quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Os dois mil e quinhentos da Maria da Tia Agostinha

Há muito, muito tempo, quando era ainda solteira, a minha mãe foi ao Hospital ver duas das minhas tias que tinham sido operadas, uma a um quisto, outra ao apêndice.
Porque não queria ir sozinha, convidou a Maria da Tia Agostinha para a acompanhar. A prima, alguns anos mais nova, ia radiante nessa ida à cidade. Afinal, ir à cidade era um acontecimento!
Por ser um dia importante e para o caso de necessitar, a Maria levou uma moeda de dois mil e quinhentos (25 centavos), dentro de um porta-moedas, imagino eu, pois esse pormenor da história escapou-me quando ma contaram.
Levava a moeda com muita estimação e alegria, mas deixou-a cair, não sei como, quando passavam no local conhecido por Cabôco das Eiras. Imagino a aflição que sentiu e as tentativas para encontrar a moeda por entre as ervas, as pedras e a terra da vereda, onde anos mais atrde, também passei muitas vezes.
Vejo-as debruçadas ou de cócoras, com os olhos muito fixos no chão, escurecido pelo tecto de pinheiros, cujos ramos mal deixavam passar a luz do sol. Mas vejo-as também preocupadas com a hora do horário que tinham de apanhar bastante mais abaixo, nas Figueirinhas. Tiveram de optar pelo horário e a viagem prosseguiu, apesar da inquietação visível no rosto e nos gestos da Maria da Tia Agostinha.
Conta a minha mãe que durante todo o percurso na cidade, a Maria aludiu vezes sem fim aos dois mil e quinhentos perdidos. Fazia-o sempre que via alguma coisa que lhe apetecia comprar. Como se estava no tempo das cerejas, sempre que passavam junto a um vendedor, com os frutos pequenos e vermelhos a atiçarem o apetite, dentro dos tradicionais cestos de vindima, a Maria exclamava, lamentando-se: "Se eu tivesse os meus dois mil e quinhentos...!" Teria dado para tanto, aquela simples moeda perdida.
Esta história aconteceu quase há cinquenta anos e ainda um dia destes foi recordada pela minha mãe, a propósito de uma qualquer situação do dia-a-dia. São sempre recordados os dois mil e quinhentos da Maria da Tia Agostinha quando alguém pensa fazer muito com pouco ou quando imagina as incontáveis coisas que poderia fazer se tivesse o que efectivamente já não tem. A mim, a história deixou-me com saudades de passar na vereda do Cabôco das Eiras. E deixou-me saudosa das antigas moedas de dois mil e quinhentos, de metal branco e com o desenho de uma caravela.

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