sábado, agosto 12, 2006

Desfolhar cedro e alcácia


Aproxima-se o dia da Festa do Senhor e eu tenho saudades de desfolhar cedro e alcácia para o tapete. Juntávamo-nos debaixo do castanheiro da Ti Carolina, sentadas no chão, para aquela tarefa sagrada, única no ano.
Os homens subiam ao cedro grande da Ti Carolina e cortavam os galhos. As mulheres e raparigas iam desfolhando, enquanto conversavam. As nossas mãos ficavam impregnadas daquele cheiro bom, ainda hoje adoro o cheiro do cedro.
Separávamos pequenos raminhos, que íamos deitando para dentro de sacos. Entretanto, alguém encarregava-se de ir colher flores, umas apanhadas dos jardins, com o ajuda das donas, outras da beira dos caminhos, como lourenços e coroas-de-henrique. Também era preciso desfolhá-las.
Rendia tanto aquele trabalho! Quando olhávamos já estava tudo desfolhado e apetecia ficar ali mais um bocadinho, à sombra do castanheiro, ouvindo o barulho da água correndo na levada, e sentindo aquele cheiro no ar.
O habital era desfolharmos cedro, mas houve um ano em que também desfolhámos alcácia, era assim mesmo que dizíamos, com um "l" na sílaba inicial. Lembro-me da novidade que foi chegarem com ramos de alcácia e explicarem como se desfolhava, separando folha a folha. O tapete com base de cedro fica mais bonito, mas a lembrança que eu tenho é que nesse ano se usaram as duas coisas: a acácia para uma primeira camada e o cedro, que rareava, colocado por cima desta, imediatamente antes das flores.
Lembro-me de andarmos a ajudar as mulheres mais velhas a fazer o tapete, na parte que cabia ao nosso sítio. Sentíamos uma grande responsabilidade, vaidade até. Íamos levando sacos de um lado para o outro, colocando flores nas formas, espalhando mais alcácia ou cedron onde ainda estava ralo.
Havia uma atmosfera única, envolvida numa mistura de cores, de cheiros e de sons: o burburinho das ordens que iam sendo dadas pelos cabeças, o sermão que ia saindo do altifalante, e ainda os ruídos das barracas e as conversas das pessoas que entretanto iam chegando porque vinham só à procissão. Vinham mais cedo e iam passeando lentamente, ao longo de todo o percurso, para irem apreciando o tapete antes do movimento.
Sempre que posso vou ver o tapete da Festa do Senhor. Mas é diferente. Já ninguém se reúne debaixo do castanheiro da Ti Carolina para desfolhar cedro e alcácia, nem no bardo a seguir à casa da senhora Conceição, para onde nos mudámos um ano, não sei precisar porquê, talvez por ficar um pouco mais a caminho, implicando portanto menos tempo a carregar os sacos até à Igreja.
O trabalho afastou-me dessas tarefas, que continuam a realizar-se por entre a mesma atmosfera de cores, de cheiros e de sons, agora a sairem da igreja nova e não da velha casa onde nesse tempo se celebrava a missa. Agora sou uma das pessoas que gosta de chegar mais cedo e dar a volta completa, para apreciar todos os tapetes antes de movimento.

Comments:
Olá Lilia
Sou Portuguesa a atualmente moro no Brasil, sempre que posso visito seu blogger e coloquei entre os meus favoritos, porque através dos seus textos relembro "expressões" que já nem lembrava mais e assim mato a saudade da minha terra natal que em breve espero visitar.
Beijos
 
Eu tb ajudei a fazer os tapetes de flores e ia no Santo da Serra buscar mesgo e "novelos".
Que saudade!!!!!!!!!
Eu que fiz o comentário acima.
Email goretisp@gamil.com
 
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