sábado, julho 15, 2006

A cadeira dos anos

A única coisa que quero para os meus anos é uma cadeira enfeitada. A mesma de sempre: a cadeira de vimes da avolita que iam pedir às escondidas sempre que alguma de nós fazia anos. Não quero mais nada. Se não fosse a existência e a memória dessa antiga cadeira de vimes, não seria necessário sequer que a data dos meus anos fosse lembrada.

Acordo num dia de sol em que faço anos e repito os gestos de todos os dias, fingindo que não sinto burburinho nenhum. Farei o que me mandarem, para longe do quarto onde ficará a minha cadeira de anos, sem ao menos achar estranha a tarefa que me for atribuída. Farei tudo com gestos lentos, para dar tempo a que enfeitem a cadeira sem pressa.

Imagino as flores com que a vão decorar. Junto à vereda da entrada, apanharão alguns punhados de corações cor-de-rosa. Com o cuidado de os colher em pequenos cachos. Assim é mais fácil metê-los por entre os buracos da cadeira de vimes. O trabalhado de vimes é uma espécie de bordado; um rendilhado forma toda a costa da cadeira, e ainda uma beira, rodeando todo o assento.

No jardim das passadas estou a ver colherem mimos, das duas qualidades; dos roxos e dos brancos, daqueles dobrados que são os mais bonitos de todos.

No jardim da frente do terreiro, tenho a certeza de que tu, mãe, hás-de cortar alguma rosa cor-de-fogo. E de tudo o mais que houver nos jardins, nos poios e nos bardos, na beira dos caminhos e das levadas, há-de haver um pouco, se for suficientemente bonito e digno de uma cadeira de anos.

Sei que ninguém se lembrará de colocar-lhe malvas porque não é bom. "Malvas são lágrimas!", sempre ouvimos dizer. Nem outras flores, que por algum motivo não combinem com a ocasião: as que deitam mau cheiro, as que murcham depressa, as que põem nódoas, as que trazem a promessa de transformar-se em frutos. Os amores-de-burro, só por causa do nome, também não sairão do seu lugar.

Toda a costa da cadeira tem flores a espreitar, e a roda de baixo também. Sobre o assento, aos lados, há montinhos de flores porque a parte do meio precisa de ficar livre. É o local reservado aos presentes. Não te preocupes com isso agora, mãe. Já me deste todos os presentes possíveis. Eu sou a que te deve muitas prendas.

Espalha os corações, as dálias e os mimos por todo o assento da cadeira de anos. Fiquemos quietas, a contemplar a tua obra-prima. E façamos de conta que os anos não passaram.


Comments:
Olá,linda..
Infelizmente não tenho uma cadeira enfeitada para te oferecer,mas espero que a amizade e o amor que eu sinto por ti te possam alegrar um pouco mais este dia.
Uma das coisas que eu sempre admirei em ti foi a tua simplicidade e este post retrata isso mesmo...posso dizer que sou feliz por um dia ter encontrado este blog e ter ficado tua amiga.
És alguém muito especial para mim e espero que tudo na tua vida esteja à altura da pessoa que tu já me provaste que és.Ao longo deste último ano foste muitas vezes o meu suporte,nas horas dificeis nunca me faltaste,e mesmo com todas as nossas diferentes houve sempre algo que nos fez superar tudo isso...

Parabéns,"mãe".
 
Olá!
Cá na minha casa também se enfeitavam as cadeiras pelos anos, geralmente era o único presente que recebíamos, a cadeira enfeitada e um bolo geralmente amarelo!
 
Parabens Lilia
 
Ai que saudades que eu tenho da cadeira dos anos... a mais de 10 anos que ninguem me faz nada disso...
trocava qualquer coisa pela simples cadeira de vimes enfeitada de flores...
o teu blog é muito bom... obrigado por me trazeres tantas memorias de volta...
adorei... continua por favor...
já agora conheces a palavra caçoar... com a utilização "Tou a caçoar contigo :)"
 
Olá!
Meu Deus, fizeste-me recuar uns 15 anos na minha vida neste momento! Já não me lembrava do "raio" da cadeira que enfeitavam para o aniversário!!! Bem adorei o teu cantinho e digo, foi mesmo um voltar atrás, não me lembrava mesmo desse pormenor!!!

http://criticalhando.blogs.sapo.pt
http://diariodatuaausencia.blogs.sapo.pt/
 
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