terça-feira, março 20, 2007
"Parece um Xangai"
Não éramos muitos, mas parecia. Eu, a minha mãe e a minha filha, as três a falar, juntando às nossas vozes o barulho da televisão, fez o meu pai exclamar, mal entrou na sala:
- "Mas que barulheira é esta? Isto parece um Xangai."
Eu já conhecia a expressão, mas nunca me tinha dedicado a tentar perceber a história à volta dela. "- O Xangai era um bairro que havia para os lados de São Gonçalo", explica a minha mãe.
Que interessante! Porque será que aos bairros sociais o povo tem a tendência de dar nomes de países ou cidades? Para além das Malvinas e de Berlim, temos também um Xangai.
Neste último caso, terá a ver com o formigueiro que é a cidade chinesa de Xangai. Muitas pessoas para pouco espaço, as pessoas movimentando-se e falando numa língua que ninguém consegue entender.
Parte-se do geral para o particular, tal como na história de muitas outras expressões que tenho anotado neste blog. Primeiro Xangai, a cidade chinesa. Depois um bairro social em São Gonçalo. E, numa última transformação, reduzindo o espaço e as pessoas envolvidas, um pequeno círculo familiar onde todos falem ao mesmo tempo, gerando confusão.
- "Mas que barulheira é esta? Isto parece um Xangai."
Eu já conhecia a expressão, mas nunca me tinha dedicado a tentar perceber a história à volta dela. "- O Xangai era um bairro que havia para os lados de São Gonçalo", explica a minha mãe.
Que interessante! Porque será que aos bairros sociais o povo tem a tendência de dar nomes de países ou cidades? Para além das Malvinas e de Berlim, temos também um Xangai.
Neste último caso, terá a ver com o formigueiro que é a cidade chinesa de Xangai. Muitas pessoas para pouco espaço, as pessoas movimentando-se e falando numa língua que ninguém consegue entender.
Parte-se do geral para o particular, tal como na história de muitas outras expressões que tenho anotado neste blog. Primeiro Xangai, a cidade chinesa. Depois um bairro social em São Gonçalo. E, numa última transformação, reduzindo o espaço e as pessoas envolvidas, um pequeno círculo familiar onde todos falem ao mesmo tempo, gerando confusão.
Nem à terça-feira....
Afinal, não era só à sexta-feira que era proibido começar um novo trabalho. À terça-feira também dava azar. E nesse caso, as bordadeiras e teleiras tentavam dar início às peças novas na segunda-feira.
Uma vez que as raparigas dedicavam todo o dia de sábado ao arranjo da casa e sendo o domingo dia santo, em que ninguém se atrevia a pegar na agulha, restavam três dias da semana para começar novos trabalhos: segunda, quarta e quinta-feira.
Uma vez que as raparigas dedicavam todo o dia de sábado ao arranjo da casa e sendo o domingo dia santo, em que ninguém se atrevia a pegar na agulha, restavam três dias da semana para começar novos trabalhos: segunda, quarta e quinta-feira.
segunda-feira, março 19, 2007
Começar o bordado à sexta-feira dá azar
Fiz tal e qual teriam feito a minha avó, as minhas tias e a minha mãe, no tempo em que passavam os dias a bordar ou a fazer tela, há muitos anos.
Sexta-feira, ao final da tarde, propunha-me começar um bordado para a bebé de uma amiga, quando de repente me lembrei do dia em que estávamos. Então não era sexta-feira? Deixei a tarefa para o dia seguinte.
Quando eu era criança e muito antes, quando a minha mãe a a minha avó eram crianças e todas as mulheres da família antes delas também, ninguém se atrevia a começar um novo trabalho numa sexta-feira. Dizia-se que dava azar e toda a gente respeitava a superstição.
Muitas vezes o trabalho tinha pressa - nessa altura vendiam-se imensos bordados e quadros de tela (tapeçarias) para fora e as artesãs não tinham mãos a medir - e era preciso dar a volta ao problema da sexta-feira.
Era fácil: na quinta-feira à noite, as raparigas punham de lado o trabalho que estavam quase a acabar e começavam numa nova peça. Bastava meia dúzia de pontos, nao eram necessários mais e assim já não corriam o risco de alguma coisa não acertar.
Claro que mesmo com esse cuidado às vezes bastava enganarem-se num ponto para o desenho já ficava todo desencontrado. Alguns era possível disfarçar, mas havia casas de bordados tão exigentes, que detectavam logo a tramóia e mandavam para trás, para desmanchar e fazer tudo de novo. Paciência.
