sexta-feira, novembro 30, 2007

Deita no chão

- "Não podes, deita no chão."
Fui apanhada de surpresa por esta expressão que não ouvia há bastante tempo.
Afinal, ainda se utiliza, ainda bem! É uma forma popular de reagir a alguém que esteja a cramar. As pessoas por vezes cramam dizendo: - "Não posso."
A resposta surge prontamente: "Não podes, deita no chão".
Antigamente, as pessoas fartavam-se de carregar coisas às costas. Carregavam molhos gigantescos de erva para os animais e de lenha para alimentar o lar, carregavam pedras e outros materiais para construírem as casas em sítios inconcebíveis, carregavam os aguadores de água da fonte. As pessoas carregavam tudo, durante longas distâncias e por caminhos estreitos e íngremes.
Quem foi desse tempo, não pode deixar de responder assim perante alguém que diz "não posso" e não carrega nada, afinal. Não tem peso físico nenhum sobre os ombros e os pesos morais ou existenciais parecem ridículos aos olhos de quem já passou por dificuldades sem conta possível.
- "Não podes, deita no chão." A expressão é acompanhada por um encolher de ombros, seguido da continuação precisa daquilo que estava a ser feito.
E este desimportado "Não podes, deita no chão", assim sem mais nada, obriga-nos a reflectir. Talvez não seja necessário. Talvez não haja realmente nada para deitar no chão.

terça-feira, novembro 27, 2007

Daqui até amanhecer

Das muitas quadras populares que fui anotando nas minhas recolhas, alguns ficaram-me na memória, e surgem às vezes do nada, no meio de uma qualquer distracção. Esta é uma delas e o motivo é talvez o de me ter sido dita pela minha querida avolita.
Os dois primeiros versos servem para arrematar quantas cantigas se queira no brinco, no despique, ou no xaramba.
"Quantas horas se não vão daqui até amanhecer." O início está feito, agora é juntar-lhe dois versos com a métrica adequada, sete sílabas, e no final uma palavra que rime com amanhecer. Claro que o processo é sempre ao contrário: sabendo o que quer dizer, o cantador ou cantadeira procura na memória algo que encaixe ali bem e eis que encontra esta frase tão antiga como os avós de todos os avós.
A quadra que por vezes me aparece do nada, no meio de um qualquer distracção, talvez por me ter sido dita com um carinho extremo, pela minha querida avolita, é assim:

"Quantas horas se não vão
Daqui até amanhecer
Todo aquele que faz bem
Nunca s' há-de arrepender."

A minha avolita acreditava piamente naquilo que me disse, em jeito de conselho, na cantiga inventada de repente, num dos momentos em que cheguei junto dela, na sua cadeira de vimes estrategicamente colocada junto da janela, de caderno e caneta na mão, e lhe pedi para se lembrar de algumas cantigas.
Ela acreditava e eu também ainda acredito. Embora tenha perdido a conta às muitas vezes em que a vida já me tentou ensinar o contrário. Na verdade, a vida não tem culpa de nada. São as pessoas com quem nos vamos cruzando, porque todos os caminhos se cruzam com outros caminhos, formando encruzilhadas às vezes com aparência de nenhum sentido, na verdade são as pessoas que às vezes nos fazem duvidar.
Mas a minha avolita acreditava e ela tinha um sorriso tão imensamente luminoso e terno, era tão bonito acreditar. Na cara da minha avolita o acreditar mostrava que tinha razão e era tão bonito."Todo aquele que faz bem/nunca se há-de arrepender." Eu vou teimar, avolita.

quarta-feira, novembro 21, 2007

Em casa onde não há pão....

