terça-feira, junho 21, 2005

Bassolai e outras palavras inventadas


Sempre gostei de palavras. Recuo até onde a memória me deixa, bem longe no tempo, no princípio da infância, e já encontro esse fascínio pelas palavras, o desejo de descobri-las, de inventá-las, de criar uma linguagem nova. Uma das primeiras palavras que inventei foi "Bassolai".
Decidi que era demasiado normal chamar à minha Tia Salomé o nome que toda a gente chamava e baptizei-a de Bassolai. Tia Bassolai. Achava que Bassolai era um nome lindo. Diferente e lindo. Muito mais bonito do que Salomé, ora agora!
Lembro-me de estar a meio das passadas que ligam a casa dos meus pais à dos meus avolitos, a tentar ensinar à minha irmã, que andava sempre atrás de mim e chamava-me "mana", a palavra Bassolai. Diz: "Bassolai." Fazia-a repetir. Bassolai. Ensinava-lhe assim o nome da Tia. Acrescento: "A Maria da Tia Ascensão diz Tia Salomé, mas está errado. É Tia Bassolai. Bassolai."
Falava numa espécie de código mas não era por não saber as palavras originais. Apenas as substituía por outras, inventadas por mim. Uma vez, estando eu em casa da senhora Conceição, perguntaram-me onde tinha ido o meu pai. Eu respondi que ele tinha ido ao Pico "buscar policissa, elisas e satotas." Era verdade. Ele tinha ido ao Pico, à fazenda, busar policissas, elisas e satotas. Policissa era a minha palavra inventada para cebola. Elisa era a minha palavra inventada para semilha. Satota era a minha palavra inventada para maçaroca.
"O meu pai foi ao Pico buscar policissas, elisas e satotas." Recordo a gargalhada conjunta das filhas da senhora Conceição. A Lídia, a Maria dos Anjos, a Maria Justina e a Margarida deram uma gargalhada gigante e exclamaram: "Ora, policissa p'ra cebola!". A gargalhada aumentou de tamanho quando eu repeti a expressão: "Policissa p'ra cebola." Afinal eu sabia! E elas nunca mais se esqueceram daquilo. Passados mais de trinta anos, ainda se lembram da minha resposta. "O meu pai foi ao Pico buscar policissas, elisas e satotas." Por entre um sorriso recordam as minhas bochechas vermelhas, as minhas tranças, com mais tempo até os meus vestidos. A memória culmina com a frase: "Ora policissa p'ra cebola."
Policissas, elisas e satotas eram nomes giros. Mais giros do que os originais, usados por toda a gente. Mas o meu nome inventado preferido continua a ser Bassolai. O meu nome inventado mais bonito foi o teu, Tia Bassolai.

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