Eu já comecei muitos bordados à sexta-feira e também já bordei ao domingo, outro dia em que antigamente ninguém bordava. Na sexta-feira passada, apeteceu-me ter uma desculpa, talvez por estava muito cansada. E todos nós, quando procuramos uma desculpa, seja para o que for, conseguimos encontrá-la sempre.
Sexta-feira, ao final da tarde, propunha-me começar um bordado para a bebé de uma amiga, quando de repente me lembrei do dia em que estávamos. Então não era sexta-feira? Deixei a tarefa para o dia seguinte.
Quando eu era criança e muito antes, quando a minha mãe a a minha avó eram crianças e todas as mulheres da família antes delas também, ninguém se atrevia a começar um novo trabalho numa sexta-feira. Dizia-se que dava azar e toda a gente respeitava a superstição.
Muitas vezes o trabalho tinha pressa - nessa altura vendiam-se imensos bordados e quadros de tela (tapeçarias) para fora e as artesãs não tinham mãos a medir - e era preciso dar a volta ao problema da sexta-feira.
Era fácil: na quinta-feira à noite, as raparigas punham de lado o trabalho que estavam quase a acabar e começavam numa nova peça. Bastava meia dúzia de pontos, nao eram necessários mais e assim já não corriam o risco de alguma coisa não acertar.
Claro que mesmo com esse cuidado às vezes bastava enganarem-se num ponto para o desenho já ficava todo desencontrado. Alguns era possível disfarçar, mas havia casas de bordados tão exigentes, que detectavam logo a tramóia e mandavam para trás, para desmanchar e fazer tudo de novo. Paciência.
Eu já comecei muitos bordados à sexta-feira e também já bordei ao domingo, outro dia em que antigamente ninguém bordava. Na sexta-feira passada, apeteceu-me ter uma desculpa, talvez por estava muito cansada. E todos nós, quando procuramos uma desculpa, seja para o que for, conseguimos encontrá-la sempre.
quarta-feira, março 14, 2007
Um cramil!
Estava a tentar combinar algo com uma amiga, mas expliquei-lhe que nesses dias seria impossível. Em duas ou três frases enumerei algumas das razões, que eram sobretudo problemas que precisavam ser resolvidos.
"Isso é que é um cramil!" - exclama ela, como resposta aos meus desabafos.
Só tinha ouvido essa expressão uma vez e não há muito tempo, num serão em que a minha mãe e o meu tio José Manuel recordavam pessoas e acontecimentos da infância.
A minha mãe lembrou-se de duas expressões: uma muito usada pela minha avó e a outra muito usada pela senhora Maria José, que vivia em frente, junto à eira. A minha avó dizia: " - Ah Tirano!", sempre que se defrontava com uma pessoa má. E a senhora Maria José dizia: "Isto é que é um cramil!" (Eu percebi "cramilhe", mas é sabido que os madeirense palatalizam o "l" sempre que ele está junto de um "i"), para se referir a um longo rol de cramações. Cramil vem de cramar, que usamos como sinónimo de queixar-se, lamentar-se...
Os filhos da senhora Maria José imitavam o dizer da minha avó e os meus tios imitavam o dizer da senhora Maria José. A minha mãe ria-se, enquanto recordava esse pequeno pormenor dos belos tempos da infância.
"Isso é que é um cramil!" Fico a reflectir na expressão da minha amiga. É bem verdade. É um cramil, mas a vida é assim mesmo.
"Isso é que é um cramil!" - exclama ela, como resposta aos meus desabafos.
Só tinha ouvido essa expressão uma vez e não há muito tempo, num serão em que a minha mãe e o meu tio José Manuel recordavam pessoas e acontecimentos da infância.
A minha mãe lembrou-se de duas expressões: uma muito usada pela minha avó e a outra muito usada pela senhora Maria José, que vivia em frente, junto à eira. A minha avó dizia: " - Ah Tirano!", sempre que se defrontava com uma pessoa má. E a senhora Maria José dizia: "Isto é que é um cramil!" (Eu percebi "cramilhe", mas é sabido que os madeirense palatalizam o "l" sempre que ele está junto de um "i"), para se referir a um longo rol de cramações. Cramil vem de cramar, que usamos como sinónimo de queixar-se, lamentar-se...
Os filhos da senhora Maria José imitavam o dizer da minha avó e os meus tios imitavam o dizer da senhora Maria José. A minha mãe ria-se, enquanto recordava esse pequeno pormenor dos belos tempos da infância.
"Isso é que é um cramil!" Fico a reflectir na expressão da minha amiga. É bem verdade. É um cramil, mas a vida é assim mesmo.
domingo, março 11, 2007
Uma garantia!
