sábado, agosto 29, 2009

promenecer

-"Deram-me esta flor, mas ela não promenece. Ela quer um lugar mais quentinho, isto aqui é frio."
A planta que não promenece é aquela que não se desenvolve. Mantém-se viva, mas não deita rebentos, não se enche de flores, fica para ali sem se adaptar ao lugar e sem obter o viço que dela se esperava. Por mais que a pessoa se esforce, nada parece resultar. A planta não promenece e pronto. Por vezes, a jardineira desespera, muda-lhe a terra, experimenta um local com mais sol, depois outro com mais sombra, às vezes poda-lhe pequenos ramos ou experimenta outros truques ensinados por vizinhas também amantes de flores. Nada. A flor não promenece.
Tentando encontrar uma palavra a partir da qual o povo pudesse ter construído esta, lembro-me de permanecer, mas o sentido é exactamente o oposto. Não sei.
Mas sei que os jardineiros não devem culpar-se destas flores que não promenecem, apesar de todos os cuidados. Nem tudo está destinado a crescer, nem tudo pode ser compreendido.

sexta-feira, agosto 28, 2009

a manta é linda, mas....

-"A manta é linda, mas..." Não falávamos de nenhuma manta, mas de algo que seria demasiado caro, inacessível aos nossos bolsos, já não sei se era uma casa ou uma grande viagem. A expressão foi utilizada por uma pessoa do centro do Caniço e, segundo me explicou, terá nascido nos tempos em que os adelos de Gaula percorriam a freguesia, vendendo mantas, lençóis, toalhas, tecidos, cobertores e tudo o mais para o arranjo da casa e sobretudo para o dote das raparigas.
Numa dessas passagem do adelo, enquanto se abriam colchas e mantas, e as raparigas largavam o bordado e se juntavam à volta desses objectos com cheiro a novo, olhando e cobiçando, alguém terá dito "A manta é linda, mas....", ficando subentendido o resto da frase "não tenho dinheiro para isso, é muito caro para o meu bolso." As expressões que o povo perpetua têm por vezes esta simplicidade desconcertante.

quinta-feira, agosto 27, 2009

dar e levar palha

No tempo em que o namoro se limitava a um jogo de olhares à distância, era muito comum os rapazes "levarem palha".
Iam pedir as raparigas sem sequer terem falado com elas, que remédio. Normalmente eram recebidos pelo pai da moça que os mandava voltar uma semana depois para saberem qual a resposta. Nesse entretanto, o pai transmitia à filha que fulano ou sicrano a tinha ido pedir e no caso de ela aceitar, quando o rapaz ia buscar a resposta já ficava para a ceia em casa da rapariga com quem passava a "andar para casar". Mas quando a rapariga não aceitava, porque tinha outro na ideia e no coração ninguém manda, o rapaz tornava-se alvo de chacota de todo o sítio: tinha levado palha.
No mesmo dia já todos sabiam da rejeição e divertiam-se lembrando o sucedido até á exaustão. Lembro-me de ouvir contar que um certo rapaz, desolado, vinha ainda no caminho de regresso da casa da rapariga, quando começou a ouvir os outros rapazes em alta gritaria, anunciando ao mundo: "Puuu, Puuu, Leva Palha. Puuu, Puuu, Leva Palha."
Um outro rapaz, também recusado pela jovem que o seu coração elegera, foi brindado no dia seguinte de manhã, com um longo carreiro de palha, estendida ao longo de toda a vereda entre a sua casa e a casa da rapariga. Todo o sítio ficou de imediato a saber tanto do pedido como da recusa da jovem e esse passou logo ao assunto do momento, passando de boca em boca a uma velocidade vertiginosa, e com pomenores acrescentados porque quem conta um conto acrescenta-lhe um ponto.
As raparigas mais bonitas e prendadas chegavam a ser pedidas por quase todos os rapazes do sítio, talvez à excepção daquele que de facto lhes interessava, porque a vida está repleta destes desencontros incompreensíveis. Tornavam-se especialistas em dar palha, enquanto esperavam e esperavam. Havia também as que davam palha por esquisitisse, colocavam defeitos em todos, ora isto ora aquilo, e por vezes acabavam por ficar sem nenhum, de pés amarelos o resto da vida.
Não sei a origem das expressões "dar palha" e "levar palha". Tratar-se-à de uma alusão aos burros, que comem palha? Sempre julguei ser esta a explicação, mas nunca a pude confirmar, é uma simples suposição minha.

