quinta-feira, março 10, 2005
Como o homem de Gaula
Antigamente, durante toda a Quaresma, os jogos de roda eram proibidos e tudo o mais que envolvesse demasiada algazarra, como tocar instrumentos musicais e cantar ao desafio. Aos rapazes, apenas era permitido o jogo do pião, e às raparigas, o das pedrinhas.
Em casa dos meus avós, estas regras cumpriam-se escrupulosamente. No início da Quaresma, a minha avó mandava, e os meus tios, embora já rapazes feitos, obedeciam, que todos os instrumentos musicais, rajão, braguinha, guitarra, fossem metidos na caixa, para de lá saírem apenas no Dia de Páscoa.
Era um sacrifício terrível, recordam os meus tios. Às vezes, era tanta a vontade de tocar um bocadinho, para animar, que retiravam da caixa, sem a minha avó se aperceber, um dos instrumentos e começam a pontear modas, muito baixinho. Quando a minha avó reparava, voltavam a guardar o instrumento e deitavam o arremate de que estavam apenas a afiná-lo.
Isto acontecia em todas as freguesias. Ainda ontem, a minha mãe me contou a história de um homem de Gaula, que lhe foi contada por um dos meus tios emigrados no Brasil, que por sua vez a ouviu de outro emigrante, natural de Gaula, e que talvez nem sequer tivesse conhecido o personagem principal, mas apenas ouvido contar a história.
Reza assim: Durante a Quaresma, os rapazes de uma família de Gaula já não aguentavam com saudades de tocarem os seus instrumentos musicais. Foram buscá-los à caixa, às escondidas, e fecharam-se num telheiro, afastado da casa, a tocar e a cantar. Quando o pai se percebeu, pegou num vergasto e deitou vereda acima, com a promessa de lhes dar uma forte malha, por terem desafiado tão sagrada determinação, obrigando-os, de imediato, a guardarem os instrumentos na caixa.
Aconteceu, porém, que ao chegar ao telheiro, se deparou com tão animado brinco, que em vez da prometida malha, largou o vergasto e juntou-se à festa, cantando e bailando junto com os filhos.
O mais engraçado desta história é o contexto em que hoje é contada: a história do homem de Gaula é recordada quando alguém vai buscar outra pessoa e, em vez de regressar com ela, se junta ao que ela está a fazer, e passam ambas a demorar-se. A minha menina estava a ver televisão em casa dos avós. Eu, cansada de chamá-la para vir jantar, e irritada com o facto de não obter resposta, saí da cozinha para ir buscá-la, com a promessa de a trazer arrastada por um braço, porque, afinal, a comida estava na mesa.
Ora, o que foi acontecer! Em vez de a trazer por um braço como prometera, juntei-me a ela, ambas interessadas pelo mesmo assunto, a ser transmitido naquele momento já não me lembro qual, nem em que canal.
Momentos depois, a minha mãe deitou a cabeça à porta e, com um sorriso, afirmou: "Então, fizeste como o homem de Gaula?" Contou-me a história, que lhe contou o meu tio, que a ouviu de outro emigrante no Brasil, que a tinha ouvido a algum familiar, antes de ter embarcado.
Em casa dos meus avós, estas regras cumpriam-se escrupulosamente. No início da Quaresma, a minha avó mandava, e os meus tios, embora já rapazes feitos, obedeciam, que todos os instrumentos musicais, rajão, braguinha, guitarra, fossem metidos na caixa, para de lá saírem apenas no Dia de Páscoa.
Era um sacrifício terrível, recordam os meus tios. Às vezes, era tanta a vontade de tocar um bocadinho, para animar, que retiravam da caixa, sem a minha avó se aperceber, um dos instrumentos e começam a pontear modas, muito baixinho. Quando a minha avó reparava, voltavam a guardar o instrumento e deitavam o arremate de que estavam apenas a afiná-lo.
Isto acontecia em todas as freguesias. Ainda ontem, a minha mãe me contou a história de um homem de Gaula, que lhe foi contada por um dos meus tios emigrados no Brasil, que por sua vez a ouviu de outro emigrante, natural de Gaula, e que talvez nem sequer tivesse conhecido o personagem principal, mas apenas ouvido contar a história.
Reza assim: Durante a Quaresma, os rapazes de uma família de Gaula já não aguentavam com saudades de tocarem os seus instrumentos musicais. Foram buscá-los à caixa, às escondidas, e fecharam-se num telheiro, afastado da casa, a tocar e a cantar. Quando o pai se percebeu, pegou num vergasto e deitou vereda acima, com a promessa de lhes dar uma forte malha, por terem desafiado tão sagrada determinação, obrigando-os, de imediato, a guardarem os instrumentos na caixa.
Aconteceu, porém, que ao chegar ao telheiro, se deparou com tão animado brinco, que em vez da prometida malha, largou o vergasto e juntou-se à festa, cantando e bailando junto com os filhos.
O mais engraçado desta história é o contexto em que hoje é contada: a história do homem de Gaula é recordada quando alguém vai buscar outra pessoa e, em vez de regressar com ela, se junta ao que ela está a fazer, e passam ambas a demorar-se. A minha menina estava a ver televisão em casa dos avós. Eu, cansada de chamá-la para vir jantar, e irritada com o facto de não obter resposta, saí da cozinha para ir buscá-la, com a promessa de a trazer arrastada por um braço, porque, afinal, a comida estava na mesa.
Ora, o que foi acontecer! Em vez de a trazer por um braço como prometera, juntei-me a ela, ambas interessadas pelo mesmo assunto, a ser transmitido naquele momento já não me lembro qual, nem em que canal.
Momentos depois, a minha mãe deitou a cabeça à porta e, com um sorriso, afirmou: "Então, fizeste como o homem de Gaula?" Contou-me a história, que lhe contou o meu tio, que a ouviu de outro emigrante no Brasil, que a tinha ouvido a algum familiar, antes de ter embarcado.
Comments:
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Curiosa esta história que originou o exemplo do "homem de gaula". É bom perpectuar estas memórias culturais e populares na escrita. Todos estes textos têm muito valor, merecem ser publicados pela sua componente popular que caracteriza o povo e as suas crenças.
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