quarta-feira, setembro 21, 2005

Camas de lã

Na época das tosquias os noivos iam à serra, a pé, comprar lã de ovelha para a cama. A lã vinha suja, ainda com carrapatos e caganitas, e precisava de ser bem lavada. Dava um trabalhão mas tinha de ser: a lã de ovelha era passada por várias águas na ribeira, até ficar bem limpa. Depois era posta a secar em cima da telha da casa.
Nas vésperas do casamento, os noivos convidavam familiares e amigos para irem "abrir a lã". Cada pedaço de lã tinha de ser esticado, para depois formar um colchão fofinho.
A minha avó teve uma dessas camas de lã, onde os oito filhos curavam todos os males e doenças. Era a única cama de lã, logo a mais confortável da casa, e parece que tinha magia. A minha mãe e os meus tios contam como adoravam os serões em que todos se encostavama na "cama da mãe", à volta dela que descansava, enquanto o pai não chegava do trabalho.
Quando a minha mãe casou também teve uma cama de lã, que precisou de ser trazida da serra, directamento do local das tosquias, muito bem lavada e aberta com a ajuda dos vizinhos e dos amigos.
Todos os anos as camas de lã eram despejadas, para lavar a parte de fora, de tecido. Lembro-me da lã estar num monte, em cima de um lençol velho no terreiro e de nós estarmos todas à volta dela, a abrir cada bocadinho de lã da cama dos meus pais.
Por debaixo da cama de lã, acarão das tábuas, ficava a enxerga de palha. A cama da minha mãe, tal como a da minha avó, tinha uma enxerga de palha por baixo da cama de lã. A enxerga também era despejada no Verão, para lavar o tecido de fora e, se possível, a palha era renovada, juntando-se-lhe alguma nova. O meu avolito semeava trigo na chamusca atrás da casa e por isso havia palha disponível para renovar as camas. Também o meu avô das Fontes semeava trigo e lembro-me de a minha mãe lho pedir para renovar as enxergas de palha.
A cama de pessoa e meia onde dormi com a minha irmã do meio antes de ter o meu precioso catres de ferro com cama de penas, era de palha. Um dia a minha imãe saiu e deixou-nos em casa. Escondeu ou colocou em cima do vestuário todas as coisas em que poderíamos mexer e, consequentemente estragar ou magoar-nos. A minha imaginação começou logo a trabalhar e mandei a minha irmã despejar a palha da cama. Quando a minha mãe chegou a casa nem queria acreditar! Esta memória só confirma que quanto menos coisas temos à nossa disposição mais a nossa imaginação se desenvolve. Era bom o cheiro daquela cama, acabada de lavar e com palha nova.

Comments:
Bem me parecia,que tens uma veia de terrorista hehe
 
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