"Em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão." Lembrei-me de como este ditado é verdadeiro ao presenciar recentemente o desânimo dos funcionários de uma instituição, confrontados com o facto de serem obrigados a pagar as chamadas telefónicas que haviam sido feitas para resolver assuntos relacionados com o respectivo serviço. Tristeza, revolta, indignação, explicações cruzadas no ar.
A crise está em toda a parte e não cuida de nós. Cuida é de nos atormentar a todos. Além das poupanças em casa, dos cêntimos contados todos os meses, das opções que nem sempre agradam a todos os membros da família, existe essa outra poupança, com regras que nem sempre são compreensíveis, com opções que muitas vezes são no mínimo espatafúrdias, porque ninguém percebe o critério.
"Em casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão." O velho ditado, curvado e de barbas compridas, muito brancas, rejuvenesce. A crise mantém-no como novo, cada vez mais novo.

terça-feira, novembro 20, 2007

Adivinha

Três cada dia
Cada dia três
Uma vez cada ano
Quatro cada mês

Recolhida a 09-07-1986

Solução:

Refeições
Benzer-se
Confissão
Missa

Assobiar o São João

Por vezes assobiava. Mas assobiava tão mal, tão fora do tom, que ninguém conseguia reconhecer os temas musicais. Mesmo assim, João assobiava.
Este é o mesmo João da história anterior, aquele que não sabia se devia comprar um carro ou um olho-de-boi.
Um certo dia, alguém perguntou-lhe: - "O que estás assobiando?" Ele não demorou a responder. Decidido: " - O São João."
Acontece que tais assobios nem de perto nem de longe faziam lembrar a popular cantiga e o caso voltou a ficar na história.
Pessoa que assobie mal, não se livra, no meu sítio, da possibilidade de alguém a interrogar? "- Estás assobiando o São João?" Por vezes, como há tempos ouvi num diálogo entre uma tia minha e o meu pai, que assobiava enquanto cavava, vão mais ao pormenor. - "O que estás assobiando? É o São João?"
Eu nunca tive voz afinada para cantar nem jeito para assobiar. Mas às vezes apetece-me tentar só pelo prazer de talvez ajudar a preservar uma expressão que com o tempo inevitavelmente acabará por cair no esquecimento, como todas as outras.

segunda-feira, novembro 19, 2007

Um carro ou um olho-de-boi?

"- Não sei se compre um carro ou um olho-de-boi!"
Não cheguei a conhecer o autor desta frase que ficou na história e ainda hoje é usada no meu sítio. Era um rapaz com problemas de desenvolvimento intelectual, uma dessas figuras de quem a sorte se esquece e que sobrevivem num mundo à-parte, sem autonomia e sem a percepção da realidade que os envolve.
Por ser assim - as pessoas da altura chamavam-lhe "tontinho", de forma natural e sem qualquer desmerecimento ou descriminação, aceitando a diferença - João não trabalhava nem tinha dinheiro.
Mas tendo num belo dia alquidado alguns trocos, terá exclamado, na indecisão do que fazer com o dinheiro: - "Não sei se compre um carro ou um olho-de-boi!"
O rapaz não tinha a noção do valor do dinheiro e sentia um grande fascínio por olhos-de-boi, adorava esses objectos mágicos capazes de, ainda que de forma tão ténue, vencer a escuridão do mundo.
A fase sobreviveu-lhe. É utilizada para ilustrar situações de indecisão, mas bizarras, por ser demasiado óbvio aquele que deve ser o objecto da escolha, quando a questão nem se deveria colocar.

sábado, novembro 17, 2007

Ponto dado.

Fora um breve instante de distracção, breve muito breve, apenas o tempo de receber as visitas - duas vizinhas - no canto do terreiro e de as encaminhar para a sala de estar. Um breve instante mas suficiente para o homem ter desaparecido. A mulher quer perguntar uma coisa qualquer ao marido e não o encontra.
- "Mas ele estava cavando no poio, mesmo indágora, onde será que se meteu?" Após mais alguns chamamentos e um investigação muito sumária, ficou provado que o homem se ausentara para a venda com um amigo, que entretanto lhe passara à porta. Tinham caminhado, sorrateiramente, sem ninguém dar por isso.
A mulher atormenta-se com a ideia de o marido ter saído de casa sem lhe dizer nada, ofendida como se fosse a primeira vez. Atormenta-se com a ideia de ele ter caminhado para ao pé de gente com a roupa de trabalho, num terriço. Atormenta-se sobretudo com a ideia de lhe chegar tarde a casa e com uma bebedeira pela certa.
Comentam o caso, as três mulheres. Um pouco angustiada, um pouco resignada, a dona da casa exclama. "- Decerto que já estava ponto dado." - "Àme não!" - Concordam as outras duas.
"Estar ponto dado" é as coisas estarem previamente combinadas, haver um acordo, uma intenção específica por detrás de uma acção, ao invés de as coisas acontecerem por mero acaso.

