quarta-feira, junho 15, 2011

muito mal ouvisto

"- Ele é muito mal ouvisto!"
A senhora Maria Isabel dizia estas palavras de repreensão como se fossem palavras de carinho. Afagou o cão que acabava de acusar de ser mal ensinado, e reafirmou: "Ele é muito mal ouvisto." Depois, ainda com a mão afagando a cabeça do animal, perguntou: "É, não é?"
O cão só queria brincadeira e voltava a colocar as patas da frente sobre o colo das visitas, indiferente ao facto de a dona o ter apelidado de "mal ouvisto".
A cena deliciou-me tanto com a expressão que não ouvia há muito tempo. Mal ouvisto.
Quem é que nunca foi mal ouvisto?
Lembro-me de a minha mãe se queixar de eu ser mal ouvista quando na dolescência me pedia para eu fazer alguma tarefa doméstica, exactamente na hora em que estava no auge o episódio do Sandokan ou do Tarzan, na televisão acabada de ser instalada em casa. Ou quando me custava sair da cama para percorrer quase hora de caminho nos piores dias de Inverno, até chegar à escola. E quando. Quando tanta coisa. Cenas semelhantes às que vim a viver com a minha filha, apenas com a diferença dos nomes dos programas e dos canais de televisão, e do computador no lugar dos livros.
Nada mais normal do que as crianças e os adolescentes serem mal ouvistos, não em exagero mas na medida certa.
E os adultos? Também. Acho que os adultos podem e, em alguns casos, até devem ser mal ouvistos. O mais difícil é conseguirem sê-lo com os motivos certos, nos momentos certos e na medida certa.

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