domingo, agosto 14, 2005

Quem tem um mato na cabeça

"Quem tem um mato na cabeça
Amanhã não vai à missa!"

Ontem reparei que a minha menina tinha um mato na cabeça, uma pequena linha, e enquanto a sacudia, de imediato recordei este refrão. "Quem tem um mato na cabeça amanhã não vai à missa." Ela abriu muito os olhos e exclamou: "A sério? Mas que bom." Ficou contente com uma ameaça que no meu tempo teria originado muita tristeza.
A ida à missa era um ritual aguardado todas as semanas com o maior entusiasmo, um momento desejado como poucos outros. Ir à missa era um acto solene e qualquer domingo normal tinha todo o ar de ser um dia de festa, não importando que tivessemos de percorrer a pé três quartos de hora para chegar à igreja. A hipótese de faltar à missa não se punha por nada, ainda que estivesse um temporal.
Era apenas ao domingo, para irmos à missa, que podíamos vestir a nossa roupa melhor. Por isso mesmo às melhores roupas chamávamos "roupas da missa", por oposição às "roupas de andar em casa". Era uma azáfama a que se vivia todos os domingos de manhã, especialmente durante a adolescência, altura em que começámos a preocupar-nos de forma excessiva com a aparência.
É compreensível, portanto, que nós detestássemos ter algum mato na cabeça. "Quem tem um mato na cabeça, amanhã não vai à missa." A ameaça deixava-nos tristes e a primeira coisa que fazíamos era tentar livrar-nos do tal mato.
Lembro-me ainda de outra ameaça relacionada com a missa que simplesmente nos aterrorizava. Dizia-se às crianças que quem dizia palavrões não ouvia missa no domingo seguinte. Que pavor! Eu imaginava-me na igreja a olhar para as pessoas à minha volta e sem conseguir ouvir uma palavra, subitamente surda. Era uma crença que fazia qualquer criança pensar muito bem antes de dizer algum palavrão.
Como era bom ir à missa, vestir vestidos bonitos e os melhores sapatos, encontrar pessoas, especialmente as raparigas e os rapazes da nossa idade, passar na venda e invariavelmente entrar e com sorte ter direito a algum rebuçado, e depois percorrer a longa vereda, procurando as sombras no Verão e andando mais depressa no Inverno para escapar à Chuva. Que nada ameaçasse esse ritual que tornava todos os domingos em dias especiais.
Como são diferentes os tempos. Eu continuo a ir à missa, mas as roupas já não são especiais, já praticamente não há diferença entre as outras roupas e as roupas da missa, embora em relação à minha menina eu tenha sempre a tendência de guardar para o domingo as suas melhores roupas, pelo menos na minha opinião que na maioria das vezes não coincide com a dela. Mas é quase sempre a custo que consigo arrastá-la para a igreja. Se ela ficou contente com a rima do mato na cabeça, espero ter cuidado para nunca me lembrar de lhe contar o que se dizia no meu tempo a propósito dos palavrões. Mais vale prevenir do que remediar.

Comments:
Lembro-me de usar este proverbio tb na minha infancia..Como gosto do teu blog..recuo decadas e volto a ser a menina pequenina e aconchegada no mais recondito e aprazível lugar da nossa vida..a nossa infancia..tempo em q a vida decorria a outro ritmo,as brincadeiras das crianças eram mais animadas e os "ditos"eram inocentes e originais..obrigada por teres tempo e talento para estas reminiscencias..continua...
 
ahhhh como esta frase tao simples me tras tantas memorias tao boas...
é tao mais dificil quando se esta longe de casa, deixa-se de ouvir estas expressoes tao caracteristicas e quando as lemos até nos dá vontade de chorar...
continua com o teu blog porque adoro-o :)
 
é bom podermos recordar «ditos» tão simples mas que espelhavam e traduziam bem o que ia na alma. sem complicações,apenas dizia-se e pronto...toda gente sabia o que queria dizer,e dai tiravam as suas conclusões. esta do mato na cabeça já muitas vezes a disse ´«á minha mai velha»...sim porque a «maimoça »ainda não atrema o que a gente diz
 
Very nice site! »
 
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