quarta-feira, agosto 26, 2009

Os calitres

A bem mais de meio caminho entre a nossa casa e o centro da freguesia da Camacha, existia uma área com eucaliptos. Era logo a seguir à estrada do cemitério, quando esta se entroncava com a estrada principal, que começava a zona dos eucaliptos, quer num, quer no outro lado do caminho.
Muitas pessoas do nosso sítio, nos limites das serras do Caniço, optavam por ir à Camacha à missa, às festas, ao centro de saúde, ou às compras, porque o caminho era bem mais fácil de percorrer a pé do que a ligação ao centro da nossa freguesia.
As pessoas cruzavam-se no caminho, umas na ida, as outras no sentido inverso, já de regresso a casa, e mais tarde esses encontros eram comentados: - "Encontrei a Rosairinha quando se ia para a Camacha." - "Onde é que ela vinha?" - "Vinha nos Calitres".
Os Calitres. Sempre que passámos aí, tínhamos a tendência de apanhar bagas para jogar às pedrinhas, de preferência todas do mesmo tamanho. Eu também gostava porque cheirava a fresco, nessa altura nem sequer sabia o verdadeiro nome dessas enormes árvores. Todos diziam calitres, só os livros, mais tarde, traziam a palavra "eucalipto" em vez de calitre.
Voltei, recentemente, a ouvir a palavra calitre e revivi estas idas à Camacha, sobretudo aos domingos quando a seguir à missa era obrigatório dar umas voltinhas na Achada, na altura uma autêntica atracção, local onde se trocavam olhares que por vezes resultavam em namoro.
Deixei-me transportar até aos "calitres" da Camacha porque era esses que tinha na memória, mas a pessoa que utilizou a expressão estava na verdade a falar de uma zona do Caniço, um bocado depois da farmácia e um bocadinho antes do actual Centro de Saúde, na estrada que vem até às Figueirinhas. Não interessa que já não existam eucaliptos, que agora existam apenas apartamentos, aquela zona continua a ser "os calitres".

terça-feira, agosto 25, 2009

é uma consciência!

Este é um bom exemplo de uma expressão popular que significa exactamente o contrario. Quando se diz "É uma consciência", na verdade o que estamos a dizer é que é uma falta de consciência. Trata-se de uma forma de lamentar um facto ou uma situação difícil de comprrender, pois o inverso é que seria de esperar. É uma expressão que pode ser utilizada com propriedade, por exemplo, quando se vê alguém a esbanjar recursos em algo desnecessário, quando eles fazem falta para algo realmente importante.

Em tempos de crise, não só económica, mas cada vez mais também ao nível dos valores e das relações humanas, esta expressão poderia ser usada dezenas de vezes ao longo de um só dia. Só não se ouve essas vezes todas porque a linguagem falada evolui e as velhas expressões são substituídas por outras, novas.


sábado, agosto 22, 2009

para não morrer "afogado"

Antigamente, toda a gente levava muito a sério o facto de uma criança nascer com o cordão umbilical à volta do pescoço. Essa circunstância determinava de imediato o nome do bebé: se fosse Menina, chamar-se-ia Maria José; se fosse rapaz, o nome tinha de ser José Maria.
Ninguém colocava em questão este hábito antigo, se tivessem outro nome pensado, paciência, abdicavam dele e optavam pela junção mágica de Maria e de José, conforme o sexo da criança. O que era realmente importante, era garantir que a criança ficaria protegida e já não morreria "afogada".
As pessoas diziam "afogada" mas nesta utilização popular o adjectivo significa na realidade sufocada, numa alusão à imagem do cordão, rodeando o pescoço.
Numa época mais recente, a superstição simplificou-se e reparei em meninas com o nome José e rapazes com o nome Maria a seguir a outros nomes proórpios, Catarina ou Antonio, e tantos outros.
Com o tempo, a tendência será para esquecer completamente a superstição. Apercebi-me disso quando há dias assisti à conversa de um casal amigo, cuja filha nasceu com o cordão umbilical à volta do pescoço. O pai quer cumprir a tradição e colocar o nome José a seguir ao primeiro nome, mas a mãe não acredita nessas coisas e insiste noutra combinação.

domingo, agosto 16, 2009

primos filhos de irmãos

No adro da igreja, no espaço à frente do bazar e mais à frente junto às barracas, multiplicam-se os encontros proporcionados pelo arraial da paróquia.
É altura de rever as pessoas mais idosas, que por dificuldades várias já só se deslocam à igreja no dia da Festa, com a ajuda de familiares. É altura de rever pessoas que já não vivem no sítio, mas que voltam no dia da Festa da padroeira, e gostam de ir no dia seguinte apreciar o tapete do Senhor. É, sobretudo, altura de rever os emigrantes da terra, alguns vindos da "América", outros da Venezuela, mais outros da Austrália, alguns da Inglaterra...
Foi por entre os inúmeros encontros proporcionados pela Festa deste ano, que ouvi o seguinte esclarecimento: "Sêmos primos filhos de irmãos". A explicação, dada a alguém mais jovem que tinha perguntado se as duas pessoas eram familiares, prosseguiu para um nível mais elevado de precisão, as mães eram irmãs.
Sempre ouvi esta expressão, mas ali, no meio do arraial, com vozes e música misturadas, e cores e cheiros de espetada, e flores já estragadas pelo chão, pois a procissão já acabara, descobri-lhe um encanto diferente e decidi inclui-la nesta recolha.

