quarta-feira, fevereiro 23, 2005
A mesa da água
A mesa da água já não existe e sente-se a falta dela logo que se chega ao terreiro da casa dos meus avolitos. Ficava na direcção exacta da janela do quarto das raparigas e tinha sido construída de propósito para descansar os aguadores e os baldes da água à chegada da fonte.
A mesa da água parecia-me altíssima. Na verdade, ficava à altura da cabeça de um adulto porque os baldes e os aguadores eram transportados à cabeça, desde o poço da fonte, através da vereda, sempre de cabeça acima.
Depois da longa subida, era bom ter aquela mesa da água ali à mão: bastava passar o balde ou o aguador desde a cabeça para cima da mesa, em vez do esforço muito maior de tentar colocar de imediato o recipiente no chão. Foi o que me contaram.
Quando nasci já não se ia à fonte buscar água. A água caía de uma torneira, transportada em pequenos tubos pretos desde uma nascente, algures na Camacha. O meu avô tinha comprado um quarto de pena de água, e o meu pai e o meu tio também. Mas a mesa da água continuava lá, como recordação de um tempo não muito distante e do sofrimento de todos os meus tios, que se revezavam nas idas à fonte.
Na minha infância a mesa da água passou a ser a mesa do leite porque era lá que o leiteiro descansava as folhas e media o leite. Quando ele se despedia, colocando novamente o cajado às costas, ficavam em cima dessa mesa alta as encomendas de leite para a nossa casa, para os meus avós, para os meus tios e ainda para um ou outro vizinho, em recipientes de folha, com uma asa e uma pequena tampa, próprios para o leite.
Um dia, o leiteiro também deixou de passar e com o tempo a antiga mesa da água, depois mesa do leite, desmoronou-se, transformando-se num amontoado de madeiras velhas e sem qualquer préstimo. No lugar dela, não existe nada. Ninguém vai à fonte e o leite é comprado em sacos no supermercado. Hoje a mesa da água, depois mesa do leite, não teria utilidade nenhuma. Mas sinto-lhe a falta. Sempre. Sinto-lhe a falta assim que chego ao canto do terreiro da casa dos meus avolitos, onde não vive ninguém quase há dez anos.
A mesa da água parecia-me altíssima. Na verdade, ficava à altura da cabeça de um adulto porque os baldes e os aguadores eram transportados à cabeça, desde o poço da fonte, através da vereda, sempre de cabeça acima.
Depois da longa subida, era bom ter aquela mesa da água ali à mão: bastava passar o balde ou o aguador desde a cabeça para cima da mesa, em vez do esforço muito maior de tentar colocar de imediato o recipiente no chão. Foi o que me contaram.
Quando nasci já não se ia à fonte buscar água. A água caía de uma torneira, transportada em pequenos tubos pretos desde uma nascente, algures na Camacha. O meu avô tinha comprado um quarto de pena de água, e o meu pai e o meu tio também. Mas a mesa da água continuava lá, como recordação de um tempo não muito distante e do sofrimento de todos os meus tios, que se revezavam nas idas à fonte.
Na minha infância a mesa da água passou a ser a mesa do leite porque era lá que o leiteiro descansava as folhas e media o leite. Quando ele se despedia, colocando novamente o cajado às costas, ficavam em cima dessa mesa alta as encomendas de leite para a nossa casa, para os meus avós, para os meus tios e ainda para um ou outro vizinho, em recipientes de folha, com uma asa e uma pequena tampa, próprios para o leite.
Um dia, o leiteiro também deixou de passar e com o tempo a antiga mesa da água, depois mesa do leite, desmoronou-se, transformando-se num amontoado de madeiras velhas e sem qualquer préstimo. No lugar dela, não existe nada. Ninguém vai à fonte e o leite é comprado em sacos no supermercado. Hoje a mesa da água, depois mesa do leite, não teria utilidade nenhuma. Mas sinto-lhe a falta. Sempre. Sinto-lhe a falta assim que chego ao canto do terreiro da casa dos meus avolitos, onde não vive ninguém quase há dez anos.
Comments:
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Curiosamente os meus avós maternos seguramente tinham água proveniente da Camacha, uma vez que viviam em Gaula. A medida "pena de água" já me era familiar, uma vez que minha mãe já me tinha contado histórias da infância que continham essa expressão.
Bjinho
Bjinho
Quero uma língua coroada de fogo, mas em segredo. Um calor ferido e um espelho largo. Que rosto puro dói na minha lápide? Que lume culpado viaja pelos meus olhos?
Outros corpos abrigam o meu corpo branco. O meu corpo branco, as danças líquidas.
Quero acolher as chamas, veladas viagens. Andamos todos de mão em mão.
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Outros corpos abrigam o meu corpo branco. O meu corpo branco, as danças líquidas.
Quero acolher as chamas, veladas viagens. Andamos todos de mão em mão.
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