quarta-feira, dezembro 27, 2006
Fazer pouco
Antigamente, no tempo em que não havia televisão, nem cinema, nem computador, nem internet, nem sequer livros, as pessoas também tinham os seus passatempos. Um dos preferidos, durante a juventude dos meus pais e dos meus tios, era "fazer pouco".
As pessoas "faziam pouco" umas das outras, como uma coisa natural e óbvia. Qualquer característica, física ou comportamental, era susceptível de ser utilizada nesse passatempo: o jeito de falar, a forma de andar, a colocação do chapéu, um casaco que ficava repuxado para trás, ou muito comprido das mangas, uns ombros encolhidos, um guarda-chuva que se usava em demasiadas ocasiões, o cigarro no canto da boca de um qualquer rapaz, uma expressão dita amiúde. Tudo. Tudo servia para "fazer pouco".
"Fazer pouco" era um divertimento. E dessa forma, tão espontânea, tão natural como respirar, "fazer pouco" era uma coisa saudável. Era algo que não fazia mal a ninguém, apesar do sentido da expressão: rebaixar, diminuir, humilhar. "Fazer pouco" era simplesmente "imitar" e acredito que as pessoas acabavam por não levar a mal.
Hoje em dia "faz-se pouco" de forma diferente. É raro ver as pessoas a imitarem os pequenos defeitos dos outros mas é certo que passam a vida a "fazer pouco", agora no verdadeiro sentido da palavra, de rebaixar, humilhar, diminuir. Que tristeza!
As pessoas "faziam pouco" umas das outras, como uma coisa natural e óbvia. Qualquer característica, física ou comportamental, era susceptível de ser utilizada nesse passatempo: o jeito de falar, a forma de andar, a colocação do chapéu, um casaco que ficava repuxado para trás, ou muito comprido das mangas, uns ombros encolhidos, um guarda-chuva que se usava em demasiadas ocasiões, o cigarro no canto da boca de um qualquer rapaz, uma expressão dita amiúde. Tudo. Tudo servia para "fazer pouco".
"Fazer pouco" era um divertimento. E dessa forma, tão espontânea, tão natural como respirar, "fazer pouco" era uma coisa saudável. Era algo que não fazia mal a ninguém, apesar do sentido da expressão: rebaixar, diminuir, humilhar. "Fazer pouco" era simplesmente "imitar" e acredito que as pessoas acabavam por não levar a mal.
Hoje em dia "faz-se pouco" de forma diferente. É raro ver as pessoas a imitarem os pequenos defeitos dos outros mas é certo que passam a vida a "fazer pouco", agora no verdadeiro sentido da palavra, de rebaixar, humilhar, diminuir. Que tristeza!
quarta-feira, dezembro 20, 2006
A Festa!
Estamos na Festa! E apesar da correria e das prendas que faltam ainda à ultima da hora e da falta de tempo para fazer os arranjos natalícios em casa, é bom termos chegado à Festa. Os meus rituais vão-se cumprindo: A matança do porco em casa dos meus pais, há uma semana, as broas de mel e de côco que a minha mãe fez ontem à noite, umas cortinas novas na janela, a ida à primeira missa do parto, que este ano foi no Porto Santo, onde me encontrava por motivos de trabalho. Falta-me fazer a lapinha, onde não faltará o triguinho, os pêros e as pêras melãs que tanto me lembram a infância. Os amigos começarão a provar os meus inúmeros licores caseiros, ainda hoje. E depois...não hei-de falhar a missa do galo, o cantar dos reis e o varrer dos armários.
Desejo umas boas Festas a todos os leitores deste blog. Que a vossa Festa seja como deve ser, cheia de rituais, de gestos, de tradições cumpridas, do calor da família.
Desejo umas boas Festas a todos os leitores deste blog. Que a vossa Festa seja como deve ser, cheia de rituais, de gestos, de tradições cumpridas, do calor da família.
quarta-feira, dezembro 13, 2006
Um levante!
Anda tudo num levante! A cidade está uma confusão. As pessoas não páram quietas, entram e saem das lojas, mexem e desarrumam tudo, fazem filas nas caixas, compram coisas inúteis e de incrível mau gosto, entram e saem das lojas outra vez, carregam sacos numa mão e sacos na outra mão e ficam aborrecidas quando demoram ainda mais nas filas dos embrulhos e também quando não há um lugar pertinho para estacionar o carro e naturalmente quando não encontram exactamente aquilo que procuram para uma determinada pessoa.
Mas que levante! Este ambiente faz parte da "Festa", é assim mesmo. No entanto, a partir do momento em que se começam a vender árvores e decorações de Natal em Setembro, perde-se o encanto. E foi isso que aconteceu este ano. Eu não entendo, juro que não entendo. Mas em Setembro vi nos hipermercados pinheiros de Natal já à espera de serem comprados e lojas tradicionais com decorações natalícias nas montras.
Em Dezembro, quando começou o verdadeiro "levante", as correrias, as compras, as indecisões dos presentes, as ideias para as decorações novas, as iluminações, parte da magia tinha desaparecido, não se sabe para onde.
