domingo, janeiro 31, 2010
o filho do ferreiro
"Quando está nevoeiro não há neve". A sentença sábia foi proferida logo no início da subida mas apesar do nevoeiro continuei o caminho em direcção ao Areeiro. "É melhor voltarmos para trás, a estrada é perigosa com este nevoeiro." Mas eu fui me aventurando um pouco mais na subida até à serra.
- "Isto é como a história do filho do ferreiro".
Enquanto eu me aventurava devagar por entre o nevoeiro, fiquei a saber que nessa história antiga de que a minha mãe não se lembra senão uma pequena parte, havia várias pessoas que tentavam descer num buraco, mas ninguém conseguia porque iam aparecendo muitas coisas estranhas e assustadoras. Desciam num cesto equipado com uma campainha, que tocavam para que os puxassem para cima. Até que o filho do ferreiro decidiu resolver o assunto e disse: "Quanto mais eu tocar à campainha, mais vocês me empurram para baixo."
E assim foi: ele tocava, tocava porque queria que o puxassem para cima, tocava porque não aguentava mas eles cumpriam as ordens e davam mais folga à corda para que ele descesse ainda mais.
Cruzamo-nos com um carro em sentido contrário, já na descida do Areeiro e a minha mãe exclama: "Olha, outros filhos do ferreiro".
Acabei por inverter a marcha mas continuámos a falar do famoso filho do ferreiro. "É uma história tonta. Ele chega a um lugar que tem feiticeiras, depois acho que chega a outro onde está o diabo." Parece que nesse lugar todos eram obrigados a beijar o cu ao diabo e aí se desenvolveram as muitas aventuras do filho do ferreiro.
A história perdeu-se mas a metáfora continua a ser usada na perfeição, para situações adversas em que as pessoas insistem em continuar caminho, numa teimosia digna do herói do conto popular.
- "Isto é como a história do filho do ferreiro".
Enquanto eu me aventurava devagar por entre o nevoeiro, fiquei a saber que nessa história antiga de que a minha mãe não se lembra senão uma pequena parte, havia várias pessoas que tentavam descer num buraco, mas ninguém conseguia porque iam aparecendo muitas coisas estranhas e assustadoras. Desciam num cesto equipado com uma campainha, que tocavam para que os puxassem para cima. Até que o filho do ferreiro decidiu resolver o assunto e disse: "Quanto mais eu tocar à campainha, mais vocês me empurram para baixo."
E assim foi: ele tocava, tocava porque queria que o puxassem para cima, tocava porque não aguentava mas eles cumpriam as ordens e davam mais folga à corda para que ele descesse ainda mais.
Cruzamo-nos com um carro em sentido contrário, já na descida do Areeiro e a minha mãe exclama: "Olha, outros filhos do ferreiro".
Acabei por inverter a marcha mas continuámos a falar do famoso filho do ferreiro. "É uma história tonta. Ele chega a um lugar que tem feiticeiras, depois acho que chega a outro onde está o diabo." Parece que nesse lugar todos eram obrigados a beijar o cu ao diabo e aí se desenvolveram as muitas aventuras do filho do ferreiro.
A história perdeu-se mas a metáfora continua a ser usada na perfeição, para situações adversas em que as pessoas insistem em continuar caminho, numa teimosia digna do herói do conto popular.
quarta-feira, janeiro 20, 2010
caçoar ou fazer caçoada
- "Este senhor está sempre fazendo caçoada". A mulher apontou para o homem ao lado, que não perdia uma portunidade de dizer uma piada, mesmo numa situação desagradável. Reclamava e dizia de sua justiça, mas não perdia o humor.
Tudo o que o senhor dizia tinha graça e as pessoas à volta acabavam por esboçar sorrisos, embora estivessem aborrecidas com o que estava a acontecer.
Há pessoas com este dom, graças a Deus! As pessoas que fazem caçoada conseguem passar melhor pelo mundo. Caçoam e tudo se torna mais leve, viver torna-se quase fácil.