sexta-feira, novembro 16, 2007

Embeiçado

" - Estou embeiçado!" A expressão foi dita em tom de lamento mas de alguma forma resignado. O mês estava ainda muito no início mas o senhor, agricultor reformado, não mentia ao dizer que estava sem dinheiro. Encolheu os ombros. Paciência!
"Estar embeiçado" é cada vez mais o pão nosso de cada dia, para um número cada vez maior de pessoas. O dinheiro rende cada vez menos, não rende nada, desaparece como num número de ilusionismo. Com a diferença de que no ilusionismo as coisas voltam a aparecer.
O velho, cansado, repete: " - Estou embeiçado!" E di-lo com a naturalidade com que diria que está sol, ou que a chuva seria bem-vinda, ou que lhe doem as canelas e as arcas mas vai fazer o possível para ir à missa no domingo.
Ia dizer-lhe que também estava "embeiçada" mas. Mas. Sabendo o valor da mísera reforma do homem, não tive coragem.

quarta-feira, novembro 14, 2007

Milho cozido com bacalhau assado

Lembro-me às vezes de uma moda que estava muito em voga na minha adolescência. Reparávamos que alguém olhava para nós de forma mais demorada e logo ripostávamos: - "Nunca me viste? Burro me saíste."
A moda estava de tal forma na moda que durante um único dia talvez repetíssemos a expressão dezenas de vezes. E não era necessário que os olhos da outra pessoa se demorassem em nós mais do que alguns segundos.
Na juventude dos meus pais, contaram-me, tinha havido a mesma moda. Mas a resposta é que era diferente. " - Nunca me viste? Não sou milho cozido com bacalhau assado."
A quadra que coloquei no último post é precisamente dessa altura. "Não olhes p'ra mim não olhes /qu'eu não sou milho cozido..."
Eram tempos extremamente difíceis e a alimentação baseava-se no milho cozido, às vezes com peixe para acompanhar, muitas vezes sem nada, às vezes com ameixas ou um bocado de cebola a servir de conduto. Era o comer dos pobres e ainda assim muitos nem isso tinham e andavam pelas casas a pedir. Milho cozido com bacalhau assado era uma rica iguaria para a época, uma iguaria de fazer crescer água na boca. E assim está explicada a expressão mais antiga, substituída pela outra na geração seguinte, numa época em que as pessoas, em geral, viviam já com bem menos necessidades em matéria da alimentação.

Milho cozido

Não olhes p'ra mim não olhes
Qu' eu não sou milho cozido
Eu não sou do teu agrado
Nem tu és do meu sentido

Quadra recolhida na Ribeira dos Pretetes, no dia 25-01-1987

Moquenca e conenga

Estas duas palavras são mais ou menos sinónimas e aplicam-se na caracterização de pessoas por natureza quietas.
Mas há uma pequena diferença - que eu considero grande - entre elas.
"Moquenca é uma pessoa quieta mas ranhosa, fechada consigo mesma" - explicam-me.
Conenga também é uma pessoa quieta mas, ao contrário da primeira, o sentido não é negativo.
A minha mãe sorri. Lembra-se de que a chamavam "conenga" quando era criança. Era uma espécie de alcunha: "De repente, iam ver onde é que eu estava, e encontravam-me num canto, agachada, toda metida dentro do vestido de chita. Estava ali, enconengada."
Sorrio também. Conenga. Imagino-a dentro do seu vestido de chita, escondida num canto, dentro do seu pequeno mundo, e sorrio. E o meu sorriso é de uma ternura sem tamanho.

Quem ao longe vai casar....

