segunda-feira, fevereiro 14, 2005

Dar uma carreira num chãozinho

Ah mê Deus qu' eu já não posso
Subir a esta ladeira
Quand' eu chegar ao chãozinho
Eu vou dar uma carreira


Veio-me à ideia esta quadra graças a um colega que hoje de manhã me chamou atenção para o uso da palavra "chão" como sinónimo de local plano. Na verdade, eu ainda uso muitas vezes a palavra chão ou chãozinho com esse sentido.
O que nunca mais fiz foi "dar uma carreira". Passo a vida a correr de um lado para o outro, como a maioria das pessoas, prisioneira dos ponteiros do relógio e dos muitos afazeres diários, mas nunca mais dei uma carreira.
Como era bom, dar uma carreira ao vento num chãozinho! Em qualquer chãozinho dava jeito a dar uma carreira. E uma simples carreira podia tornar-se num jogo. "-Vai-se dar uma carreira?" "-Vamos, um, dois, três...." Apenas um instante depois, já íamos a meio da carreira, quase a voar, para ver quem chegava mais depressa.
Podíamos não ter brinquedos, nem sapatos, nem roupas novas e da moda, mas podíamos sempre dar uma carreira, nem que fosse no terreiro, para cá e para lá, com cuidado para não esbarrar em nenhum cântaro e partir as orquídeas ou as begónias.
Quem me dera, voltar a ganhar asas numa simples carreira e levantar voo.

Comments:
Dá-me sempre imenso gozo ler os teus textos. Gosto da fluência que percorre e é percorrida pelas tuas palavras, da tua gigantesca persistência, e da "arqueologia" que fazes do "falar" madeirense. É um caminho já antes trilhado por escritores como Camilo, Aquilino Ribeiro e Vitorino Nemésio. Infelizmente, nunca ninguém antes de ti o tinha feito em relação à nossa ilha, excepção feita ( e quanto a mim, bastante tímida...) ao Horácio Bentode Gouveia. (o qual, na minha modestíssima opinião e contrariamente ao que por aí se diz, é um belíssimo escritor). É um caminho--fazer literatura tendo como ponto de partida uma expressão popular, um ditado, uma frase feita. Gil Vicente fê-lo e outros antes e depois dele. Além do mais, julgo que a Madeira, tal como a Sicília em relação a Itália, é território português. Sendo assim, porque diabo é permitido a certos escritores sicilianos de renome internacional recorrer a expressões da sua ilha enquanto que aos madeirenses é vedada esse traço estilítico? A resposta, julgo, é bastante simples e escreve-se apenas com cinco portentosas letrinhas: P-O-D-E-R. Sendo assim, o melhor será ignorar os "dogmas" e avançar sempre até que o tempo te dê razão.Um abraço. Sérgio Correia.
 
Dá-me sempre imenso gozo ler os teus textos. Gosto da fluência que percorre e é percorrida pelas tuas palavras, da tua gigantesca persistência, e da "arqueologia" que fazes do "falar" madeirense. É um caminho já antes trilhado por escritores como Camilo, Aquilino Ribeiro e Vitorino Nemésio. Infelizmente, nunca ninguém antes de ti o tinha feito em relação à nossa ilha, excepção feita ( e quanto a mim, bastante tímida...) ao Horácio Bentode Gouveia. (o qual, na minha modestíssima opinião e contrariamente ao que por aí se diz, é um belíssimo escritor). É um caminho--fazer literatura tendo como ponto de partida uma expressão popular, um ditado, uma frase feita. Gil Vicente fê-lo e outros antes e depois dele. Além do mais, julgo que a Madeira, tal como a Sicília em relação a Itália, é território português. Sendo assim, porque diabo é permitido a certos escritores sicilianos de renome internacional recorrer a expressões da sua ilha enquanto que aos madeirenses é vedada esse traço estilítico? A resposta, julgo, é bastante simples e escreve-se apenas com cinco portentosas letrinhas: P-O-D-E-R. Sendo assim, o melhor será ignorar os "dogmas" e avançar sempre até que o tempo te dê razão.Um abraço. Sérgio Correia.
 
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