segunda-feira, janeiro 24, 2005
Pêras-melãs
A minha mãe desmanchou a lapinha e eu comi as pêras-melãs que a tinham enfeitado durante todo o Natal. Que delícia! Confirma-se a ideia que alimentei desde criança: as frutas colocadas na lapinha, para o menino Jesus, adquirem outro sabor. Um sabor mágico, inigualável. Naquele momento, pensei que nunca tinha provado nada tão delicioso. Saboreando as pêras -melãs, fechei os olhos e regressei ao quarto onde a minha avó tinha a lapinha.
Ela costumava fazê-la sobre a cômoda do "quarto-de-fora". No centro colocava o menino Jesus, dentro de uma campânula de vidro, com um vestido de renda e um colar de ouro, com muitas voltas, onde estava pendurada uma fotografia do meu avô, quando jovem. Ao lado do menino ficavam os solitários enfeitados com verdura, ensaião e junquilhos, que enchiam toda a casa com um cheiro forte. Depois, sobre a toalha branca, de renda à ponta, espalhavam-se as vasilhas do triguinho, algumas fotografias e postais, cabrinhas e fruta: pêros encarnados, nozes, castanhas, anonas, pêras-melãs. À frente do menino, em lugar de destaque, ficava a lamparina de azeite, que a minha avó tinha o cuidado de nunca deixar apagar-se.
No dia de Festa, depois do almoço de carne-de-vinho-e-alhos, ela ordenava que fôssemos agradecer ao Menino Jesus. Lembro-me de entrar, sozinha, na penumbra do quarto, por entre o cheiro dos junquilhos e dos frutos, da cera do chão e do lavado das cortinas, e ajoelhar-me à frente da cômoda. Era um lindo momento de recolhimento, como não me lembro de ter voltado a experimentar.
Durante todo o Natal namorávamos os frutos da lapinha. Lembro-me de ter roubado alguns, numa espécie de negociação com o Menino Jesus, por vezes colocando no lugar dos frutos outros parecidos, ou então alargando o espaço entre todos, para disfarçar a falta. Aqueles peros já murchos tinham outro sabor. Fiquei com esse sabor gravado na memória, mas nunca mais me tinha lembrado dele.
E de repente, vejo a minha mãe a tirar da lapinha pêros encarnados e pêras-melãs, colocando-os sobre a mesa, enquanto dobrava o papel pintado que formara a rochinha. A minha mãe não tem cômoda e a lapinha sempre foi assim, uma rochinha com pinheiro por trás, colocada num canto do quarto que serve de sala de visitas. Depois, começou a guardar numa caixa, embrulhando-as em papel, as figurinhas do presépio, pequenas, um pouco toscas, com muitos natais cumpridos. Peguei nas pêras-melãs, com o vermelho já desbotado, murchas, aqui e além com algumas manchas mais escuras ou claras. Afinal, é verdade: o sabor diferente dos frutos da lapinha não é apenas uma ilusão guardada do passado. É verdade.
Falta-me apenas esclarecer uma coisa. Pêras-melãs são tomates ingleses. É assim que a maioria das pessoas chama a esse fruto, e é esse nome que aparece escrito no mercado, nos cestos em que se encontram à venda. Pois para mim, aqueles frutos sempre tiveram o nome de pêras-melãs e ninguém me sabe explicar porquê. Temos um pereira-melã encarnada (existe uma variedade que dá os frutos mais alaranjados) um pouco abaixo do quintal, na roda do ribeiro. Dá os frutos no Natal, e são eles que mais alegram o presépio. O sabor das pêras-melãs retiradas da lapinha da minha mãe, tranformou este final de festa numa experiência maravilhosa. Já tenho saudades do próximo.
Ela costumava fazê-la sobre a cômoda do "quarto-de-fora". No centro colocava o menino Jesus, dentro de uma campânula de vidro, com um vestido de renda e um colar de ouro, com muitas voltas, onde estava pendurada uma fotografia do meu avô, quando jovem. Ao lado do menino ficavam os solitários enfeitados com verdura, ensaião e junquilhos, que enchiam toda a casa com um cheiro forte. Depois, sobre a toalha branca, de renda à ponta, espalhavam-se as vasilhas do triguinho, algumas fotografias e postais, cabrinhas e fruta: pêros encarnados, nozes, castanhas, anonas, pêras-melãs. À frente do menino, em lugar de destaque, ficava a lamparina de azeite, que a minha avó tinha o cuidado de nunca deixar apagar-se.
No dia de Festa, depois do almoço de carne-de-vinho-e-alhos, ela ordenava que fôssemos agradecer ao Menino Jesus. Lembro-me de entrar, sozinha, na penumbra do quarto, por entre o cheiro dos junquilhos e dos frutos, da cera do chão e do lavado das cortinas, e ajoelhar-me à frente da cômoda. Era um lindo momento de recolhimento, como não me lembro de ter voltado a experimentar.
Durante todo o Natal namorávamos os frutos da lapinha. Lembro-me de ter roubado alguns, numa espécie de negociação com o Menino Jesus, por vezes colocando no lugar dos frutos outros parecidos, ou então alargando o espaço entre todos, para disfarçar a falta. Aqueles peros já murchos tinham outro sabor. Fiquei com esse sabor gravado na memória, mas nunca mais me tinha lembrado dele.
E de repente, vejo a minha mãe a tirar da lapinha pêros encarnados e pêras-melãs, colocando-os sobre a mesa, enquanto dobrava o papel pintado que formara a rochinha. A minha mãe não tem cômoda e a lapinha sempre foi assim, uma rochinha com pinheiro por trás, colocada num canto do quarto que serve de sala de visitas. Depois, começou a guardar numa caixa, embrulhando-as em papel, as figurinhas do presépio, pequenas, um pouco toscas, com muitos natais cumpridos. Peguei nas pêras-melãs, com o vermelho já desbotado, murchas, aqui e além com algumas manchas mais escuras ou claras. Afinal, é verdade: o sabor diferente dos frutos da lapinha não é apenas uma ilusão guardada do passado. É verdade.
Falta-me apenas esclarecer uma coisa. Pêras-melãs são tomates ingleses. É assim que a maioria das pessoas chama a esse fruto, e é esse nome que aparece escrito no mercado, nos cestos em que se encontram à venda. Pois para mim, aqueles frutos sempre tiveram o nome de pêras-melãs e ninguém me sabe explicar porquê. Temos um pereira-melã encarnada (existe uma variedade que dá os frutos mais alaranjados) um pouco abaixo do quintal, na roda do ribeiro. Dá os frutos no Natal, e são eles que mais alegram o presépio. O sabor das pêras-melãs retiradas da lapinha da minha mãe, tranformou este final de festa numa experiência maravilhosa. Já tenho saudades do próximo.