Adoro a expressão "fazer caçoada"ou "caçoar", sobretudo por aquilo que ela representa: a arte suprema de brincar com as situações, mesmo as menos boas. Tenho a sorte de lidar diariamente com pessoas que dominam esta qualidade e considero-me uma sortuda.
Tudo o que o senhor dizia tinha graça e as pessoas à volta acabavam por esboçar sorrisos, embora estivessem aborrecidas com o que estava a acontecer.
Há pessoas com este dom, graças a Deus! As pessoas que fazem caçoada conseguem passar melhor pelo mundo. Caçoam e tudo se torna mais leve, viver torna-se quase fácil.
Adoro a expressão "fazer caçoada"ou "caçoar", sobretudo por aquilo que ela representa: a arte suprema de brincar com as situações, mesmo as menos boas. Tenho a sorte de lidar diariamente com pessoas que dominam esta qualidade e considero-me uma sortuda.
segunda-feira, janeiro 18, 2010
daqui à cidade
Quando antes se dizia "daqui à cidade" era para nos referirmos a algo extenso. E fazia sentido. Afinal, era muito complicado chegar à cidade e isso só acontecia em ocasiões muito particulares. "Daqui à cidade" substituía na perfeição os adjectivos longo, extenso, comprido, e podia ser aplicado às mais variadas situações, até como metáfora de bilhardice: "- Ela tem uma língua daqui à cidade".
Ainda há pouco tempo utilizei a expressão aprendida na infância porque ela continua a significar o mesmo embora "a cidade" esteja hoje tão perto, tão acessível. E apesar de hoje existirem muitas outras cidades, incluindo o Caniço. A realidade é totalmente diferente mas a expressão "daqui à cidade" continua a ser sinónima de longo, extenso, comprido. Isto acontece porque as expressões ganham autonomia, tornam-se independentes, crescem, adquirem a sua própria história.
Ainda há pouco tempo utilizei a expressão aprendida na infância porque ela continua a significar o mesmo embora "a cidade" esteja hoje tão perto, tão acessível. E apesar de hoje existirem muitas outras cidades, incluindo o Caniço. A realidade é totalmente diferente mas a expressão "daqui à cidade" continua a ser sinónima de longo, extenso, comprido. Isto acontece porque as expressões ganham autonomia, tornam-se independentes, crescem, adquirem a sua própria história.
domingo, janeiro 17, 2010
um gato em cima da barriga
"- Olha, põe-lhe um gato em cima."
Era esta a resposta certa quando antigamente alguém se queixava de dores de barriga. Não havia medicamentos disponíveis para tudo e mais alguma coisa. Em casa dos meus avós não havia medicamento nenhum para eventualidades como essa.
Quando uma das minhas tias se queixava de uma dor de barriga, a minha avó dizia que "era uma dor de frio" e mandava-as colocar uma coisa quente em cima da barriga. Podia ser um barrete de orelhas ou outra coisa de lã bem quente.
Talvez a história do gato tenha surgido por ser um animal quentinho, alguém pode ter começado por dizer para colocar um gato na brincadeira. Ou será que alguém terá realmente alguma vez colocado um gato em cima da barriga para tentar curar "uma dor de frio"?
E quantas dores ajudará um gato a curar? Veremos. Em breve terei um gato em casa.
Era esta a resposta certa quando antigamente alguém se queixava de dores de barriga. Não havia medicamentos disponíveis para tudo e mais alguma coisa. Em casa dos meus avós não havia medicamento nenhum para eventualidades como essa.
Quando uma das minhas tias se queixava de uma dor de barriga, a minha avó dizia que "era uma dor de frio" e mandava-as colocar uma coisa quente em cima da barriga. Podia ser um barrete de orelhas ou outra coisa de lã bem quente.
Talvez a história do gato tenha surgido por ser um animal quentinho, alguém pode ter começado por dizer para colocar um gato na brincadeira. Ou será que alguém terá realmente alguma vez colocado um gato em cima da barriga para tentar curar "uma dor de frio"?
