quarta-feira, outubro 18, 2006
O palheirinho
O palheirinho está a cair, mais não é do que um amontodoado de tábuas e de zinco, embora ainda de pé. Na minha memória, porém, está intacto. O meu palheirinho continua igual ao palheirinho das histórias da juventude da minha mãe e das minhas tias.
O palheirinho foi contruído de propósito para lhes servir de local de trabalho. Porque as quatro se acotovelavam pela casa pequena, disputando os lugares à janela, com mais luz, para poderem bordar ou fazer tela.
O palheirinho era uma pequena construção de madeira, com uma porta virada para nascente e duas janelas grandes voltadas para sul. Tinha a forma quadrada e o telhado de palha e foi construído a poente da casa dos meus avós, um pouco abaixo do terreiro, junto ao pequeno caminho de calçada irregular que ia dar ao curral, à coelheira e à retrete.
Para o palheirinho foi levada uma caixa grande de madeira, sobre a qual eram colocadas as almofadas da tela. Havia ainda uma jardineira e algumas cadeiras.
Todos os dias, as quatro irmãs se reuniam no palheirinho para trabalhar e distraíam-se cantando, contando anedotas, recordando histórias verdadeiras, e gozando umas das outras. Era uma galhofa permanente, à qual ajudavam as inúmeras visitas que "vinham com o bordado" ou com a tela. Muitas raparigas do sítio guardam memórias dos dias passados no palheirinho dos meus avolitos, um local de convívio equiparado às tendas, às vendas ou às eiras.
O palheirinho pertence ao cenário de grande partes das histórias que ouço a minha mãe contar desde a infância: "Uma vez, estávamos no palheirinho a bordar, quando......."
Foi um espaço mágico que só conheci com outras funções, quando nenhuma das raparigas lá trabalhava, porque cada um tinha seguido a sua vida, e foram construídos prateleiros de madeira na parede norte, para guardar semilhas, batatas e pêros.
Quando os meus tios e primas regressaram à força de Moçambique, tinha eu sete anos, foi ali que se guardaram objectos os estranhos que trouxeram na bagagem. Os que me ficaram na memória com mais nitidez foram dois frigoríficos que trabalhavam a petróleo e muito espanto causaram no nosso sítio. Ao menos um deles, ou o que dele resta, acho que ainda está guardado no palheirinho.
Não sei precisar em que ano a palha da cobertura foi substituída por folhas de zinco, que pena! Teve de ser porque o cultivo do trigo tornou-se escasso, até desaparecer, bem como os mestres especialistas na arte das coberturas de colmo. A fotografia do palheirinho original tenho na memória, não sei se por de facto o ter visto assim, se por mo terem descrito.
A fotografia que posso mostrar é de como ele está hoje, um quadrado de madeira e zinco, todo retorcido, como se o lobo da história dos três porquinhos tivesse soprado com muita força junto dele.
Comments:
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Olá! Quando vi o título deste post, veio-me à memória outro palheirinho, uma raça de ave pequena, em tudo semelhante à galinha, mas que eu até hoje não conheço por outro nome, é o palheirinhho(a).
e de certo soprou e soprou e o pobre e querido palheirinho quase derrubou!
gosto de entrar no seu blog; desde a galiza, un abraço.
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