segunda-feira, outubro 18, 2004

Amexigueiras


"Eu subi à amexigueira
Para apanhar uma ameixa
Arranjei um pechãozinho
O pai quer, a mãe não deixa."


Fixei esta quadra na memória há muitos anos, quando despertei para a literatura oral e, em geral, para todas as tradições da minha terra.
Talvez tenha sido tão fácil decorá-la por conter duas palavras que acho um mimo. A primeira é "amexigueira". Em casa dos meus "avolitos" (os meus avós maternos) havia várias "amexigueiras", de diferentes qualidades, que para mim continuam a ser "amexigueiras" e não ameixeiras ou ameixieiras, como dizem os dicionários.
Trato desta forma correcta todas as outras árvores do mundo que dão ameixas. Mas aquelas, as que me acompanharam a infância e a adolescência com o seu sabor único, serão sempre "amexigueiras". À frente da cozinha, havia uma "amexigueira branca" ou francesa, e outra mais para lá, à frente da antiga gabana do porco.
Entre estas duas, crescia uma "amexigueira de damasco", que cobria com a sua sombra grande parte do terreiro, incluindo o poço de lavar, onde a minha avó lavava ajoelhada.
Num poio encostado ao extremo oeste da casa, para trás, havia uma "amexigueira de São João", quer era a primeira a dar frutos, os mais pequenos de todos, no mês de Junho.
Para leste, como que a demarcar o espaço útil do quintal, havia uma "roda" cheia de "amexigueiras inglesas", de frutos duros e do "tardo". Um pouco abaixo, no bardo à frente da casa dos meus tios, era o local da "amexigueira de sangue", ou "braba", cujos frutos serviam essencialmente para fazer "marmelada de ameixa". As ameixas de São João, primeiro, as de damasco, a seguir, e as inglesas, no fim do Verão, eram as minhas preferidas. Muitas das ameixas brancas caíam ao chão, formando pastas amarelas, e aí se perdiam. Eram demasiado doces. A minha mãe, as minhas tias e a minha avó às vezes comiam dessas ameixas com milho; era um conduto que tinha sido adoptado nos tempos difíceis da guerra. Não se comparava ao peixe, mas ficara-lhes no sabor das memórias e às vezes gostavam de fazer o tempo voltar atrás. Também eram usadas para fazer marmelada, que ficava com um tom acastanhado e bastante doce. A minha "marmelada" preferida era a vermelha, feita com ameixas de sangue, que ficava com um azedinho característico. Uma delícia!
A outra palavra especial desta quadra é "pechãozinho". Um "pechão" é um rapaz que vale a pena, um bom partido, um borracho. Belos tempos aqueles, em que bastava subir a uma "amexigueira" para avistar um "pechãozinho".

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