tua mãe
Agora p'ra te largar
Isso é que não me convém
Ah lua qu'alumiais
Lá no mar o pescador
'lumeia-me cá na terra
P'ra eu ver o meu amor
Quando eu te vi logo disse
Linda prenda para Amar
Linda boca p'ra dar beijos
Linda mão para apertar
Eu assubi para o alto
Que do alto eu vejo bem
Para ver o meu Amor
S'ele fala com alguém
quarta-feira, junho 06, 2007
As meninas da Camacha
Recolhi em 1989 alguns versos sobre as "meninas da Camacha", na zona alta da freguesia do Caniço. Não sei se estarão relacionados com alguma antiga e histórica rivalidade entre as duas freguesias. Provavelmente também são cantados na Camacha, até é possível que sejam oriundos da própria freguesia, uma vez que a zona onde os recolhi é praticamente na fronteira. Aqui ficam, sem ofensa e com um carinho especial para todas as "meninas" da Camacha a quem devo grandes e longas amizades.
As meninas da Camacha
Quando não têm que fazer
Vão à noite ao bailarico
E 'tão até amanhecer
As meninas da Camacha
Quando não têm que fazer
Vão à serra, corte lenha
E vão p'ra cidade vender
As meninas da Camacha
Toda a noite racham canas
para fazer estaquinhas
para estacar as bogangas
As meninas da Camacha
Não comem senão feijão
Para poupar o dinheiro
p'ra botinhas de tacão
As meninas da Camacha
Não comem senão arroz
Para poupar o dinheiro
P'ra andar em carros de bois
As meninas da Camacha
Cada qual tem o seu
Ajuntou-se os cornos todos
a Camacha estremeceu
O bairrinho da Camacha
Não é bom p'ra namorar
Tem caminhos e veredas
E cachorros a ladrar
O combóio que vai p'ro Monte
Vai dizendo azeite azeite
As meninas da Camacha
Não Têm cama onde se "deite"
As meninas da Camacha
Nem todas são camacheiras
Umas vão à cidade
Mas outras são bordadeiras
Recolhido em 1989, Sítio da Ribeira dos Pretetes, Caniço
As meninas da Camacha
Quando não têm que fazer
Vão à noite ao bailarico
E 'tão até amanhecer
As meninas da Camacha
Quando não têm que fazer
Vão à serra, corte lenha
E vão p'ra cidade vender
As meninas da Camacha
Toda a noite racham canas
para fazer estaquinhas
para estacar as bogangas
As meninas da Camacha
Não comem senão feijão
Para poupar o dinheiro
p'ra botinhas de tacão
As meninas da Camacha
Não comem senão arroz
Para poupar o dinheiro
P'ra andar em carros de bois
As meninas da Camacha
Cada qual tem o seu
Ajuntou-se os cornos todos
a Camacha estremeceu
O bairrinho da Camacha
Não é bom p'ra namorar
Tem caminhos e veredas
E cachorros a ladrar
O combóio que vai p'ro Monte
Vai dizendo azeite azeite
As meninas da Camacha
Não Têm cama onde se "deite"
As meninas da Camacha
Nem todas são camacheiras
Umas vão à cidade
Mas outras são bordadeiras
Recolhido em 1989, Sítio da Ribeira dos Pretetes, Caniço
Luto
"De vermelho veste a rosa
De verde veste o limão
De branco a açucena
De luto o meu coração."
Recolhida em 1987, Sítio da Ribeira dos Pretetes
De verde veste o limão
De branco a açucena
De luto o meu coração."
Recolhida em 1987, Sítio da Ribeira dos Pretetes
segunda-feira, junho 04, 2007
Meninos e pão
Na mesma mesa de café, antes de me dizer a quadra do post anterior, a senhora Maria fez-me anotar um ditado que eu não conhecia.
Uma outra senhora, cliente habitual do mesmo café aos domingos, sentou-se na mesa onde estávamos, aproveitando a cadeira que alguém deixara vazia para ir fazer uma qualquer compra ao mini-mercado contíguo.
Tinha no colo uma bebé e a bebé estava muito bem agasalhada, apesar do calor que todos sentíamos. Depois daquele espaço de tempo em que todos ficámos a olhar para a criança e a gabar-lhe a beleza e a expressão e os olhos, e depois de a senhora ter apontado para junto do balcão com a cabeça para mostrar os pais da menina, ela própria comentou que talvez lhe tivessem vestido demasiada roupa. Eu concordei, o casaco cor-de-rosa, fofinho, era adequado para o Inversno, mas excessivo para o Verão.
A senhora Maria pousou a chávena do garoto claro e disse: "Meninos e pão nunca têm Verão." Confessei a minha ignorância em relação àquele ditado e ela então explicou: "Os meninos e o pão deve-se abafar sempre, mesmo que esteja calor. Lá isso cá é verdade!" "- Ah sim? " - "Sim, uma coisa e outra." E já referindo-se mais em concreto às crianças pequenas, usou o diminutivo: "têm de ser sempre abafadinhos, não interessa o calor..."
Espero que no próximo domingo o café volte a estar tão cheio que as pessoas se vejam obrigadas a sentarem-se nas mesas umas das outras. Sei que aprenderei muitas coisas novas/antigas.
Uma outra senhora, cliente habitual do mesmo café aos domingos, sentou-se na mesa onde estávamos, aproveitando a cadeira que alguém deixara vazia para ir fazer uma qualquer compra ao mini-mercado contíguo.