É o provérbio mais longo que conheço e diz exactamente assim: "Quem ao longe vai casar ao perto tendo com quem ou vai ficar enganado ou vai enganar alguém."
A conclusão resulta do senso comum, e de uma época em que as comunicações se faziam com dificuldade. Aquilo que existia era aquilo que se via. A realidade era o que estava à volta das pessoas.
Sendo assim, nada mais natural do que os casamentos acontecerem entre pessoas que se conheciam desde sempre. Muito raramente se realizava um casamento entre um rapaz e uma rapariga de freguesias diferentes. Normalmente, aliás, nem saíam dos limites do seu sítio.
E isso é claro que tinha as suas vantagens. Todos conheciam os vícios e as virtudes de todos. Sabia-se se a rapariga era sossegada ou levantada. Sabia-se se olhava para todos nos arraiais e, aos domingos, no adro da igreja.
Sabia-se se o rapaz era amigo de trabalhar ou se gastava tudo na bebida. Sabia-se se tinha mania de namoradeiro. Sabia-se se era ajuizado.
Sabia-se tudo e isso era mais de meio caminho andado para o relacionamento resultar.
Como saber se os de longe eram honestos ou vadios? Como saber se tinham casamento apalavrado na sua terra? Como saber se tinham algo de seu? Como saber se eram amigos de ir à missa? Perante tantas dificuldades, a solução estava bem à vista: namorar, noivar e casar com alguém de perto.
Na era da internet, do telemóvel, do automóvel e das low coast, já não se pode falar em dificuldades de comunicações. O que é raro, hoje em dia, é namorar com alguém do mesmo sítio, alguém que se conhece desde sempre. Talvez seja mais arriscado. Talvez. Mas no que a relacionamentos diz respeito, é tudo tão complexamente complexo que vai dar ao mesmo. Pode dar e pode não e às vezes o que parece mais certo é o que dá mais errado, ora aí está. Como diria a minha querida avolita: "É um acerto".

terça-feira, novembro 13, 2007

À hora da ceia

O meu amor ont' à noite
Chegou era nove e meia
É o costume qu' ele tem
De chegar à hora da ceia

Quadra recolhida no Sítio da Ribeira dos Pretetes, Caniço

Casamento demorado, casamento do diabo

Antigamente as pessoas "andavam para casar" em média durante dez anos. Por isso, sempre tive dificuldade em perceber este ditado sobre os noivados demasiado longos.
Mas é claro que o tempo é muito subjectivo e o que hoje parece ser muito, naqueles tempos podia parecer pouco.
Questiono os antigos sobre o período considerado ideal para o noivado. A mulher responde: "Andámos para casar oito anos, mas eu gostava de ter andado mais tempo."
E o homem: "Andava-se para casar tantos anos mas guardava-se o respeito, não era como agora."
"Casamento demorado, casamento do diabo." Insisto em encontrar uma lógica para o ditado, mas não progredimos muito. Falam-me de um homem que "andou para casar a vida toda e nunca de casou." E perdemo-nos, embrenhados noutras histórias verdadeiras.

segunda-feira, novembro 12, 2007

Quem boa cama faz....

"Quem boa cama faz, em boa cama se deita."
Lembrei-me deste ditado porque de certa forma é parecido com "rompe-se o pano ao gosto do seu dono". Ambos nos falam da responsabilidade pelos nossos actos. Ambos nos lembram que tudo o que fazemos tem consequências. Que mesmo demorando muito, às vezes demora, o que fazemos acaba por a nós retornar.
Quem boa cama faz, em boa cama se deita. É claro. Simples. Óbvio.
Mas na teia das inúmeras injustiças do mundo, há quem nem sequer mexa um dedo para fazer a cama e tenha sempre uma boa cama onde se deitar. Até.
Até ao dia em que.

domingo, novembro 11, 2007

Amarrar o sol à lua

S' eu quisesse bem podia
Fazia o dia maior
Amarrava o sol à lua
C'as pontas do meu lençol

S' eu quisesse bem podia
Fazia o dia pequeno
Amarrava o sol à lua
C'um baracinho de feno

