segunda-feira, outubro 27, 2008

Conversa e pão branco

"Conversa e pão branco fazem é fome." Este dito é mais velho do que o norte e verdadeiro até ao sul.
Muita conversa não leva a lado nenhum se a conversa não for acompanhada pela acção, na dose certa.
O pão branco é pouco substancial, deixa um buraco na barriga, a pedir mais comida. O povo estava acostumado ao pão preto e apercebeu-se logo da diferença, embora o pão branco beneficiasse da vantagem de ser novidade e de antes estar acessível só às classes mais altas.
Dispenso o pão branco. Gosto do escuro. De centeio ou seja lá do que for. Gosto do pão integral. Do pão de lenha. Do pão de centeio. Do pão preto.
Não dispenso a conversa. Adoro conversar. Gosto de palavras. Gosto de ideias. Gosto de conversas que se constroem sem as pessoas se aperceberem, como um tecido onde todas as linhas têm lugar reservado num tear imaginário.
Mas.
Concordo com o ditado mais velho do que o norte e verdadeiro até ao sul.
Gosto de conversa na medida certa.

terça-feira, outubro 14, 2008

Minha avó do Pico Ló

Minha avó do Pico Ló
Fez um bolo e comeu só
Não deu nada ao seu netinho
Bem gulosa é minha avó

Repetíamos esta lengalenga mas ela nunca deixava de nos parecer estranha. Como era possível uma qualquer avó fazer um bolo e nada dar ao seu netinho? Esta lengalenga, aprendida e repetida vezes sem fim na infância, era a antítese das avós que tínhamos e de todas as outras que conhecíamos.
As avós dão tudo aos netinhos, preferem ficar sem nada para elas. As avós fazem bolos de propósito se os netinhos gostarem de bolo. Fazem bolos e deixam-nos numa prateleira da cozinha para que o seu cheiro atraia os netos e depois ficam à espera da visita como quem espera por uma festa.
Lembro-me da lengalenga da avó do Pico Ló e vou me ocupando com estes pensamentos, enquanto a avó mais bonita do mundo me mostra o bolo doce feito à noite, na hora das novelas, prevendo que os netos talvez aparecessem no outro dia. A minha mãe faz bolos de propósito para os netos e, tantos anos depois, a lengalenga da Avó do Pico Ló continua a parecer-me absurda.

terça-feira, outubro 07, 2008

O enchimento da senhora

Encontro uma colega de escola que não via há muito tempo e ficamos a conversar no meio da rua. Rimos. Perguntamos por colegas comuns. Fazemos um ponto da situação das nossas vidas. Despedimo-nos sorrindo.
Quando nos afastamos, cada uma numa direcção, vou pensando comigo mesma que é surpreendente ela ter tantas rugas. Mas depois lembro-me que talvez ela tenha ficado a pensar a mesma coisa e apetece-me ir a correr para o espelho assim que chegar a casa, afinal somos da mesma idade.
Somos sempre melhores a ver a realidade dos outros: as rugas, os quilos a mais, os cabelos brancos e principalmente os defeitos.
Ocorre-me então este velho ditado, que a minha mãe gosta muito de usar em situações como esta: "Só quem está por fora é que vê o enchimento da senhora."

quinta-feira, outubro 02, 2008

O vinho e o vinagre

"Quanto melhor o vinho, mais forte o vinagre."
Deparo-me com este provérbio, por entre muitos outros, numa lista que recolhi e organizei em 1986. Sorrio. Já não me lembrava deste em concreto.
Continuo a olhar para a minha letra pequena e redonda de há vinte anos, a letra pequena e redonda que registou todas as palavras deste provérbio e fico a pensar em como ele é verdadeiro.
Quando mais gostamos é quando mais somos capazes de odiar. Quanto mais qualidades vemos numa pessoa, mais ela nos decepciona quando nos mostra o seu lado obscuro. O povo explicou tudo nestas breves palavras. "Quanto melhor o vinho, mais forte o vinagre".

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