sábado, janeiro 31, 2009

roupinha desabotoada

Um dos muitos ensinamentos que as futuras mães seguiam à risca era o de não guardarem a roupinha do bebé abotoada.
Faziam o dote muito pacientemente, com bordados e rendinhas, mandavam fazer as camisinhas na costureira, e iam guardando as peças com mil cuidados, numa gaveta da cômoda ou na "caixa do dote". Tudo desabotoado para não dar dar má sorte.
Será que ainda há quem guarde as roupinhas do bebé desabotoadas? Será que alguém ainda acredita nesta superstição?
Eu não percebo como é que a roupa abotoada pode trazer má sorte, não vejo razão possível. Mas guardei assim a roupinha da minha menina. Afinal, mal não faz e mesmo que também não faça bem, ao menos ajudei a atrasar um bocadinho no tempo o desaparecimento de uma tradição.

quarta-feira, janeiro 28, 2009

Cura de Ar

"Ar mau, ar frio, vai te embora daqui que isto aqui não é o teu lugar, que este corpo é muito pobre, não te pode sustentar. Vai para o mar, vai para a serra, que lá tem louro verde que contigo há-de ficar. Sou eu que te curo e Deus te sare, em louvor de Deus e da Virgem Maria e das três pessoas da Santíssima Trindade."
Anotei, junto desta reza, que a cura de ar é feita utilizando uma faca e um galho de louro. Não anotei mais pormenores, talvez porque na altura fossem óbvios e achasse desnecessário. Agora não me lembro muito bem mas acho que enquanto dizia a "cura de ar", a pessoa ia cortando com a faca o galho de louro. Na verdade, não sei se apenas fingia que o cortava ou se lhe ia dando mesmo pequenos golpes. Também não me lembro se a cura tinha de ser feita na presença da pessoa ou não.
Resta-me perguntar se alguém sabe de mais pormenores sobre a "Cura de ar". E aprender. Que a memória também se cansa e mais vale anotar os pormenores todos quando queremos fazer isto que eu quero: guardar e transmitir antigos ensinamentos populares.

terça-feira, janeiro 27, 2009

perder casamento

Ouvi a expressão "não vai perder casamento" e secretamente alegrei-me com o facto de as pessoas se habituarem à linguagem, e por conseguinte se esquecerem de a adequar à realidade dos tempos. Se o fizessem, com certeza que esta expressão estaria em vias de desaparecimento, seguindo os passos da instituição "casamento".
Esta expressão é um verdadeiro documento do passado, do tempo em que o objectivo de vida de toda a gente era casar e coitados dos que não o conseguiam.
O maior medo das raparigas era ficarem solteiras e por isso havia que ter cuidados redobrados, por exemplo, com a apresentação, com o comportamento, com as bilhardices, com qualquer coisa que pudesse afastar um possível pretendente. Quando já o tinham assegurado, não sendo essa a maior preocupação de todas, já podiam viver de forma um pouco mais descontraída.
Vejamos como é usada esta expressão:
Está uma pessoa pronta para sair, com um penteado de mau gosto, com uma roupa pouco apropriada, com um conjunto gasto, com uns sapatos fora de moda, com uma peça que não combina bem com o resto da indumentária, ou sei lá que mais, e perante uma chamada de atenção, eis que surge a constatação de que "não vai perder casamento". Portanto, o caso não é assim tão grave. Se estivesse ainda por casar, e em idade de aspirar a um pretendente, o caso mudaria completamente de figura e todos os pormenores de apresentação e comportamento passariam a ser relevantes.

segunda-feira, janeiro 26, 2009

o terçol

- "Então este é que é o terçol!?" Por entre sorrisos e cumprimentos entusiásticos, a palavra "terçol" surgiu naturalmente, quando apresentava o meu irmão mais novo a umas primas do lado paterno, cuja existência descobrimos recentemente num dos muitos acasos da vida. - "Sim, este é que é o terçol", exclamei, contente com os inesperados encontros que a vida se vai encarregando de nos proporcionar e também com aquela pequena palavrinha que não usava há tanto tempo.