Quadras recolhidas no Sítio da Ribeira dos Pretetes

Quando os galos tiverem dentes

Toda agente sabe que os galos não têm dentes. Melhor dizendo: toda a gente sabia. Porque antigamente não havia família do campo que não tivesse um pequeno galinheiro ao lado da casa, com alguns exemplares de galos e galinhas, frangos, frangas e bisalhos, todos de grande utilidade na economia doméstica.
Toda a gente sabia que os galos não têm dentes e por isso toda a gente entendia esta frase, que é apenas uma forma mais complexa e figurada de dizer "nunca".
Gosto muito mais desta expressão do que da outra que lhe é sinónima: "no dia de São Nunca à tarde".
Gosto de dizer e gosto de ouvir dizer: "Quando os galos tiverem dentes". É verdade que ninguém sabe o futuro, mas há coisas em relação às quais posso usar, com toda a convicção, a velha expressão popular, que toda a gente percebia na perfeição no tempo em que era normal ter um galinheiro junto à casa.

sábado, novembro 10, 2007

Rompe-se o pano ao gosto do seu dono

Sempre ouvi este dito mas nunca lhe dei grande atenção. É necessário ter alguma maturidade para entender plenamente algumas máximas. Agora, sim. Compreendo.
Trata-se de um antigo ditado sobre o nosso poder de escolha, sobre o poder de tomarmos decisões que mudam a nossa vida. Este ditado refere-se a algo tão simples como isto: somos responsáveis pelas nossas acções.
Embora muitos factores já lá estejam, é claro que muitas coisas não dependem de nós, há sempre uma parte que nos cabe tecer com as nossas acções. Rompe-se o pano ao gosto do seu dono. Aquilo que sucede nas nossas vidas depende em grande parte daquilo que dela vamos decidindo fazer em cada momento que passa. E ainda bem!

Eu andava p'ra casar

Eu andava p'ra casar
Roubaram o meu rapaz
Paciência, não me importa
Que no mundo há-de haver mais


Eu andava p'ra casar
Roubaram-me a rapariga
Paciência, não me importa
Tenho outra mais minha'amiga

Cantigas do brinco, recolhidas em 1986

Pelo mar abaixo

Mais uma cantiga da infância. Recordo-a com um sorriso pequenino e com uma alegria grande.

Pelo mar abaixo
Vai um tentilhão
Abanando o rabo
Dizendo que não

Pelo mar abaixo
Vai um tintonegro
Abanando o rabo
Dizendo que tem medo

Pelo mar abaixo
Vai uma papinha
Abanando o rabo
Fazendo caquinha

Pelo mar abaixo
Vai uma panela
S' ela leva caldo
Vamos atrás dela

Pelo mar abaixo
Vai um tabuleiro
S' ele leva bolo
Leva o meu brindeiro

sexta-feira, novembro 09, 2007

C'o balaio da graça!

Nalgum tempo - a minha avolita dizia assim e apeteceu-me dizer também - esta expressão era usada sempre que se estava perante uma piada daquelas que não têm assim muita piada. É uma forma de ironia, pelo menos é assim que a interpreto.
Durante muito tempo não soube o significado de balaio, mas nunca tive dúvidas de que seria algo grande. Traduzindo poderia ficar assim: "Que grande piada!"
Um balaio é um cesto grande, com feitio de alguidar, é então o tamanho que justifica a metáfora.
Dizer "c'o balaio da graça!" é uma forma de dizer directamente à pessoa que aquela graça, seja ela qual for, afinal não é assim tão engraçada. Mas também não é nada de negativo, não há aqui qualquer drama, não senhor.
É simplesmente uma pequena ironia, clara e óbvia porque do conhecimento de todos. Ficaria eu bem contente se tudo o que nos é dito o fosse desta forma. Com subtileza de uma metáfora, mas ao mesmo tempo com a clareza característica da tradição mais genuinamente popular.

quinta-feira, novembro 08, 2007

Lavar a cabeça a burros

Há muito pouco tempo, surpreendi-me a utilizar esta expressão mais velha do que o norte: "Lavar a cabeça a burros é perder tempo e sabão."
Lembro-me de como este dito me fazia confusão quando eu era criança. Não percebia o seu alcance. Imaginava um burro de verdade e uma pessoa a lavar-lhe a cabeça com sabão azul, que era o que então se usava para lavar a cabeça, e ficava confusa.
Aprendido o significado à custa da experiência, considero a expressão uma espécie de desistência. É utilizada para ilustrar a perda de tempo que é tentar fazer com que algumas pessoas compreendam determinadas coisas, normalmente óbvias.
"Lavar a cabeça a burros é perder tempo e sabão." Porque algumas pessoas se recusam a tentar compreender e não admitem a hipótese de mudar de ideias, mesmo quando lhes é demonstrado por todos os meios e mais alguns que não têm razão.

