terça-feira, setembro 06, 2005

Telefonias


A primeira telefonia do Sítio surgiu na "Leiteira", como era conhecida a mercearia do José da venda, um pouco acima das casa das Cuecas e da Justina da Cosca , no início da ladeira íngreme que vai dar ao Pinheirinho. Deve ter sido no ano de 1950 porque a minha mãe lembra-se de andar na escola da Quintalinha e ir até lá para ouvir na telefonia as cerimónias do 13 de Maio.
Quem teve o segundo desses aparelhos mágicos foi "Antôine do Ti Menino", que morava numa casa de sobrado bem mais para cima sempre subindo a ladeira, no Cabeço das Eiras, ou Cabeço do Ti Manel Correia. Tal como na "leiteira", também ele colocou no exterior da casa um altifalante, de maneira que a música era um tesouro compartilhado com os moradores das redondezas.
A seguir foi a vez da "Canairinha", uma das vendas do Chão das Eiras, onde entrei vezes sem conta durante a infância e a adolescência. Em baixo tinha a mercearia, em cima o bar. Aos domingos a venda estava fechada, mas lembro-me de o senhor José Luís nos deixar passar para comprar alguma coisa, passando pelo balcão do bar e descendo as escadas até ao lugar onde nos vinha servir, dividindo-se no atendimento aos clientes dos dois espaços.
Chegou a vez do senhor José Duarte, mais conhecido como o Caquilha e vizinho dos meus avolitos, tornar-se dono de uma telefonia, por volta de 1954, 55. A minha mãe recorda-a como um aparelho enorme, que tal como os outros funcionava a bateria. João, um dos filhos do senhor José Duarte lembra-se de ver os irmãos de bateria às costas percorrendo a vereda até às Eiras, para depois ser levada ao Funchal a carregar. A minha mãe recorda-se muito bem de um dia em que o senhor José Duarte não conseguia encontrar a onda para sintonizar a telefonia e a manou, juntamente com Teresinha a casa de "Antôine do Ti Zé Menino", perguntar qual era o número.
Ainda antes de chegar a telefonia a casa dos meus avolitos, o Flôr teve a sua e por isso a minha mãe e as minhas tias sentavam-se a bordar na roda de um poio de pinheiros que havia no Cabôco, lugar ideal para ouvir a música em frente, do outro lado do ribeiro.
Nesse tempo só dava música da uma às três da tarde, reabrindo às sete da tarde nos dias de trabalho. Aos domingos a emissão começava à uma da tarde e não era interrompida. As raparigas adoravam os romances, adoravam a música pedida.
O sonho da telefonia só se tornou real em casa dos meus avolitos por volta do ano de 1960, quando dos oito filhos, já apenas estavam em casa a minha mãe e a minha Tia Salomé. A telefonia que conheci toda a vida custou três contos. O meu avolito pagou metade e a minha mãe e a minha tia puseram o resto do dinheiro, ganho no bordado e na tela.
"Lília, põe-me a telefonia no terço". Muitas vezes me cheguei ao pé da telefonia para garantir que estava sintonizada "no terço", que os meus avolitos seguiam religiosamente todos os fins-de-tarde. A velha telefonia alegrou a juventude da minha mãe e da minha tia e fez companhia aos meus avolitos durante nos calmos e longos anos da velhice. Quando a minha avó faleceu, aos noventa e seis anos, a telefonia passou a fazer companhia à minha mãe, que sempre teve o cuidado de a ter na Antena Um para poder ouvir-me à hora dos noticiários.
Mal sabia ela, quando juntou dinheiro do bordado para ajudar a comprar a telefonia, ainda incrédula da magia que fazia chegar vozes e música com o simples ligar de um botão, que um dia ainda ia ouvir sair desse aparelho, clara e segura, a voz da filha mais velha.

Comments:
Telefonia...engraçado como os tempos mudaram,hoje em dia tenho umas 3 em casa,e nunca ligo nenhuma,temos a televisão...
Imagino a alegria da tua mãe quando te ouvia hehe :)
****************
 
Lembro-me da telefonia sim! O que tenho mais na memória eram os domingos à tarde, os relatos dos jogos de futebol, e a gritaria de gooooooloo toda a tarde!
 
tenho ainda uma igualzinha que me ficou de recordaçãodeixada pela minha avó materna.
que saudades ...
é indiscritivel a sensação de estar a passar pelo blog e reviver quase tudo o que aqui transcreves de uma forma inigualável.
sinto-me nostálgico...
a minha avó até lhe dava outro nome «tilhefonia, ou cantadeira»
onde passavam-se tardes á volta do bordado com música e a ouvir intermináveis contos dos homens do mar...
este blog tá «formose e airose»...
 
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