Tinha no colo uma bebé e a bebé estava muito bem agasalhada, apesar do calor que todos sentíamos. Depois daquele espaço de tempo em que todos ficámos a olhar para a criança e a gabar-lhe a beleza e a expressão e os olhos, e depois de a senhora ter apontado para junto do balcão com a cabeça para mostrar os pais da menina, ela própria comentou que talvez lhe tivessem vestido demasiada roupa. Eu concordei, o casaco cor-de-rosa, fofinho, era adequado para o Inversno, mas excessivo para o Verão.
A senhora Maria pousou a chávena do garoto claro e disse: "Meninos e pão nunca têm Verão." Confessei a minha ignorância em relação àquele ditado e ela então explicou: "Os meninos e o pão deve-se abafar sempre, mesmo que esteja calor. Lá isso cá é verdade!" "- Ah sim? " - "Sim, uma coisa e outra." E já referindo-se mais em concreto às crianças pequenas, usou o diminutivo: "têm de ser sempre abafadinhos, não interessa o calor..."
Espero que no próximo domingo o café volte a estar tão cheio que as pessoas se vejam obrigadas a sentarem-se nas mesas umas das outras. Sei que aprenderei muitas coisas novas/antigas.
Também pisa...
"Quando eu caminho de casa
Minha mãe sempre m'avisa
Ah mê filho fala bem
Que falar mal também pisa."
Se houvesse mesas suficientes no café e eu não me tivesse sentado na mesa onde estava a senhora Maria, hoje não saberia esta quadra.
Mas não havia mesas. Depois da missa de domingo é sempre assim, e ainda bem. Arranjei um cantinho na mesa onde estava uma prima da minha mãe e foi a cunhada dela que achou por bem dizer-me esta quadra.
Deve ter vindo a propósito de qualquer coisa, isso de certeza. Mas eu preocupei-me foi em anotá-la, juntamente com o nome da senhora, Maria de Quintal, e a idade dela, 72 anos, enquanto a nora lhe dizia, com um sorriso condescendente: "Olhe que ela vai escrever isso, ela escreve tudo." Limitei-me a sorrir, não podia negar.
Sorri enquanto escrevia a quadra na parte de trás de um envelope que tinha na bolsa. E sorri de uma forma maior no final do último verso, por causa do verbo pisar. Na infância esse era o verbo que toda a gente usava, era como se ninguém conhecesse a palavra magoar.
Andávamos a brincar, tropeçávamos e perante os joelhos esfolados e a precisar de um curativo à base de água oxigenada e de mercurocromo, íamos dizer à minha mãe: "Pisei-me no joelho".
No meio de uma qualquer disputa entre irmãs, uma entusiasmava-se, batia na outra, e a queixa ao adulto mais próximo era feita da mesma maneira: "Ela pisou-me num braço."
Nesse tempo, não sabíamos ainda que se pode pisar sem dar beliscões, nem palmadas, nem puxões de cabelo, nem pequenos socos nas costas, como inevitavelmente fazíamos umas às outras de vez em quando. Nem sequer que podia ser muito mais do que uma malha de vime, daquelas que nos deixavam marcas vermelhas nas pernas, por algum motivo que só os adultos pareciam perceber, porque na nossa cabeça nada tínhamos feito de mal.
Que bom seria se não houvesse outras formas bem mais eficazes de "pisar". As palavras. Ou a ausência delas. "(...)Que falar mal também pisa". Uma versão simples daquilo que o Eugénio de Andrade escreveria depois: "São como um cristal, as palavras/ Algumas um punhal/ Muitas espadas....." e o resto não me lembro agora.
Minha mãe sempre m'avisa
Ah mê filho fala bem
Que falar mal também pisa."
Se houvesse mesas suficientes no café e eu não me tivesse sentado na mesa onde estava a senhora Maria, hoje não saberia esta quadra.
Mas não havia mesas. Depois da missa de domingo é sempre assim, e ainda bem. Arranjei um cantinho na mesa onde estava uma prima da minha mãe e foi a cunhada dela que achou por bem dizer-me esta quadra.
Deve ter vindo a propósito de qualquer coisa, isso de certeza. Mas eu preocupei-me foi em anotá-la, juntamente com o nome da senhora, Maria de Quintal, e a idade dela, 72 anos, enquanto a nora lhe dizia, com um sorriso condescendente: "Olhe que ela vai escrever isso, ela escreve tudo." Limitei-me a sorrir, não podia negar.
Sorri enquanto escrevia a quadra na parte de trás de um envelope que tinha na bolsa. E sorri de uma forma maior no final do último verso, por causa do verbo pisar. Na infância esse era o verbo que toda a gente usava, era como se ninguém conhecesse a palavra magoar.
Andávamos a brincar, tropeçávamos e perante os joelhos esfolados e a precisar de um curativo à base de água oxigenada e de mercurocromo, íamos dizer à minha mãe: "Pisei-me no joelho".
No meio de uma qualquer disputa entre irmãs, uma entusiasmava-se, batia na outra, e a queixa ao adulto mais próximo era feita da mesma maneira: "Ela pisou-me num braço."
Nesse tempo, não sabíamos ainda que se pode pisar sem dar beliscões, nem palmadas, nem puxões de cabelo, nem pequenos socos nas costas, como inevitavelmente fazíamos umas às outras de vez em quando. Nem sequer que podia ser muito mais do que uma malha de vime, daquelas que nos deixavam marcas vermelhas nas pernas, por algum motivo que só os adultos pareciam perceber, porque na nossa cabeça nada tínhamos feito de mal.
Que bom seria se não houvesse outras formas bem mais eficazes de "pisar". As palavras. Ou a ausência delas. "(...)Que falar mal também pisa". Uma versão simples daquilo que o Eugénio de Andrade escreveria depois: "São como um cristal, as palavras/ Algumas um punhal/ Muitas espadas....." e o resto não me lembro agora.