sexta-feira, maio 13, 2005

A malhada

Parece mentira mas é verdade. Nunca tinha ouvido semelhante coisa e assusto-me com a minha distracção, eu que sempre me julguei atenta a todos os pormenores da cultura popular. Ouvi pela primeira vez a palavra "malhada" no último domingo, dia da Ascensão. A meia tarde, íamos a passar no Chão das Eiras de carro, quando a minha mãe, olhando com espanto para o largo deserto e para as vendas fechadas, exclamou: "Meu Deus, o que isto era antigamente no Dia da Ascenção!"
O Dia da Ascensão é o último dia das visitas do Espírito Santo, que percorrem os vários sítios da paróquia nas semanas a seguir à Páscoa. Este ano a visita do Espirito Santo à minha casa calhou precisamente nesse dia.
Recebi os homens das capas e bandeiras vermelhas, seguindo o antigo ritual. Coloquei flores numa pequena bandeja que foi da minha avó, ocultando uma nota de cinco euros. Na mesa antiga, onde provavelmente a minha vó também colocou oferendas para o Espírito Santo, dispus ainda um jarro com vinho e copos, uma garrafa de licor também com os respectivos copos e uma bandeja com bolo doce. A completar a mesa, uma jarra com flores.
E fiquei toda a manhã à espera, tal como fazíamos antigamente na casa dos meus pais, tentando adivinhar se estavam perto ou longe pela intensidade dos foguetes, que assinalam a chegada a uma casa diferente. Foi estranho vê-los percorrer as escadas do bloco de apartamentos. É muito mais bonito vê-los chegar a um terreiro e depois partir subindo umas passadas ou descendo uma antiga vereda, conforme o percurso combinado entre eles.
Apesar destas diferenças, o ritual manteve-se. O festeiro tirou as flores e o dinheiro para dentro do saco de veludo encarnado e deixou na bandeja algumas pétalas de outras flores, que tinha recolhido noutra casa qualquer. Lembro-me de guardarmos religiosamente essas pétalas, para atirá-las a alguma árvore que teimasse em não dar fruto. Era remédio santo e o resultado via-se logo no ano seguinte, quando a respectiva árvore se cobria de frutos. Ainda lá tenho, na bandejinha azul, as pétalas de rosa já murchas, e tenho pena de não ter nenhuma árvore a necessitar delas.
Os outros dois senhores de capa vermelha pousaram o pendão e a bandeira junto à mesa da sala, conversaram um pouco e ainda provaram um pouco do meu vinho e uma pequena fatia de bolo doce. Foi quase tudo como antes. Mas pouco depois, quando passámos no Chão das Eiras, houve aquela falta, da qual eu não fazia ideia. "O que isto era antigamente no Dia da Ascensão!" E a voz da minha contou que as raparigas do sítio faziam vestidos novos de propósito para esse dia, para irem assistir à "malhada".
Durante a tarde, o povo ia-se juntando no Chão das Eiras. As pessoas ficavam ali, apreciando e comentando os vestidos novos, os olhares que os rapazes deitavam às raparigas, e de certeza conversando sobre outras coisas da vida, como o viço das culturas ou as desgraças do tempo. Iam vendo o grupo do Espirito Santo percorrer as últimas casas do Sítio, as que ficavam ali ao pé, mesmo no Chão das Eiras, ao som dos foguetes, e já de algumas bebedeiras. Havia cantigas, de certeza. Para o fim, ficavam as vendas. O Espirito Santo também ia às vendas. Depois, quando não restava nenhuma casa nem nenhuma venda para visitar, no meio da festa que era a "malhada", os três homens das capas vermelhas davam por terminada a tarefa desse ano. O ritual que assinalava o fecho das visitas do Espirito Santo era o cruzamento da bandeira e o pendão. Assim era a "malhada", de que eu não me lembro, embora deva ter assistido a alguma, algures na minha primeira infância. Nunca tinha ouvido falar na palavra "malhada", que distracção a minha. Vou andar mais atenta.

Comments:
Qual será a origem da palavra? E que sentido terá tido?
 
Nunca tinha ouvido esta palavra associada ás visitas do Espírito Santo e fiquei sem perceber muito bem o que significa! Interessante na mesma!
 
Enquanto pesquisava a origem da aldeia de Chão das Eiras (Concelho de Tomar),surgiu-me também esta homónima na Madeira que desconhecia. Haverá alguma relação entre elas?
 
Enquanto pesquisava a origem da aldeia de Chão das Eiras (Concelho de Tomar),surgiu-me também esta homónima na Madeira que desconhecia. Haverá alguma relação entre elas?
 
Enquanto pesquisava a origem da aldeia de Chão das Eiras (Concelho de Tomar),surgiu-me também esta homónima na Madeira que desconhecia. Haverá alguma relação entre elas?
 
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