O terçol é o mais novo da família e neste caso até é mesmo bastante mais novo. Não é difícil fazer um paralelo com o verdadeiro significado da palavra terçol, tal qual é usado de forma corrente e tal qual vem no dicionário de português e nas enciclopédias médicas. Esse terçol é uma pequena inflamação que surge no olho, com a forma de um pequeno grão. Nada de grave, mas sem piada nenhuma, dirá quem já teve um terçol. O que tem piada é esta inesgotável fonte de metáforas que vou encontrando a cada instante no nosso falar.


domingo, janeiro 25, 2009

andar de gancho

Era assim que os casais andavam antigamente. De gancho. Não andavam de mãos dadas, nem andavam abraçados, nem andavam separados como se não fossem nada um ao outro.
Lembro-me de os ver assim na rua, parecendo uma espécie de siameses. Nesta posição, de gancho, o rapaz e a rapariga eram obrigados a marcar passo, acertando-o ao mesmo ritmo. Não era possível que um fosse mais atrás e o outro mais à frente. Formavam no conjunto uma simetria perfeita. Mas o andar de gancho também limitava outros movimentos, era uma junção que se tornava demasiado estática. Ambos eram obrigados a olhar mais na mesma direcção do que um para o outro. Será que era também por isso que os relacionamentos duravam mais?

sexta-feira, janeiro 23, 2009

Proteger o chiqueiro

O porco azougou, o que é que se há-de fazer? Ainda estava para criar, mas custou caro, foi uma perca. O dono do porco lamenta-se, mas vai dizendo que não foi o primeiro, são coisas que acontecem.
Conversa puxa conversa e fico a saber que o chiqueiro não estava protegido com os objectos que antigamente eram obrigatórios para salvaguardar a saúde e a vida dos animais.
Não havia chiqueiro que não ostentasse os símbolos considerados eficazes para afastar o ar mau, o tal cuja passagem é assinalada durante a noite pelo uivar dos cães.
Para evitar que o ar mau impacesse com os porcos e estes azougassem, os antigos colocavam no chiqueiro uma cruz de alecrim, uma ferradura, um par de cornos. E também uma garrafa virada ao contrário, enfiada num pau. Lembro-me muito bem de ver estes objectos mágicos nos chiqueiros.
Mas o dono do porco que acaba de azougar não é supersticioso e ri-se desses antigos costumes, dessas baboseiradas. Não acredito que as cumpra quando puder voltar a comprar um porquinho para criar para a Festa. Aceita a Natureza como ela é, ora dádiva, ora desgraça, e segue poio abaixo, de enxada às costas e botas de água, para cavar as semilhas.

quarta-feira, janeiro 21, 2009

o ar mau

"Quando se ouve os cães uivarem de noite quer dizer que está a passar o ar mau".
Ouço os sons da noite nas minhas noites de insónia e lembro-me desta antiga crença popular. Mas não me mexo, continuo muito quieta, quero que o sono me queira, não o quero espantar, e deixo o ar mau seguir em paz o seu caminho.
Antigamente, quando as pessoas sabiam pelo uivo dos cães que o ar mau estava a passar, tinham o cuidado de virar uma coisa do avesso. Pegavam no que estava à mão, uma peça de roupa, ou por exemplo o barrete, e viravam-na do avesso, para afastar o ar mau. Em alternativa, podiam optar por virar um objecto ao contrário.

terça-feira, janeiro 20, 2009

semear salsa e plantar alecrim

Há duas superstições interessantes que relacionam a plantação destas duas espécies com a morte.
Sempre ouvi dizer que "quem semeia salsa fica viúvo". A tradição popular acrescenta o pormenor de a pessoa semear salsa e esta nascer. Se a salsa não vingar, então não há problema. Então como é que quase toda a gente tem salsa em casa, nas zonas rurais? É muito simples: a primeira vez é um pé que é plantado (não semeado) e depois é ir deixando a Natureza seguir o seu curso. As sementes caem ao chão e nesse mesmo local a planta vai se multiplicando. E pronto, ninguém fica viúvo.
No caso do alecrim, diz o povo que " quando uma pessoa planta alecrim e ele pega, essa pessoa morre. Então como é que há tantas pessoas que tem alecrim à porta? Normalmente são as "lampas" utilizadas nos Santos Populares que acabam por pegar e nesse caso, como não era essa realmente a intenção, então a pessoa já não morre, que alívio. Durante o São João e o São Pedro é costume enfeitar as casas com louro, murta e alecrim, plantas consideradas "bentas" ou "lampas", como se diz na minha região. Muitas vezes os galhos são metidos nos vasos de plantas que costumam ficar junto às casas.

segunda-feira, janeiro 19, 2009

Comichão na sola do pé

Sentir comichão na sola do pé augura a realização de uma viagem.
Mas atenção: se for na sola do pé direito "é uma viagem boa e sem se esperar"; se for na sola do pé esquerdo é uma viagem má.
Não me lembro de ter sentido comichão nas solas dos pés. Mas adoro viajar e por isso vou passar a estar atenta à possível comichão na sola do pé. Do direito, claro. O pormenor do inesperado torna a hipotética viagem ainda mais apetecível.