Dentes ralos

Segundo a tradição popular, detectar um mentiroso é muito fácil. Basta reparar nos dentes da pessoa em causa. Se forem ralos, estamos perante um mentiroso, sem a menor dúvida.
Não sei em que se terá baseado o povo para chegar a esta conclusão. O certo é que o método é seguido há muitas gerações e deve ter algum fundamento.
"Quem tem dentes ralos, é mentiroso."
Só tenho pena é que esta regra não delimite de forma clara e definitiva todos os mentirosos. Nada, na tradição popular, garante a não existência de mentirosos entre as pessoas de dentes perfeitamente juntos e alinhados.

segunda-feira, novembro 05, 2007

Mentir como sete sapateiros

São inúmeras as comparações usadas pelo povo para facilitar a compreensão da ideia que se quer transmitir. Eis mais uma, que acho curiosa sobretudo por estar hoje desactualizada. Antigamente, uma pessoa que tivesse por hábito mentir muito, mentia como sete sapateiros.
Acontece que nessa época os sapatos eram feitos de encomenda nos sapateiros e estes não tinham mãos a medir. A pessoa ia fazer a encomenda, tirava as medidas, escolhia o modelo e depois o sapateiro dizia-lhe que fosse buscar os sapatos ou as botas em tal dia. Mas muitas vezes, chegado dia marcado, a caminhada por veredas e levadas até à casa do sapateiro revelava-se em vão.
Foi assim que os sapateiros ficaram com fama de mentirosos. E assim terá surgido a comparação. Hoje há uma sapataria em cada esquina e os sapateiros não tiveram remédio senão desaparecer. O que não falta, bem mais do que um por esquina, são mentirosos. Gente a mentir como sete sapateiros é o que mais se vê por este pobre mundo.

Ramos de peste

"Ninguém se fie nos homens
Nem na camisa qu'eles veste
Por onde eles vão passando
É como ramos de peste"

Recolhido no Sítio da Ribeira dos Pretetes, Caniço, em 1987

Desbragalhada

"- Estás toda desbragalhada, pequena." Mas a pequena não reconheceu o termo. Depois de explicado, deu aos ombros e não ligou. Afinal estava vestida de forma bem moderna e ao seu gosto. Umas calças de ganga "à pirata", uma T-Shirt encarnada com desenhos pretos, um pouco larga por fora das calças, umas sapatilhas e um casaco de ganga com rasgões aqui e ali.
- "Estás toda desbragalhada, pequena!"
Desbragalhada é mal arranjada, explicou a avó, enquanto a neta se distraía com a paisagem, pouco ralada com o comentário, melhor dizendo com a crítica. Deste pequeno confronto de gostos e de gerações, retive o adjectivo. Debragalhada. Talvez venha da palavra braga, que significa calções largos. Talvez, não sei.
Achei piada ao termo, tal como acho piada a estas diferenças de gosto, às vezes mais subtis, às vezes mais marcadas, entre avós e netas. Lembro-me de ter passado pelo mesmo com a minha avó e das memórias que tantas vezes evocava. memórias do tempo em que era proibido ir à missa "de maga curta", pior ainda se fosse"de manga rolada" ou de cabeça destapada, ou de saia curta.

