quarta-feira, março 16, 2005
Dente mouro, dente mourão....
"Dente mouro, dente mourão, toma lá este podre e dá-me outro são." As palavras deviam ser ditas enquanto se atirava o dente para cima do telhado , ou para cima do cu do forno, se fosse uma casa como a dos meus avós, com o forno saído para um dos lados da casa, de forma arredondada e coberto de telha. "Dente mouro, dente mourão, toma lá este podre e dá-me outro são."
A minha menina queria uma história antes de dormir e eu recorri ao velho truque: "Queres uma história de um livro ou uma história de quando eu era pequena?" Resulta sempre: "Uma de quando tu eras pequena, por favor." "Está bem, vou te contar a história dos primeiros dentes que me caíram." "Fixe, mãe. Como é que foi?" Eu contei e rimo-nos tanto as duas, que foi uma sorte os vizinhos do andar de baixo não terem reclamado. Contei-lhe do susto que apanhei quando percebi que tinha um dente a abanar, afinal eu era a criança mais velha da família, ainda não tinha visto aquilo acontecer com ninguém.
Contei que a minha avó amarrou à volta desse dente uma linha do bordado e ensinou-me a ir dando pequenos puxões na linha. Eu fazia o gesto, mas na verdade não dava puxão nenhum porque eu não queria perder um dente, assim sem mais nem menos. Mas perdi, ao dar uma dentada com vontade num bocado de pão com manteiga. Não engoli o dente por sorte e, assim desconsolada a olhar para ele, levaram-me até ao canto da casa e ensinaram-me a fórmula que se deve dizer quando se atira o dente para o telhado, ou para cima do cu do forno, neste caso. "Dente mouro, dente mourão, toma lá este podre e dá-me outro são." "Mas, mãe, não havia nesse tempo a fada dos dentes? Então foste tu que me puseste o meu presente debaixo da almofada, sua aldrabona?! Diz lá, foi ou não foi?" "Mas não queres ouvir o resto da história? Então ouve."
Depois dessa primeira perda, decidi que aquilo não voltaria a acontecer, não permitiria que mais nenhum dente saísse do lugar. Quando percebi que outro começou a bolir, guardei segredo, até ele ficar preso por uma simples pontinha de raiz, de tal forma que eu já nem conseguia falar normalmente. Mas nem pensar de alguém me tirar aquele dente do sítio. Então, o meu paai e a minha mãe combinaram que não passava daquele dia e desataram os dois a correr atrás de mim. Fugi tanto à frente deles, que parecia ter ganho asas, como o Peter Pan. Eles ficavam parados, a tomar fôlego, e eu continua a voar por entre veredas, poios, pinheiros, terreiros e bardos. Acabou o dia e eles não conseguiram tirar-me o dente. (Nesta parte da história, já estávamos as duas a rir às gargalhadas.)
No dia seguinte, a minha mãe decidiu levar-me ao médico: alguém tinha de tirar-me aquele dente. Eu ia atrás dela, pela vereda que nos conduzia à paragem do horário, sempre a choramingar e, de minuto a minuto, a confirmar se ainda tinha o meu dente. Numa dessas confirmações, tive a sensação de quase ter ficado com o dente na mão, mas voltei a pô-lo quietinho no sítio, como se ele fosse ficar colado com saliva. Desatei numa tal choradeira que a minha mãe, irritada, voltou para trás, dizendo que eu não ia fazer aquelas figuras à frente do médico.
Eu fiquei aliviada e passei o resto do dia quase sem comer, para não arriscar. Dormi muito descansada e assim que acordei, no dia seguinte, o meu primeiro gesto foi confirmar a presença do precioso dente. Dei logo um grito, o dente não estava lá. "Quem sabe foi o travesseiro? É melhor procurares." Levantei o travesseiro e lá estava ele. Voltei a atirá-lo para cima do cu do forno, repetindo: "Dente mouro, dente mourão, toma lá este podre e dá-me outro são."
É claro que fiquei com medo daquele travesseiro. Quer dizer, ele devia ganhar vida durante o meu sono, senão como teria conseguido tirar-me o dente? O meu travesseiro era um monstro, ai que del rei. Claro que tinha sido a minha mãe a tirá-lo e da forma que ele estava foi a coisa mais fácil, bastou tocar-lhe. E pronto, acabou-se a história dos primeiros dentes que perdi. "E os outros? Como é que foi o terceiro? Conta mais, mãe." A história dos outros já não me lembro, mas tenho a certeza absoluta de que os atirei todos para cima do cu do forno da casa da minha avó, enquanto dizia: "Dente mouro, dente mourão, toma lá este podre e dá-me outro são."
A minha menina queria uma história antes de dormir e eu recorri ao velho truque: "Queres uma história de um livro ou uma história de quando eu era pequena?" Resulta sempre: "Uma de quando tu eras pequena, por favor." "Está bem, vou te contar a história dos primeiros dentes que me caíram." "Fixe, mãe. Como é que foi?" Eu contei e rimo-nos tanto as duas, que foi uma sorte os vizinhos do andar de baixo não terem reclamado. Contei-lhe do susto que apanhei quando percebi que tinha um dente a abanar, afinal eu era a criança mais velha da família, ainda não tinha visto aquilo acontecer com ninguém.