terça-feira, janeiro 13, 2009

meter ao cote

Noutros tempos, seriam roupas para "meter ao cote". E agora?
Se não estão em boas condições para sair, acho que também não estão em boas condições para dar. Deitar no lixo, nem pensar. O ideal, mesmo, era fazer como antes e meter ao cote. Meter ao cote era meter a andar em casa e era isso que toda a gente fazia com a roupa que ia ficando mais usada.
Hoje em dia ninguém tem tempo para estar em casa, que sentido faz meter as roupas ao cote? Em que tempo se andaria com elas?
Os tempos estavam todos tão bem diferenciados no tempo em que era possível meter roupas ao cote. Havia as idas à missa, havia as idas à cidade, havia as idas a casa de alguém conhecido, havia as idas à mercearia, havia o tempo para fazer as tarefas domésticas, para ir apanhar erva aos animais, para tratar do jardim, e para trabalhar. Tudo tão bem diferenciado, que as roupas se podiam colocar numa escala. As melhores para ir à missa e à cidade, as assim-assim para ir dar uma volta e as mais gastas para "andar em casa", para o cote.
Agora está praticamente tudo dentro do mesmo saco. Os momentos praticamente dentro de um só. E assim sendo, não é apenas uma expressão que se está a perder. Quando também o tempo se globaliza perdem-se todos os tempos mais pequenos de que era feito o tempo.
Deixando de lado as filosofias, que hei-de fazer com aquilo que já não é possível meter ao cote, afinal?

segunda-feira, janeiro 12, 2009

Quem dá...

Um provérbio que acabo de descobrir nas minhas recolhas antigas:

"Quem dá com a mão, fica com o seu quinhão".

Muito bem visto, sim senhor. E mais comentários não faço porque não é preciso.

sábado, janeiro 10, 2009

Requerimentos e despachos

Nestes primeiros dias de Janeiro, o povo andava sempre muito atento ao estado do tempo. Todos os dias as pessoas olhavam para o céu e para o mar com redobrada curiosidade e às vezes ficavam contentes, às vezes ficavam preocupadas. O assunto era de tal maneira importante que todos os pormenores eram comentados entre familiares, conhecidos e vizinhos.
Segundo a tradição, é possível nestes primeiros dias do ano, a partir destas simples observações empíricas , fazer algo espantoso, algo que nem a mais evoluida estação meteorológica consegue fazer. Nos primeiros dias de Janeiro, diz a experiência popular, consegue-se prever o estado do tempo para todos os meses do ano.
Nos primeiros 12 dias do ano, é altura dos "requerimentos", uma dia para cada mês, seguindo a respectiva ordem do calendário. Nos 12 dias seguintes, começam a sair os "despachos". O tempo que faz nos primeiros doze dias, é aquilo que cada mês está a pedir, mas o veredicto só se fica a saber com os despachos. Esses é que contam, tal como nos tribunais.
Este sábado, dia 10, é o requerimento do mês de Outubro, mas o despacho só se ficará a saber no dia 22 de Janeiro. De modo que o podo andava o mês todo com extrema atenção ao tempo. Cada ameaça de chuvisco merecia um comentário; um vento fora do normal também, um dia excepcionalmente quente dava que falar e etecetera e tal.
Do estado do tempo dependeria em grande medida o sucesso das cultura e quase todos viviam da terra. Por isso serão poucos os que hoje ainda se lembram disto e dão redobrada atenção atenção ao tempo durante este primeiro mês do ano. Infelizmente.

quinta-feira, janeiro 01, 2009

uma nota dentro do sapato esquerdo

Não sabia, confesso. Não sabia dessa maneira de atrair dinheiro para o ano novo.
Momentos antes da meia-noite, quando todos olhavam o céu na expectativa de ver rebentar os primeiros foguetes, alguém ao meu lado dizia ter colocado uma nota dentro do sapato esquerdo, como parece que muita gente faz e eu não sabia. Mais um pormenor: é preciso calcar com esse pé três vezes no chão, como garantia de o dinheiro estar bem seguro.
Uma senhora, um pouco atrás, dizia tratar sempre de ter a carteira bem recheada na passagem de ano. Sempre. Acho que alguém acrescentou que preferia ter o dinheiro na mão, à meia-noite, como método para ter boa sorte na parte financeira.
Mais minuto, menos minuto, o fogo de artifício encheria o céu e limitei-me a sorrir. Reconheço que não conhecia essas superstições e estou contente por poder registá-las neste espaço. O resto, será o que for.

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