Piorno e fel

Não sei qual a comparação mais acertada. Sei que a tradição popular tanto usa uma como a outra. Perante algo bastante amargo, para reforçar a ideia, diz-se: "É amargo como fel" ou "É amargo como piorno".
Piorno é um erva que, para sincera, não sei reconhecer. Também a verdade é que aos poucos até o verde das ervas daninhas nos vão roubando. No lugar das ervas, cada vez há mais cimento, de modo que o mais certo é um dia as pessoas deixarem de reconhecer seja que erva for.
Perante esta dupla possibilidade, o piorno ou fel, hesito. Não sei qual a comparação mais acertada para classificar alguns sentimentos a que ninguém consegue escapar, vá lá que chega a todos, mais dia menos dia. Por isso, uso as duas: Amargo como piorno. E. Amargo como fel.

domingo, novembro 04, 2007

Faiscando!

"Olha como 'tá ficando bom. 'Tá faiscando!" Como o braço esticado apontava para poios e bardos, sobranceiros a um pequeno ribeiro.
Uma parte estava ainda cheia de matagueira, na maioria silvado e corriolas bravas, tudo emaranhado. Mas a parte que já estava limpa, dava gosto ver.
O lavrador sorria com satisfação: "'Tá faiscando!" Faiscando vem de faísca e usa-se precisamente para algo que faz faísca. Mas no caso que agora relato faiscando tem o sentido de limpo, bem arranjado. Talvez tão limpo que até brilha, talvez se justifique assim a aplicação do adjectivo.
Talvez. Por agora não posso pensar mais no caso, preciso de deixar a casa faiscando.

Insulto

De manhã cedo
Antes de lavar o rosto
Olho p'ra tua cara
E até me dá um desgosto

Quem fez a tua cara
Com certeza se esqueceu
Que uma cara igual à tua
Faz sucesso no museu

Ó...Ó....Ó
Que cara de mal feita
Quem fez a tua cara
Já perdeu a receita

Ó....Ó.....Ó
Que cara de medonha
Quem fez a tua cara
Já perdeu a vergonha

Há muito, muito tempo, antes mesmo da era da rádio, esta cantiga era tocada pelas bandas filarmónicas nos adros das igrejas em todas as festas e mais algumas.
Até que a igreja decidiu que esta cantiga era pecado, afinal insultava o criador, e proibiu que fosse tocada junto aos templos. A ordem foi cumprida mas a cantiga continuou na boca do povo. Até hoje.

Faz-se uma molhelha....

Antigamente, no tempo em que as coisas eram levadas às costas, mesmo as mais pesadas, fazia-se uma molhelha para facilitar o transporte.
A molhelha é feita a partir de uma saca de pernil enfiada na cabeça. Enrola-se o que sobra da saca à altura dos ombros e aí se assenta a carga. A molhelha é uma espécie de base para colocar o molho, talvez a origem da palavra seja mesmo molho.
Ora bem. Uma das ironias mais engraçadas que ouvi recentemente socorre-se deste antigo costume. Em causa estava fazer uma tarefa bem simples e leve, acho que era desligar o rádio ao algo parecido. Perante a demora e a relutância em cumprir uma coisa tão fácil, eis que surge a expressão: "Faz-se uma molhelha e vai-se lá desligar o rádio." Perante a evidência, a pessoa não tem remédio senão aperceber-se do exagero.
Há pessoas que parecem precisar de molhelhas sempre, porque tornam pesadas as coisas mais leves, complicam o que não é complicado, transformam em difíceis as tarefas mais fáceis. "Faz-se uma molhelha e vai-se lá...." Ter presente a ironia talvez ajude muito boas almas que por este mundo andam.

sábado, novembro 03, 2007

Nossa casinha, nossa brasinha

"Nossa casinha, nossa brasinha". Gosto desta versão popular do famoso "Lar, doce lar." Ouvi-a há poucos dias e soou bem aos meus ouvidos, soou a aconchego, a calor, a segurança. "Nossa casinha, nossa brasinha." Pode ser pequenina, muito pequena mesmo, podemos passar a vida a sonhar com outra casa, podemos. Mas. É na nossa casinha que sentimos o tal calor, a tal sensação de protecção que nos é dada pelos lugares familiares e nossos. E foi isso que me fez ficar em casa neste sábado à noite, depois de tudo combinado para ir a um concerto. "Nossa casinha, nossa brasinha." Está frio lá fora, no mundo; mas aqui sinto algum aconchego.

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