quarta-feira, agosto 25, 2004

A giguinha da costura

"Minha mãe o que eu achei
na giguinha da costura
uma carta do meu bem
que me leva à sepultura"


Lembro-me desta quadra vezes sem conta. É uma espécie de senha que me traz à memória a imagem da minha avó. Recordo-a bordando junto à janela do quarto da cama, ou remendando uma peça de roupa do meu avô, na mesma posição, no mesmo local.
Os remendos da minha avó eram autênticas obras de arte. Quando o buraco na roupa era demasiado grande, ela encaixava-lhe um bocado de pano novo, da mesma cor ou de algo que fosse semelhante. Quando eram mais pequenos, decidia pontear: passava a agulha as vezes que fosse preciso de um lado para o outro, ora por baixo, ora por cima, como num tear de verdade.
Guardava as linhas, a agulha e a tesoura no cesto do bordado. Ou na giguinha do bordado. Uma giga é um cesto. A minha avó não tinha uma "giguinha da costura" como na cantiga, mas imagino-a inventando outra quadra, em que falaria da giguinha do bordado, depois de pensar durante breves momentos, sempre com o mesmo sorriso no rosto.

"Minha mãe o que eu achei
na giguinha do bordado
uma carta do meu bem
que anda lá fora em soldado"


(O meu avô nunca foi soldado lá fora, mas a mim não me ocorre nada melhor, para rimar com bordado. A minha avó é que deitava cantigas pensadas na hora, uma a seguir à outra, durante o tempo que fosse preciso, ao som do brinco, e de preferência em despique renhido, com alguém que estivesse à altura do dom que Deus lhe deu.)

Comments:
Não conhecia o termo "giga",aprendi mais uma coisinha nova contigo ;)
Quanto á tua avó,parece-me que deveria ser uma pessoa espectacular...
 
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