terça-feira, setembro 29, 2009

anedota do marido corno

Espero calmamente pela minha vez e não consigo deixar de ouvir as conversas à minha volta. O cabeleireiro é talvez o sítio mais fértil em conversas da face da terra. Enquanto lhe arranjam a preceito os caracóis de uma mise, uma professora reformada contou a seguinte anedota.
Era uma vez um homem que decidiu emigrar para a Venezuela porque a vida aqui estava muito difícil. Antes de ele embarcar avisou a mulher para se comportar bem, pois caso contrário nascer-lhe-iam cornos na cabeça.
O homem lá foi à sua vida e regressou uns anos depois. A mulher foi ao cais esperá-lo, naquele tempo era assim, era tudo de barco. Quando ela avistou o marido, viu que ele vinha de chapéu na cabeça e já ficou toda preocupada. Ora, quando ela chegou ao pé dele, não fez mais nada, levantou-lhe uma pontinha do chapéu. E então disse, enquanto baixava o chapéu: "Ah, seu mentiroso!" Já viu, em vez de estar calada, foi dizer aquilo!

sábado, setembro 26, 2009

ficar malhadiço

" - Olha que ele pode ficar malhadiço". Quem avisa tem a sabedoria do tempo e dos antigos ensinamentos populares.
Quando se repreende muito uma pessoa, corre-se o risco de ela se habituar e, em consequência, deixar de reagir às repreensões. A isso o povo chama "ficar malhadiço" e nesse caso, repreender ou não dá na mesma, malhar e não malhar, o resultado é igual.
A expressão aplica-se no caso das crianças mas também em relação a pessoas adultas e eu nunca tinha reparado nela. Mas é verdade, as pessoas habituam-se a tudo e quando mais se habituam mais imunes ficam.

quarta-feira, setembro 23, 2009

quadras populares

Minha mãe p'ra me casar prometeu-me quatro ovelhas
depois de me ver casada
deu-me uma cega, uma cambada
e outra môcha sem orelhas.

Minha mãe p'ra me casar
prometeu-me quanto tinha
depois de me ver casada
deu-me os panos da cozinha

Minha mãe mandou-me à lenha
eu fui ao mar me lavar
minha mãe deu-me uma malha
c'agulha d'arremendar

Minha mãe mandou-me à lenha
fui p'ra rocha apanhar feno
Minha mãe deu-me uma malha
coitado quem é pequeno

Minha mãe é minha amiga
dá-me pão com bacalhau
quando eu a faço reinar
dá-me uma malha c'um pau

Quadras recolhidas no Sítio da Ribeira dos Pretetes - Caniço, a 18-02-1986
Cantigas cantadas em diversas ocaisões, sempre ao som do brinco

domingo, setembro 20, 2009

trédia

"- A menina tem só três meses mas está tão trediazinha. Dá gosto ver!"
Percebi que "trédia" é um adjectivo positivo, lisonjeiro. Mas o verdadeiro significado escapava-me. Nunca antes o tinha ouvido, coisa que a minha mãe achou logo impossível: "Toda a gente sabe o que é. Já deves ter ouvido e não te lembras."
"Trédia" significa esperta, bastante desenvolvida. Com tão pouca idade, a bebé a que se referia já se ponha toda direitinha, levantando bem a cabeça para perceber tudo à sua volta, fixando as pessoas, parecendo entender tudo, "como uma pessoa velha".

terça-feira, setembro 15, 2009

estão irritando

Acho que já tinham sido trocadas algumas palavras amigáveis entre os dois desconhecidos que por um dia se tornaram vizinhos de piquenique. Talvez tivessem comentado alguma coisa sobre o tempo enquanto faziam brasas para a espetada, quem sabe tivessem trocado algumas palavras sobre a qualidade da lenha que foram recolhendo, provavelmente em relação ao local onde podiam ter acesso a água.

As horas da refeição coincidiram e quando as espetadas estavam praticamente no fim, o vizinho de piquenique aproximou-se com uma prata, que estendeu de forma convidativa. Estava cheia de chicharros miudos, muito bem fritos, daqueles que parecem nem ter espinhas.

O vizinho olhou, comentou que tinha comido muito, mas mesmo assim não resistiu aos chicharros. - "Estão iritando!", justificou. Os chicharros estavam irritando porque provocavam o apetite, chamavam a atenção, despertavam o interesse, era impossível ressistir-lhes. O que é irresistível irrita, está bem visto, sim senhor.


segunda-feira, setembro 14, 2009

fazer-se uma mulher

- "Ela hoje está se fazendo uma mulher."
Resistiu à tentação de uma praia cheia de sol, de um filme interessante no cinema, de um encontro de amigos no café. Em vez de sair, ficou em casa arrumando: fazendo camas, limpando pó, varrendo, lavando... Isto é, em linguagem popular, "fazer-se uma mulher".
Embora os tempos sejam outros e cuidar da casa já não seja atributo exclusivo das mulheres, pelo menos em teoria, esta expressão continua a ser usada.
Na cabeça dos mais antigos - e, infelizmente, ainda na cabeça de muitos novos - arrumar, limpar, cozinhar, varrer e lavar, são tarefas femininas e pronto, não há mais conversa.
É uma ideia que terá decair em desuso, não há outra solução. O problema é que é bem mais facil as expressões da linguagem cairem em desuso. As ideias demoram muito mais tempo.

domingo, setembro 13, 2009

quando as Desertas anunciam chuva

- "Olha, vai chover!" Olhei. Ao fundo, as Desertas estavam muito claras e pareciam bem mais próximas do que o normal. Apetecia estender a mão até as tocar.
- "Quando as Desertas estão assim é sinal de chuva." Olhei uma vez mais, admirando a beleza da paisagem, tentando esquecer o incómodo do calor. Chuva?
Veremos.

sexta-feira, setembro 11, 2009

entrar e sair pela mesma porta


Diz a superstição popular que devemos entrar e sair pela mesma porta na primeira vez em que vamos a um local. Se entrarmos por uma porta e sairmos por outra, nunca mais lá voltaremos.
Nas casas de antigamente era fácil entrar por uma porta e sair por outra, havia sempre várias divisões com comunicação para a rua.
Assim era também na casa da minha infância, uma pequena casa rectangular de quatro quartos. Três desses quartos tinham saída para o exterior, gerando um sem número de possíveis entradas e saídas diferentes: podia-se entrar pela cozinha e sair pela sala; entrar pela sala e sair por um quarto; entrar pelo quarto e sair pela cozinha; entrar pela sala e sair pela cozinha; entrar pelo quarto e sair pela sala e sei lá mais quantas combinações.
Na casa deste tempo adulto e confuso, há apenas uma porta para a rua. Uma única possibilidade de entrada, a mesma única possibilidade de saída. Voltar não está dependente de qualquer superstição.

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