Nos últimos dias, a minha menina descobriu uma nova brincadeira. Assim que chegamos a casa dos meus pais, ela pega nas canadianas que a avó está a usar, devido a um pé partido, e diverte-se todo o tempo a andar com elas, de pé no ar, como se estivesse magoado também. E fica contente com aquela aventura, delirante.
A minha mãe, com dores, de perna estendida e no gesso, olha para ela e não consegue evitar um sorriso condescendente, enquanto lhe ralha mas de um ralhar a fingir. Depois olha para mim e diz: "Ela pensa que é uma garantia!"
Ao tempo que eu não ouvia esta expressão! Mas conheço-a muito bem. Quando se diz de alguém: "Ela/ele pensa que é uma garantia!" é quando toda a gente julga que a pessoas está a agir de forma incorrecta, mas ela julga estar a agir da melhor forma. E pode ser aplicada numa infinidade de situações. Uma roupa que não fique bem, demasiado curta ou decotada, um comportamento que saia do normal, enfim...."Ela pensa que é uma garantia!" Mas não é garantia nenhuma.
A minha mãe, com dores, de perna estendida e no gesso, olha para ela e não consegue evitar um sorriso condescendente, enquanto lhe ralha mas de um ralhar a fingir. Depois olha para mim e diz: "Ela pensa que é uma garantia!"
Ao tempo que eu não ouvia esta expressão! Mas conheço-a muito bem. Quando se diz de alguém: "Ela/ele pensa que é uma garantia!" é quando toda a gente julga que a pessoas está a agir de forma incorrecta, mas ela julga estar a agir da melhor forma. E pode ser aplicada numa infinidade de situações. Uma roupa que não fique bem, demasiado curta ou decotada, um comportamento que saia do normal, enfim...."Ela pensa que é uma garantia!" Mas não é garantia nenhuma.
terça-feira, março 06, 2007
Uma Zarrálha!
É uma palavra já tão pouco usada, que a maioria das pessoas não a conhece. Para mim sempre foi e continua a ser familiar.
" - Vais caminhar de casa com essa roupa?" A surpresa. Depois o conselho da mãe dado com a alma: " - Veste outra coisa que te fique bem, como por exemplo o casaco encarnado...." E a seguir a conclusão: "Tens tanta roupa no vestuário, não caminhes como uma zarrálha."
Uma zarralha é uma mulher mal arranjada. Uma mulher que até pode ter roupa boa, mas veste-a e não lhe dá um jeito, pode ficar um costura mais para o lado, um ombro descaído, e sei lá que mais: pequenos pormenores que todos juntos ressaltam à vista.
A minha mãe sempre sofreu com a possibilidade de as filhas parecerem "zarrálhas" e passava a vida a dar-nos este conselho para nosso bem. Agora voltou-se para a neta.
"Ah pequena, ajeita esse casaco, assim pareces uma zarrálha." E a pequena sem lhe fazer esse gosto, diz que não se importa e que não quer saber. Na irreverência da adolescência responde-lhe que não se importa de ser "zarrálha" e que gosta de andar assim e que a avó nada tem a ver com a roupa dela.
O temperamento forte não cede ao poder da antiga palavra. Mas ao menos já conhece e talvez nunca esqueça o significado de "zarrálha". O vocabulário alarga-se e eu fico contente por integrar estes pequenos tesouros da nossa cultura popular..
" - Vais caminhar de casa com essa roupa?" A surpresa. Depois o conselho da mãe dado com a alma: " - Veste outra coisa que te fique bem, como por exemplo o casaco encarnado...." E a seguir a conclusão: "Tens tanta roupa no vestuário, não caminhes como uma zarrálha."
Uma zarralha é uma mulher mal arranjada. Uma mulher que até pode ter roupa boa, mas veste-a e não lhe dá um jeito, pode ficar um costura mais para o lado, um ombro descaído, e sei lá que mais: pequenos pormenores que todos juntos ressaltam à vista.
A minha mãe sempre sofreu com a possibilidade de as filhas parecerem "zarrálhas" e passava a vida a dar-nos este conselho para nosso bem. Agora voltou-se para a neta.
"Ah pequena, ajeita esse casaco, assim pareces uma zarrálha." E a pequena sem lhe fazer esse gosto, diz que não se importa e que não quer saber. Na irreverência da adolescência responde-lhe que não se importa de ser "zarrálha" e que gosta de andar assim e que a avó nada tem a ver com a roupa dela.
O temperamento forte não cede ao poder da antiga palavra. Mas ao menos já conhece e talvez nunca esqueça o significado de "zarrálha". O vocabulário alarga-se e eu fico contente por integrar estes pequenos tesouros da nossa cultura popular..