sábado, maio 07, 2005
Borboletas
Uma borboleta amarela volteava no ar, junto a um pé de alecrim, na descida para a casa dos meus pais. Hipnotizou-me de leve e deixou-me nos lábios um sorriso triste. Um sorriso que depressa se transformou em memória e em pena. Foram tantas as broboletas amarelas que eu destruí sem saber!
Na infância, os brinquedos estavam todos na natureza. Pedras, paus, flores, terra, plantas....e animais. As borboletas eram os mais sublimes objectos de brincadeira. Era um tempo em que não percebíamos ainda o mecanismo inevitável da morte que sucede à vida. Apenas sabíamos da vida, e apenas a vida era real.
Por isso, quando em plena Primavera decidíamos dedicar uma tarde inteira a caçar borboletas, que íamos atirando para um saco de plástico, não sabíamos, nem sequer imaginávamos que estávamos a condená-las à morte.
As borboletas brancas e as castanhas pintadas eram as mais vulgares. Apanhávamo-las sem grande prazer. Lembro-me de andarmos nos poios das couves, que eram onde havia mais borboletas brancas. Eram as mais fáceis de apanhar e por isso eram aquelas a que dávamos menos valor.
Estou a ver-me com as asas de uma borboleta branca aprisionadas entre os meus dedos polegar e indicador da mão direita. Na mão esquerda agarro a boca do saco de plástico já com algumas borboletas. Observo-lhe os olhos, as patas que mexem e quando a atiro para dentro do saco, fechando-o rapidamente, ela tem as as asas um pouco desfeitas. Agarrei-a com força e fiquei com um pó esbranquiçado na ponta dos dedos.
As minhas irmãs repetem os gestos. As borboletas castanhas são mais rápidas e inteligentes, mas conseguimos apanhar algumas, que ficam misturadas com as brancas. Então surge uma borboleta amarela, das que eu sempre considerei as mais bonitas. Uma borboleta amarela! Dado o alarme, corremos em bicos de pés, quase voando também, pelo poio e depois pela vereda, a seguir por outro poio e depois descendo um bardo de isabelinhas, onde também crescem lírios brancos.
Havia também umas borboletas maiores, pretas e com pintas, muito bonitas. E outras enormes, com as asas recortadas, muito coloridas, lindas. Mas eu sempre gostei mais das amarelas. As borboletas amarelas são as mais bonitas. Que pena tenho de todas as que destruí, sem a consciência de que o fazia. Cacei borboletas pelos campos, com as tranças a saltitar ao ritmo dos meus saltos, roçando o vestido de andar em casa em folhas de couve, de onde escorriam gotas de orvalho, e enterrando os pés descalços na terra dos poios cavados de fresco.
Matei broboletas sem saber e tenho pena. No entanto, tenho também a certeza de que as minhas memórias seriam mais tristes e pobres se nunca tivesse corrido atrás de borboletas pelos campos e se nunca tivesse perseguido nenhuma borboleta amarela, que finalmente agarrava, exibindo como um troféu perante o olhar admirado das minhas irmãs, mais pequenos e menos ágeis. Sinto o macio as duas asas juntas entre os meus pequenos dedos indicador e polegar. É amarelo, o pó que me fica na ponta dos dedos.
Talvez nada exista sem estas subtis contradições. Talvez não haja alegria sem tristeza, nem coragem sem medo, nem esperança sem desespero. Talvez nada seja apenas simples como o à primeira vista possa parecer. Talvez nada seja apenas belo, como me pareceu o voo da borboleta amarela que vi junto ao pé de alecrim, na descida para a velha casa da minha infância.
Na infância, os brinquedos estavam todos na natureza. Pedras, paus, flores, terra, plantas....e animais. As borboletas eram os mais sublimes objectos de brincadeira. Era um tempo em que não percebíamos ainda o mecanismo inevitável da morte que sucede à vida. Apenas sabíamos da vida, e apenas a vida era real.
Por isso, quando em plena Primavera decidíamos dedicar uma tarde inteira a caçar borboletas, que íamos atirando para um saco de plástico, não sabíamos, nem sequer imaginávamos que estávamos a condená-las à morte.
As borboletas brancas e as castanhas pintadas eram as mais vulgares. Apanhávamo-las sem grande prazer. Lembro-me de andarmos nos poios das couves, que eram onde havia mais borboletas brancas. Eram as mais fáceis de apanhar e por isso eram aquelas a que dávamos menos valor.
Estou a ver-me com as asas de uma borboleta branca aprisionadas entre os meus dedos polegar e indicador da mão direita. Na mão esquerda agarro a boca do saco de plástico já com algumas borboletas. Observo-lhe os olhos, as patas que mexem e quando a atiro para dentro do saco, fechando-o rapidamente, ela tem as as asas um pouco desfeitas. Agarrei-a com força e fiquei com um pó esbranquiçado na ponta dos dedos.
As minhas irmãs repetem os gestos. As borboletas castanhas são mais rápidas e inteligentes, mas conseguimos apanhar algumas, que ficam misturadas com as brancas. Então surge uma borboleta amarela, das que eu sempre considerei as mais bonitas. Uma borboleta amarela! Dado o alarme, corremos em bicos de pés, quase voando também, pelo poio e depois pela vereda, a seguir por outro poio e depois descendo um bardo de isabelinhas, onde também crescem lírios brancos.
Havia também umas borboletas maiores, pretas e com pintas, muito bonitas. E outras enormes, com as asas recortadas, muito coloridas, lindas. Mas eu sempre gostei mais das amarelas. As borboletas amarelas são as mais bonitas. Que pena tenho de todas as que destruí, sem a consciência de que o fazia. Cacei borboletas pelos campos, com as tranças a saltitar ao ritmo dos meus saltos, roçando o vestido de andar em casa em folhas de couve, de onde escorriam gotas de orvalho, e enterrando os pés descalços na terra dos poios cavados de fresco.
Matei broboletas sem saber e tenho pena. No entanto, tenho também a certeza de que as minhas memórias seriam mais tristes e pobres se nunca tivesse corrido atrás de borboletas pelos campos e se nunca tivesse perseguido nenhuma borboleta amarela, que finalmente agarrava, exibindo como um troféu perante o olhar admirado das minhas irmãs, mais pequenos e menos ágeis. Sinto o macio as duas asas juntas entre os meus pequenos dedos indicador e polegar. É amarelo, o pó que me fica na ponta dos dedos.
Talvez nada exista sem estas subtis contradições. Talvez não haja alegria sem tristeza, nem coragem sem medo, nem esperança sem desespero. Talvez nada seja apenas simples como o à primeira vista possa parecer. Talvez nada seja apenas belo, como me pareceu o voo da borboleta amarela que vi junto ao pé de alecrim, na descida para a velha casa da minha infância.
Comments:
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Eu, na minha infância, costumava apanhar cigarras e rãs. Felizmente não as matava. Porém, fazê-lo de forma inconsciente e comungar com a harmonia da natureza, acaba por despertar-nos para a sua preservação. E essas memórias ajudam a despertar essa consciência ecológica. Relativamente às borboletas, recordo-me de criá-las alimentando lagartas até que se metamorfaseassem em belas borboletas. E quando é que deixamos de rastejar, e libertamo-nos para o voo triunfal, como as borboletas?
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