sábado, outubro 23, 2004

Chapéus-de-sol

Logo nas primeiras chuvas deste Outono, a pequena ficou sem guarda-chuva. Quis exibir o guarda-chuva novo, transparente e com desenhos cor-de-rosa da barbie, e bastou uns segundos para ficar sem ele: o vento transformou-o num emaranhado de plástico e baleias tortas ou partidas. Ralhei-lhe porque, afinal, naquele momento nem sequer estava a chover. Ralhei-lhe mas por dentro sorri. Pensei: "Ela também vai ter para contar a história de um guarda-chuva, tal como eu tenho a minha. E como é bom ter histórias para contar."
A minha história é de um chapéu-de-sol porque era assim que se chamavam os guarda-chuvas quando eu era criança. "Não te esqueças do chapéu-de-sol!", dizia a minha mãe, quando íamos caminhar para algum lugar e ameaçava chover. Essa contradição sempre me intrigou: "Mãe, porque se chama chapéu-de-sol se ele serve para tapar a chuva? Porque não o chamamos tapa-chuva?" Então, a minha mãe explicava que as pessoas mais velhas usavam muito o chapéu-de-sol para se protegerem do sol, nas longas caminhadas a pé, especialmente para a missa. E eu lembro-me de ver chapéus-de-sol abertos ao longe, na vereda, nos mais quentes dias de Verão.
O meu primeiro chapéu-de-sol caiu no meu sapatinho, numa noite de Natal. As minhas irmãs também tiveram um. Era azul claro e com desenhos pretos, abstractos, que lembravam pessoas.
Levei-o para a escola toda contente e logo no primeiro dia o chapéu-de-sol desapareceu. Escorregou para trás do armário e aí ficou durante muito tempo porque eu era demasiado timida para colocar o problema à professora. Todos os dias ensaiava o que dizer-lhe mas depois não tinha coragem suficiente para salvar o meu chapéu-de-sol, embora gostasse muito dele. O pobrezinho só foi resgatado do exílio forçado atrás do armário quando a minha mãe foi à escola falar com a professora. Foi uma alegria enorme rever o meu querido chapéu-de-sol.
Quando ficou com o guarda-chuva despedaçado, a minha filha ficou chateada, mas daí a bocado já nem sequer se lembrava do guarda-chuva. Afinal, tem outro guarda-chuva, encarnado, com bonecos desenhados e com um folhinho à ponta. E não é difícil que venha a ter outro, talvez mais bonito do que qualquer um dos anteriores. Afinal, é provável que nunca venha a contar a história do guarda-chuva da barbie, que nem sequer chegou ao Inverno.
No meu tempo era diferente; não se substituía facilmente um chapéu-de-sol estragado ou perdido. Talvez por isso, tenha aprendido a dar valor às coisas. Talvez por isso nunca me tenha esquecido do meu primeiro chapéu de sol, o único que tive durante anos. Estou contente por ter esta história para contar.






Comments:
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