sexta-feira, agosto 14, 2009

licor de amora



" - Sim, tudo bem. Olha, como é que se faz licor de amora?" Este era o único objectivo do telefonema e eu achei piada. Todos os anos recebo telefonemas a perguntar a receita de um licor qualquer. Sou a especialista dos licores entre os amigos.
E para todos os amigos do "Rabo do gato" aqui deixo então a receita que acabo de dar ao telefone. - "Deita meio litro de aguardente num frasco de boca larga. Depois pega nas amoras bem lavadas e deita-as lá para dentro. Não é preciso uma quantia certa, deita até ficarem ao mesmo nível da aguardente." Fecha-se o frasco e guarda-se até perto do Natal.
Nessa altura, faz-se uma calda com meio litro de água e meio litro de açúcar, que se deixa ao lume durante uns vinte minutos e depois se deixa arrefecer. Então, vai-se buscar o frasco com a aguardente e as amoras, coa-se o líquido, junta-se à calda e mistura-se bem. E pronto. Basta deitar numa garrafa bonita e servir às visitas da Festa. Fica uma delícia.

quarta-feira, agosto 12, 2009

ir ao mesmo pé de couve

"- Então foram ao mesmo pé de couve e não se viram?" Na verdade fomos foi ao cinema, no mesmo dia, no mesmo local e à mesma hora. Soubémos depois da coincidência e estávamos a comentar o facto, quando a minha mãe se saiu com a história do pé de couve.
"Era uma história que o Ti Germano contava...ou será que era o Ti Nóbrega? Já não sei quem era..." Tratava-se da história de dois homens que foram à serra apanhar couves no mesmo pé de couve e não se viram. "-Devia ser um pé de couve bem grande", observou a minha mãe, que não se lembra de mais nada da história. O que ficou foi a expressão "ir ao mesmo pé de couve", para estes casos em que as pessoas vão ao mesmo sítio, estão praticamente encostadas uma à outra, e sabe-se lá porquê não se vêem.

segunda-feira, agosto 10, 2009

um ror....

O "rabo do gato" faz hoje 5 anos e tem um ror de textos....Obrigada a todos os que visitam, comentam e divulgam este espaço. Espero continuar por muito tempo. Material não falta.

sábado, agosto 08, 2009

do forro

"- Eles são de lá do forro da Camacha." Do forro? Mas onde é que é isso? A minha curiosidade foi logo satisfeita com uma explicação e com a garantia de que esta expressão era muito utilizada antigamente, mas ao que parece apenas naquela zona do Pomar, nas serras do Caniço. "- O forro do casaco, por exemplo, fica escondido por dentro, não se vê..." - faço sinal que sim com a cabeça e não digo nada, não quero interromper - "então quando um lugar fica escondido diz-se que é do forro...percebes?"
Percebo sim senhora. Os sítios mais distantes de uma freguesia, os que ficam mais escondidos, são os do forro. - "Uma pessoa do Rochão, por exemplo, já é do forro da Camacha." Pois claro.

quinta-feira, agosto 06, 2009

fazer uma cadeia de fuzis

Uma amiga acaba de contribuir para este blogue com esta expressão que não me lembro de alguma vez ter ouvido, mas que a mãe dela dizia amiúde.
“Fazer uma cadeia de fuzis”, explicou-me “é quando alguém salta em cima de outra pessoa a desdizer o que ela afirma:” Precisando melhor: “É quando se diz algo que a outra pessoa não quer nem por sombras e nos contradiz com tal veemência que quase nos engole.”
Sempre que a mãe usava esta expressão, ela imaginava uma pessoa no meio das espingardas e nunca esqueceu a expressão. Obrigada pelo contributo.

quarta-feira, agosto 05, 2009

envergonhosa

"-Ela é muito envergonhosa." Ouvi uma avó referir-se assim à neta adolescente, bastante reservada. Utilizou "envergonhosa" em vez do adjectivo envergonhada, o que achei bastante curioso. Este fenómeno de transformar palavras acontece por vezes no falar popular. Já aqui referi o adjectivo "penosa", usado para se referir a alguém que tem pena das desgraças dos outros e tenta ajudá-los.
Como terão surgido estas metamorfoses? Talvez por associação com a terminação de outros adjectivos, como por exemplo curiosa. Não sei qual a explicação, limito-me a registar, a levantar hipóteses, e a deliciar-me com estas curiosidades nossas.

segunda-feira, agosto 03, 2009

para não criar

"- Olha que isso pode criar." Criar é a versão popular de infectar. Em causa estava uma espécie de bolha dolorosa no meu dedo indicador da mão direita, em consequência de um desejo repentino de terminar um tapete de arraiolos começado já nem sei há quantos anos.
Ao alerta de que a mazela podia "criar" seguiu-se a indicação do remédio tradicional para evitar a infecção, que eu não conhecia.
"- Mete um bocado na água bem quente, fervendo, que isso coze e já não cria." Registei o remédio mas não pus o dedo a cozer, pareceu-me mais doloroso do que porventura me está a doer agora. Se calhar fiz mal, será que devia ter dado mais importância ao aviso, será que isto vai mesmo criar?

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