quinta-feira, maio 11, 2006
Muito açucre e muito café
Não cheguei a conhecer pessoalmente a ti Elisa, uma tia da minha avolita, irmã do meu bisavô, o Ti José Flôr da Ponte. Mas já ouvi falar dela mais vezes, talvez, do que se realmente a tivesse conhecido.
A ti Elisa ia visitar muitas vezes a minha avolita. Enquanto lá estava, serviam-lhe do que havia em casa, davam-lhe almoço, davam-lhe café de cevada, e davam-lhe muitas vezes um bocado de carne de porco para levar, porque a família passava muitas necessidades.
A ti Elisa nunca agradecia devidamente. Pelo contrário, dizia sempre mal do que lhe ofereciam para comer e beber ou do que lhe davam para levar. Achava sempre pouco e reclamava ali mesmo, na hora. Nunca ficava satisfeita.
Serviam-lhe o café de cevada e ela, provando, pousava a chávena e batia na mesa, dizendo:"Tem pouco açucre e pouco café. Isto é água de baratas." Davam-lhe um bocado de carne de porco e ela respondia, ironizando: "Mei même, uma fortuna!"
Ao domingo, a minha avolita cozia sempre para o almoço grão-de-bico com bacalhau. Havia pão de casa cozido na véspera e café de cevada a seguir. Certa domingo, passou a ti Elisa lá em casa e almoçou com toda a família, antes de prosseguir caminho. Mais tarde, chegada a casa do irmão, perguntaram-lhe se tinha almoçado em casa da minha avolita. Ela respondeu: "Comi um pouco de saragaço com água de baratas."
As minhas tias e os meus tios ficavam muito irritados com aquilo. Mas a minha avolita tinha uma alma enorme, sentia pena de toda a gente e a ninguém deixava de ajudar, ainda que fosse ela a que menos tinha.
Uma vez que a ti Elisa nunca ficava satisfeita, os meus tios decidiram pregar-lhe uma partida: exageraram tanto na quantidade de café como na quantidade de açucar. Serviram-lhe o café, ela velou a chávena à boca, pousou-a na mesa e, repetindo os gestos de sempre, exclamou: "Tem muito açucre e muito café!"
Eu não cheguei a conhecer a ti Elisa, mas de tanto ouvir contar estes episódios, imagino até a expressão do rosto e os gestos de desagrado que fazia em todas as situações. Cresci ouvindo a expressão "tem muito açucre e muito café" sempre que se estava perante uma pessoa mal agradecida e sigo também o código familiar. Em alterantiva ao "muito açucre e uito café", usamos por vezes: "Mei même, uma cabeça de porco. Ca fortuna!" A história da cabeça de porco é exagero dos meus tios, para reforçar a ideia de mal agradecida. Pois ainda que lhe dessem a cabeça do porco, inteira, com toda a certeza que a ti Elisa não ficaria satisfeita. Achava que as pessoas tinham a obrigação de lhe dar sempre mais. Às vezes simplificamos e dizemos apenas "água de baratas."
São três expressões com o mesmo significado e todas usamos, com propriedade, de vez em quando. Não faltam neste mundo pessoas mal agradecidas.
A ti Elisa ia visitar muitas vezes a minha avolita. Enquanto lá estava, serviam-lhe do que havia em casa, davam-lhe almoço, davam-lhe café de cevada, e davam-lhe muitas vezes um bocado de carne de porco para levar, porque a família passava muitas necessidades.
A ti Elisa nunca agradecia devidamente. Pelo contrário, dizia sempre mal do que lhe ofereciam para comer e beber ou do que lhe davam para levar. Achava sempre pouco e reclamava ali mesmo, na hora. Nunca ficava satisfeita.
Serviam-lhe o café de cevada e ela, provando, pousava a chávena e batia na mesa, dizendo:"Tem pouco açucre e pouco café. Isto é água de baratas." Davam-lhe um bocado de carne de porco e ela respondia, ironizando: "Mei même, uma fortuna!"
Ao domingo, a minha avolita cozia sempre para o almoço grão-de-bico com bacalhau. Havia pão de casa cozido na véspera e café de cevada a seguir. Certa domingo, passou a ti Elisa lá em casa e almoçou com toda a família, antes de prosseguir caminho. Mais tarde, chegada a casa do irmão, perguntaram-lhe se tinha almoçado em casa da minha avolita. Ela respondeu: "Comi um pouco de saragaço com água de baratas."
As minhas tias e os meus tios ficavam muito irritados com aquilo. Mas a minha avolita tinha uma alma enorme, sentia pena de toda a gente e a ninguém deixava de ajudar, ainda que fosse ela a que menos tinha.
Uma vez que a ti Elisa nunca ficava satisfeita, os meus tios decidiram pregar-lhe uma partida: exageraram tanto na quantidade de café como na quantidade de açucar. Serviram-lhe o café, ela velou a chávena à boca, pousou-a na mesa e, repetindo os gestos de sempre, exclamou: "Tem muito açucre e muito café!"
Eu não cheguei a conhecer a ti Elisa, mas de tanto ouvir contar estes episódios, imagino até a expressão do rosto e os gestos de desagrado que fazia em todas as situações. Cresci ouvindo a expressão "tem muito açucre e muito café" sempre que se estava perante uma pessoa mal agradecida e sigo também o código familiar. Em alterantiva ao "muito açucre e uito café", usamos por vezes: "Mei même, uma cabeça de porco. Ca fortuna!" A história da cabeça de porco é exagero dos meus tios, para reforçar a ideia de mal agradecida. Pois ainda que lhe dessem a cabeça do porco, inteira, com toda a certeza que a ti Elisa não ficaria satisfeita. Achava que as pessoas tinham a obrigação de lhe dar sempre mais. Às vezes simplificamos e dizemos apenas "água de baratas."
São três expressões com o mesmo significado e todas usamos, com propriedade, de vez em quando. Não faltam neste mundo pessoas mal agradecidas.
Comments:
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"água de baratas", fica registado.
Este blog é uma obra histórica da nossa terra. Espero que saia em livro um dia.
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