E quantas dores ajudará um gato a curar? Veremos. Em breve terei um gato em casa.
sábado, janeiro 09, 2010
ir à missa com o que se tem
- "Sabe, isto cada um vai à missa com o que tem."
Claro que não falávamos de ir à missa. Numa breve e rotineira entrevista, o meu interlocutor tentava clarificar uma situação qualquer e de repente usou esta expressão.
Ir à missa é sinónimo de se mostrar, de aparecer perante os outros. Antigamente mais, mas ainda hoje nos sítios pequenos, é na ida à missa que as pessoas se vêem, que ficam sabendo do estado de saúde dos outros, dos relacionamentos, das roupas novas, de todas as bilhardices da comunidade.
É na ida à missa que as pessoas mais ficam expostas aos olhos dos outros.
Antigamente os meus tios iam a missas diferentes para poderem usar todos o mesmo casaco, já que era o único. Encontravam-se pelo caminho e passavam o casaco de um para o outro. E como eles tinham idades e tamanhos diferentes mas o casaco era o mesmo, nuns o casaco ficava grande, noutros pequeno. Mas era o que havia.
- "Sabe, isto cada um vai à missa com o que tem." Ou seja: cada um mostra aquilo que tem e é assim que deve ser. Quem tenta mostrar mais do que realmente é ou tem, não o consegue fazer para sempre. E para quê?
Claro que não falávamos de ir à missa. Numa breve e rotineira entrevista, o meu interlocutor tentava clarificar uma situação qualquer e de repente usou esta expressão.
Ir à missa é sinónimo de se mostrar, de aparecer perante os outros. Antigamente mais, mas ainda hoje nos sítios pequenos, é na ida à missa que as pessoas se vêem, que ficam sabendo do estado de saúde dos outros, dos relacionamentos, das roupas novas, de todas as bilhardices da comunidade.
É na ida à missa que as pessoas mais ficam expostas aos olhos dos outros.
Antigamente os meus tios iam a missas diferentes para poderem usar todos o mesmo casaco, já que era o único. Encontravam-se pelo caminho e passavam o casaco de um para o outro. E como eles tinham idades e tamanhos diferentes mas o casaco era o mesmo, nuns o casaco ficava grande, noutros pequeno. Mas era o que havia.
- "Sabe, isto cada um vai à missa com o que tem." Ou seja: cada um mostra aquilo que tem e é assim que deve ser. Quem tenta mostrar mais do que realmente é ou tem, não o consegue fazer para sempre. E para quê?
sexta-feira, janeiro 01, 2010
dar os amãs
- "Ela não fez bem mas tu já 'tás lhe dando os amãs. Dás-lhe sempre os amãs." Não sei se a acusação tinha razão de ser. No caso em concreto, não posso avaliar se havia demasiada condescendência de um lado ou demasiada intolerância do outro.
Mas posso dizer que conheço bem a expressão "dar os amãs" e que sempre a associei à palavra "mão", como se ao defender alguém a pessoa estivesse a dar-lhe a mão. Sempre achei que havia esta relação mas talvez estivesse errada e a verdadeira relação seja com a palavra "amen", pois ao defender uma pessoa estamos afinal a concordar com ela ou com a sua atitude.
Qualquer uma destas possibilidades é especulação minha, gosto deste jogo de inventar uma história para cada palavra, todas as palavras têm a importância suficiente para merecerem a sua própria história, pensava e repensada e, porque não, colocada neste blog à vista ede toda a gente.
Mas posso dizer que conheço bem a expressão "dar os amãs" e que sempre a associei à palavra "mão", como se ao defender alguém a pessoa estivesse a dar-lhe a mão. Sempre achei que havia esta relação mas talvez estivesse errada e a verdadeira relação seja com a palavra "amen", pois ao defender uma pessoa estamos afinal a concordar com ela ou com a sua atitude.
Qualquer uma destas possibilidades é especulação minha, gosto deste jogo de inventar uma história para cada palavra, todas as palavras têm a importância suficiente para merecerem a sua própria história, pensava e repensada e, porque não, colocada neste blog à vista ede toda a gente.