quarta-feira, novembro 10, 2004

A furna do Nancamilhe

A furna do Nancamilhe era a única do Sítio e talvez por isso se revestisse de tanto mistério. Ficava relativamente perto da nossa casa, mas acho que só nos aventurámos a ir espreitar quando já não vivia lá ninguém, na altura em que estiveram cá os meus primos da Venezuela, todos adolescentes.
A furna do Nancamilhe era um ponto geográfico de referência e também motivo de comparação, quando se tratava de diferenciar a verdadeira pobreza do remedeio, já que riqueza era coisa que não se conhecia naquele tempo.
A minha mãe explicava que eles viviam todos numa furna, que não tinham uma casa como as outras pessoas e lembro-me de ficar cheia de pena dessa gente: o Nancamilhe, a Nancamilha e os Nancamilhinhos todos. Uma alcunha passava facilmemte para todos os membros da família, formando diminutivos no caso dos filhos, tornando-se em feminino quando adaptada à mulher ou masculino quando era ao contrário e passava da mulher para o homem. Não me lembro se havia o Nancamilhe Velho e a Nancamilha Velha. Mas as alcunhas muitas vezes também adquiriam este velho ou velha, para diferenciar as novas gerações das antigas.
Nancamilhe porquê? Alguns apelidos são difíceis de explicar mas este está claro como água. A minha mãe explicou, no tom misterioso que dava a tudo o que contava. Porque ele não gostava nada de milho. E o milho, já se sabe, era o comer daquele tempo, era o que havia e já era bom. No meu espanto, decompus a palavra, a enigmática palavra Nancamilhe. Nancamilhe: Não quero milho! Talvez sejam assim, simples, todos os segredos do universo. Talvez baste a maçada de os decompor.



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