quinta-feira, agosto 04, 2005

Ficar com os pés amarelos

Ficar com os pés amarelos era a pior desgraça que podia acontecer a uma rapariga. Ficavam com os pés amarelos as raparigas que não se casavam e esse destino tornava-se claro muito cedo, aos vinte e tal anos. Rapariga que chegasse aos vinte e tais sem noivo, muito dificilmente conseguiria escapar ao destino dos pés amarelos, que era outra forma de dizer "ficar para tia". Na minha terra dizia-se "ficar com os pés amarelos", expressão que me intrigou desde muito nova. Pedia explicações à minha mãe e por mais que ela me tentasse explicar, aquilo continuava a me fazer confusão. Então é isso, as galinhas mais velhas têm os pés mais amarelos, pois é! E lá ia eu para o pé do galinheiro, analisar as patas das frangas mais novas e das galinhas mais velhas, para detectar as variações dos amarelos.
Em casa da minha avó ninguém ficou com os pés amarelos. Todas as minhas tias, e também a minha mãe, começaram a andar para casar na idade normal para a época, por volta dos dezoito anos, e também andaram para casar o tempo normal para a época, durante dez anos no caso da minha mãe. Mas aconteceu a duas amigas e vizinhas da minha mãe ficarem com os pés amarelos. Uma porque nunca apareceu interessado e outra, pelo contrário, porque apareceram muitos mas ela foi-se fazendo esquisita e pondo defeitos em todos, até que chegou aos vinte e tal anos e já era demasiado velha. De repente começaram a apontar-lhe como possíveis noivos os homens que iam ficando viuvos e esse era o indicador de que já tinha passado da idade de arranjar rapaz solteiro.
A possibilidade de "ficar com os pés amarelos" era uma coisa levada muito a sério. Era levada tão a sério que para além dos cochichos, comentários e bilhardices, durante manhãs, tardes e serões inteiros, as possíveis vítimas dos pés amarelos ainda tinham de aturar brincadeiras como a que fizeram dia dos anos a uma amiga da minha mãe: como presente de anos ofereceram-lhe anil. O anil que se dissolvia em água para tirar o tom amarelado da roupa branco. Coitada.
Então eu lembrava-me de um homem do sítio que já tinha perto de uns cinquenta anos e nunca tinha casado e perguntava se ele também tinha ficado com os pés amarelos. Mas parece que a desgraça era só para as raparigas, pois os homens que não casavam limitavam-se a ficar solteiros, ninguém deles dizia que tinham ficado com os pés amarelos.
Em criança, quando ouvia alguém falar em mulheres de pés amarelos, ficava sempre com pena. Mal sabia eu que viria a ser uma dessas mulheres. Dos pés amarelos não me livrei. Do que me livrei foi de ficar para tia, há expressões às quais é muito mais fácil de dar a volta do que a outras.

Comments:
Havia um despique, cantado nos arraiais do Livramento, no Caniço, cujo conteúdo era a disputa entre duas raparigas por um rapaz, que afinal não queria casar nem com uma nem com outra e uma delas replica( sempre em verso) que se ele não casar vão-lhe amarelar os pés. Ele responde: Ainda nã assentei praça/vou embarcar prò Brasil/se os pés me amarelarem/vou metê-los no anil
 
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