A minha mãe utiliza muito a palavra "levante", sobretudo quando vê pessoas a falarem alto, ao mesmo tempo, numa confusão de ideias e de sons, às vezes envolvidas em pequenos conflitos cujas origens não se percebe bem. Raro é o dia em que não lhe ouço esta palavra, para se referir a situações domésticas: "Vocês andam sempre num levante."
Apeteceu-me usá-la noutro contexto e por isso digo que a cidade está toda num levante. As pessoas, com bem poucos ou nenhuma excepção, andam num levante porque estamos quase na Festa.
(Apesar de eu raramente ouvir outras pessoas a usarem, a palavra "levante" existe no dicionário de português com diferentes sentidos: sem persistência no mesmo sítio, irreflectidamente, prestes a partir...também se refere levantamento e revolta).
Mas que levante! Este ambiente faz parte da "Festa", é assim mesmo. No entanto, a partir do momento em que se começam a vender árvores e decorações de Natal em Setembro, perde-se o encanto. E foi isso que aconteceu este ano. Eu não entendo, juro que não entendo. Mas em Setembro vi nos hipermercados pinheiros de Natal já à espera de serem comprados e lojas tradicionais com decorações natalícias nas montras.
Em Dezembro, quando começou o verdadeiro "levante", as correrias, as compras, as indecisões dos presentes, as ideias para as decorações novas, as iluminações, parte da magia tinha desaparecido, não se sabe para onde.
A minha mãe utiliza muito a palavra "levante", sobretudo quando vê pessoas a falarem alto, ao mesmo tempo, numa confusão de ideias e de sons, às vezes envolvidas em pequenos conflitos cujas origens não se percebe bem. Raro é o dia em que não lhe ouço esta palavra, para se referir a situações domésticas: "Vocês andam sempre num levante."
Apeteceu-me usá-la noutro contexto e por isso digo que a cidade está toda num levante. As pessoas, com bem poucos ou nenhuma excepção, andam num levante porque estamos quase na Festa.
(Apesar de eu raramente ouvir outras pessoas a usarem, a palavra "levante" existe no dicionário de português com diferentes sentidos: sem persistência no mesmo sítio, irreflectidamente, prestes a partir...também se refere levantamento e revolta).
domingo, dezembro 10, 2006
Fazer imenções
"Não faças imenções!" Passo a vida a ouvir esta recomendação, porque tenho o jeito de acompanhar tudo o que digo com gestos. Eu reconheço que tanta linguagem gestual pode ser enervante para quem vai ao meu lado, estando eu a conduzir. Tento controlar mas daí a pouco volto ao mesmo.
Acho que se me amarrassem as mãos eu ficaria muda, não diria nada, porque as duas coisas, palavras e gestos, estão ligados em mim de uma forma especial.
Ora bem, segundo a minha mãe eu terei herdado esta característica do meu avô paterno. "Não faças imenções como o ti Ti Zé da Mata". O meu avô das Fontes contava todo e qualquer episódio com tal precisão e pormenor que repetia os gestos do acontecimento que estava a narrar, fossem eles quais fossem.
Há quem jure a pés juntos tê-lo visto certa vez atirar-se para o chão para demonstrar a queda de alguém da forma mais exacta possível. "Minha salvação quema isto é verdade, isto foi mesmo assim tal e qual!"
O meu avô das Fontes adorava narrar acontecimentos, mas da forma o mais exacta possível. O que ele contava tinha de ser tal e qual o que tinha acontecido. E se fosse preciso atirar-se para o chão em nome da credibilidade da informação, ele não hesitava. Por isso é que fazia imenções, não me perguntem o que faz o "i" no início da palavra porque não sei. Sempre ouvi "imenções" e não menções.
O meu avô não sabia ler. Nunca pegou num jornal e morreu sem ter tido televisão. Apenas teve um rádio de pilhas, trazido de Inglaterra pelo meu tio. Mas contava tudo com pormenor, sempre com muitas "imenções" e é por isso que eu o considero o primeiro jornalista da família.
Acho que se me amarrassem as mãos eu ficaria muda, não diria nada, porque as duas coisas, palavras e gestos, estão ligados em mim de uma forma especial.
Ora bem, segundo a minha mãe eu terei herdado esta característica do meu avô paterno. "Não faças imenções como o ti Ti Zé da Mata". O meu avô das Fontes contava todo e qualquer episódio com tal precisão e pormenor que repetia os gestos do acontecimento que estava a narrar, fossem eles quais fossem.
Há quem jure a pés juntos tê-lo visto certa vez atirar-se para o chão para demonstrar a queda de alguém da forma mais exacta possível. "Minha salvação quema isto é verdade, isto foi mesmo assim tal e qual!"
O meu avô das Fontes adorava narrar acontecimentos, mas da forma o mais exacta possível. O que ele contava tinha de ser tal e qual o que tinha acontecido. E se fosse preciso atirar-se para o chão em nome da credibilidade da informação, ele não hesitava. Por isso é que fazia imenções, não me perguntem o que faz o "i" no início da palavra porque não sei. Sempre ouvi "imenções" e não menções.