Contei que a minha avó amarrou à volta desse dente uma linha do bordado e ensinou-me a ir dando pequenos puxões na linha. Eu fazia o gesto, mas na verdade não dava puxão nenhum porque eu não queria perder um dente, assim sem mais nem menos. Mas perdi, ao dar uma dentada com vontade num bocado de pão com manteiga. Não engoli o dente por sorte e, assim desconsolada a olhar para ele, levaram-me até ao canto da casa e ensinaram-me a fórmula que se deve dizer quando se atira o dente para o telhado, ou para cima do cu do forno, neste caso. "Dente mouro, dente mourão, toma lá este podre e dá-me outro são." "Mas, mãe, não havia nesse tempo a fada dos dentes? Então foste tu que me puseste o meu presente debaixo da almofada, sua aldrabona?! Diz lá, foi ou não foi?" "Mas não queres ouvir o resto da história? Então ouve."
Depois dessa primeira perda, decidi que aquilo não voltaria a acontecer, não permitiria que mais nenhum dente saísse do lugar. Quando percebi que outro começou a bolir, guardei segredo, até ele ficar preso por uma simples pontinha de raiz, de tal forma que eu já nem conseguia falar normalmente. Mas nem pensar de alguém me tirar aquele dente do sítio. Então, o meu paai e a minha mãe combinaram que não passava daquele dia e desataram os dois a correr atrás de mim. Fugi tanto à frente deles, que parecia ter ganho asas, como o Peter Pan. Eles ficavam parados, a tomar fôlego, e eu continua a voar por entre veredas, poios, pinheiros, terreiros e bardos. Acabou o dia e eles não conseguiram tirar-me o dente. (Nesta parte da história, já estávamos as duas a rir às gargalhadas.)
No dia seguinte, a minha mãe decidiu levar-me ao médico: alguém tinha de tirar-me aquele dente. Eu ia atrás dela, pela vereda que nos conduzia à paragem do horário, sempre a choramingar e, de minuto a minuto, a confirmar se ainda tinha o meu dente. Numa dessas confirmações, tive a sensação de quase ter ficado com o dente na mão, mas voltei a pô-lo quietinho no sítio, como se ele fosse ficar colado com saliva. Desatei numa tal choradeira que a minha mãe, irritada, voltou para trás, dizendo que eu não ia fazer aquelas figuras à frente do médico.
Eu fiquei aliviada e passei o resto do dia quase sem comer, para não arriscar. Dormi muito descansada e assim que acordei, no dia seguinte, o meu primeiro gesto foi confirmar a presença do precioso dente. Dei logo um grito, o dente não estava lá. "Quem sabe foi o travesseiro? É melhor procurares." Levantei o travesseiro e lá estava ele. Voltei a atirá-lo para cima do cu do forno, repetindo: "Dente mouro, dente mourão, toma lá este podre e dá-me outro são."
É claro que fiquei com medo daquele travesseiro. Quer dizer, ele devia ganhar vida durante o meu sono, senão como teria conseguido tirar-me o dente? O meu travesseiro era um monstro, ai que del rei. Claro que tinha sido a minha mãe a tirá-lo e da forma que ele estava foi a coisa mais fácil, bastou tocar-lhe. E pronto, acabou-se a história dos primeiros dentes que perdi. "E os outros? Como é que foi o terceiro? Conta mais, mãe." A história dos outros já não me lembro, mas tenho a certeza absoluta de que os atirei todos para cima do cu do forno da casa da minha avó, enquanto dizia: "Dente mouro, dente mourão, toma lá este podre e dá-me outro são."
Comments:
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Olá, Dra. Lília Mata!
Finalmente tive oportunidade de conhecer o seu blog e devo confessar que adorei a história da perda dos seus primeiros dentes. E o que achei também engraçado foi a expressão utilizada quando se atirava o dente para cima do cú do forno. Adorei!
Isabel Góis
Finalmente tive oportunidade de conhecer o seu blog e devo confessar que adorei a história da perda dos seus primeiros dentes. E o que achei também engraçado foi a expressão utilizada quando se atirava o dente para cima do cú do forno. Adorei!
Isabel Góis
Que prazer encontrar o seu blog. Vinha pensando muito sobre o tal mourão recentemente -- também presente na minha infância no interior do Brasil. É muito bom aprender, com você, sobre o quanto temos de semelhante!
Muito obrigado,
Eduardo
Muito obrigado,
Eduardo
Sou da familia Mourão e estou estudando as origens e as ligações de Mourão com os Mouros...
Em Portugal diziam dos descendentes dos Mouros:
Olha la`, aqueles Mourões...Dai feio o sobrenome Mourão...
abraços
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Em Portugal diziam dos descendentes dos Mouros:
Olha la`, aqueles Mourões...Dai feio o sobrenome Mourão...
abraços
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