terça-feira, agosto 24, 2004

Deitar água ao patinho

Voltei três vezes a casa deitar água ao patinho. "Mais uma vez e o pobrezinho afogava-se !" A minha filha reagiu, incrédula, ao meu comentário: "Mas nós não temos nenhum patinho, mãe". Tive de lhe contar a história de como surgiu este dito na nossa família, no tempo em que a minha mãe era pequena.
A Ti Maria Arcena, que eu ainda cheguei a conhecer, ia às sextas-feiras ao Caniço de Baixo, a casa da família, buscar tabaibos e figos. A minha mãe e outras vizinhas gostavam de ir com ela, para trazerem também um cestinho desses frutos que só crescem à beira-mar.
Passavam as sextas-feiras em grande excitação, na expectativa dessa descida a pé, montanha abaixo, até à zona baixa do Caniço. A seguir ao jantar, que nesse tempo era às três da tarde, abalavam para casa da mulher e ficavam ali, impacientes, à espera da partida.
Mas a Ti Maria Arcena não tinha pressa nenhuma. Fazia, com vagar, todas as voltas que tinha para fazer. Só então, lá por volta das seis da tarde, e com as pequenas desesperadas de esperar, colocava às costas um molhinho de lenha, pegava nos cestos e tomava a vereda.
As crianças suspiravam de alívio, mas era por pouco tempo. Ela inventava sempre alguma coisa que se tinha esquecido de fazer, descansava o molho e voltava para trás: "Raçazinha, esqueci-me de deitar água ao patinho". Só seguia para o seu destino depois de deitar água ao patinho. Ora, isto nunca mais saiu da ideia da minha mãe e das outras pequenas que lhe faziam companhia. Passaram a usar esta expressão sempre que viam alguém demorar-se para sair de casa, ou voltar atrás para fazer isto e aquilo.
Eu sigo a tradição. Quando algum esquecimento me obriga a voltar atrás, digo que "vou deitar água ao patinho". Às vezes deito-lhe água tantas vezes que o pobrezinho só não se afoga por milagre. Uma vez, foi para ir buscar o guarda-chuva, pois ameaçava chover. A seguir, foi para certificar-me de que tinha fechado a janela da varanda. Depois, foi para ir buscar exames que devia mostrar ao médico. Voltei a casa três vezes para deitar água ao patinho que nem sequer é nosso. É da Ti Maria Arcena, que Deus lhe dê o Céu.





Comments:
Sinceramente,ainda bem que não tenho patos :)
 
Best regards from NY! pay per click
 
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