O meu avô não sabia ler. Nunca pegou num jornal e morreu sem ter tido televisão. Apenas teve um rádio de pilhas, trazido de Inglaterra pelo meu tio. Mas contava tudo com pormenor, sempre com muitas "imenções" e é por isso que eu o considero o primeiro jornalista da família.
quinta-feira, dezembro 07, 2006
Um Ilhice
"Isto é que é um ilhice!" Eis mais uma expressão recordada à volta da mesa da cozinha, num serão de há bem poucos dias. É natural que já a tivesse ouvido, mas tive de confessar que não me lembrava, simplesmente não sabia o que era um "ilhice".
Um ilhice é uma situação negativa, uma preocupação, explicaram-me com condescendência. Mas também podemos usar o termo para nos referirmos a pessoas. Por exemplo, de uma criança "desinquieta", que está sempre a fazer asneiras, pode-se dizer que é um "ilhice".
Ora bem, o que não me falta são "ilhices", no primeiro sentido. Uns maiores, outros menores, mas "ilhices" na mesma, que doem e moem, e vão moendo e doendo sem que uma pessoa saiba o que fazer para fugir deles. Estou farta de "ilhices", cansada de "ilhices", muito cansada.
A vida é um "ilhice" gigante, que se vai compondo de muitos e pequenos "ilhices". E ainda assim, vale a pena. Ora se vale!
Um ilhice é uma situação negativa, uma preocupação, explicaram-me com condescendência. Mas também podemos usar o termo para nos referirmos a pessoas. Por exemplo, de uma criança "desinquieta", que está sempre a fazer asneiras, pode-se dizer que é um "ilhice".
Ora bem, o que não me falta são "ilhices", no primeiro sentido. Uns maiores, outros menores, mas "ilhices" na mesma, que doem e moem, e vão moendo e doendo sem que uma pessoa saiba o que fazer para fugir deles. Estou farta de "ilhices", cansada de "ilhices", muito cansada.
A vida é um "ilhice" gigante, que se vai compondo de muitos e pequenos "ilhices". E ainda assim, vale a pena. Ora se vale!
O gato da Guida
Lembro-me muitas vezes desta cantiga que passava na rádio quando eu era criança. Às vezes dou por mim a cantarolá-la baixinho e um dia destes entristeci-me porque, de repente não me recordo de dois ou três versos.
Foi graças a esta cantiga que não me chamei Guida. Estava tudo pensado para me porem esse nome e, de repente, o meu pai lembrou-se da música e disse que não. Já imaginaram como seria depois? Na escola com certeza que me iriam aborrecer cantando a dita cantiga.
Era assim:
"O gato da Guida é um lambareiro
Não come comida
E não é rateiro
Ela dá-lhe um beijo
Coça-lhe a barriga
Só gosta de queijo
O gato da Guida.
É um gato muito esquisito
que até a Guida o Censura
Como sabe que é bonito
Ninguém na rua o atura.
As gatas da vizinhança
por ele até dão a vida
.....( e aqui ficam os versos de que não me lembro)
Foi então que a minha avó, minha madrinha de baptismo, se lembrou de me chamar Lília, um nome único no nosso sítio. Obrigada.
Foi graças a esta cantiga que não me chamei Guida. Estava tudo pensado para me porem esse nome e, de repente, o meu pai lembrou-se da música e disse que não. Já imaginaram como seria depois? Na escola com certeza que me iriam aborrecer cantando a dita cantiga.
Era assim:
"O gato da Guida é um lambareiro
Não come comida
E não é rateiro
Ela dá-lhe um beijo
Coça-lhe a barriga
Só gosta de queijo
O gato da Guida.
É um gato muito esquisito
que até a Guida o Censura
Como sabe que é bonito
Ninguém na rua o atura.
As gatas da vizinhança
por ele até dão a vida
.....( e aqui ficam os versos de que não me lembro)
Foi então que a minha avó, minha madrinha de baptismo, se lembrou de me chamar Lília, um nome único no nosso sítio. Obrigada.
sábado, dezembro 02, 2006
Casa de esquina, morte ou ruina
A casa era de esquina e deixou logo alguém preocupado: "Casa de esquina, morte ou ruina". Eu não conhecia esta superstição. Explicaram-me tratar-se de um ditado muito antigo. Terá algo de Feng Shui, dei por mim a pensar. Acho que segundo o Feng Shui as casas ou negócios localizados na esquina de uma qualquer rua dão azar.
Vou tentar lembrar-me. Esta informação será preciosa quando me sair o euromilhões ou o totoloto e eu procurar a casa dos meus sonhos. Pena é se demorar muito tempo. Porque também há aquele ditado: "Casa nova, velho p'ra cova."
Vou tentar lembrar-me. Esta informação será preciosa quando me sair o euromilhões ou o totoloto e eu procurar a casa dos meus sonhos. Pena é se demorar muito tempo. Porque também há aquele ditado: "Casa nova, velho p'ra cova."